São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2007

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FERNANDO BONASSI

Os especialistas

Os darwinistas duvidam que nós sejamos fortes o bastante para sobreviver e perseverar

OS ECONOMISTAS garantem que têm planos muito bons. Os cineastas já viram esses filmes. Os analistas de sistema não sabem se funcionam. Os esteticistas asseguram que é uma beleza. Os contadores informam que os números não batem. Os matemáticos dizem que o problema não é deles; e os climatologistas, que é uma questão de tempo para que seja de todos, uma vez que os arqueólogos encontraram fósseis desse tipo em civilizações ultrapassadas.
Para os sanitaristas, é "aquela água"; para os geneticistas, coisas como essa nem deveriam ter nascido. Os darwinistas duvidam que sejamos fortes o bastante para sobrevivermos e perseverarmos, enquanto os criacionistas têm certeza de que a culpa é de Deus. Deus deu adeus aos crentes, descrentes ou simplesmente está morto, posto que os comunistas arrivistas tomaram para si a divisão de todos; e os fascistas ecologistas defenderão até o fim a manutenção do status quo...
Duvida-se até mesmo que os sexólogos possam gozar com estes momentos, já que os humoristas foram contratados pelos governos patrocinados para contar as mesmas piadas sem graça do estado de coisas.
Por essas e outras, os sociólogos acham que a questão é mais geral, os antropólogos têm certeza de que o comportamento é cultural, enquanto os palhaços e malabaristas preferem ver o circo pegar fogo, já que os promotores de injustiça e bombeiros blindados encontrarão panos quentes para botar sobre as queimaduras e feridas dos dermatologistas mais sensíveis.
Os neurologistas estão nervosos com a lentidão dos geriatras e as loucuras químicas dos psiquiatras, preferindo se juntar aos psicanalistas e outros massagistas do ego.
Os egoístas continuarão tomando os outros como a si mesmos. Os semiólogos enólogos apelarão para os signos obscuros dos astrólogos embriagados; e os estruturalistas se apoiarão nos cálculos superfaturados dos empreiteiros engenheiros.
Os pecuaristas esclarecem que já conhecem esse gado e deixarão os rebanhos aos cuidados dos lobistas e pastores educadores. Os pedagogos e os demagogos serão confundidos nas páginas dos livros ilustrados de moral e cinismo. Os comentaristas se confundirão com os assessores para o usufruto da celebridade dos doutores, jogadores, atores e políticos pornográficos. Os ginecologistas avisarão sobre os riscos das doenças imprevistas para que os roteiristas de televisão embalem os seus melodramas de segunda.
Os humanistas do terceiro setor nem saberão a quem ou a que apelar, uma vez que os iluministas serão os primeiros a sair para apagar a luz desse espetáculo selvagem. Os estilistas apresentarão novas roupagens para a nostalgia estilhaçada, como se tivéssemos épocas melhores do que essas porcarias, enquanto "brazilianistas" subsidiados opinarão sobre os jeitinhos dados nisso tudo.
Os prejuízos só não serão maiores porque os juristas fundamentalistas advogarão em causa própria e, por enquanto, são muito poucos os que ousam tanto na esperteza para garantir seus direitos adquiridos por experiência privada ou ignorância pública.
Os astrofísicos estarão malhando em academias de ciência quando esses mundos se chocarem irremediavelmente. Prontamente os estrategistas farão das táticas titicas de galinha, com um diletantismo detalhista que se perderá em meio a filigranas esquisitas e só mesmo os militaristas minimalistas serão capazes de resolver a situação. A resposta dos terroristas, pelo menos, será conhecida com exatidão...
Os cardiologistas vigaristas instalarão corações de plástico concebidos por artistas premiados, reservando os demais órgãos internos para laudos, concursos e leilões. Os leiloeiros serão pregados para não fugirem com o butim dos leiloados que se sentirem acossados ou traídos. Os proctologistas irritados com os rabos presos avisam que o buraco é mais embaixo, mas os pedicuros e calistas advertem que "nem tanto".
Os ortopedistas serão convocados para reduzir as fraturas, colocar uns grampos, amarrar uns arames e cobrir com gesso. Os oculistas haverão de cobrar os olhos da cara que a terra há de comer.
Os topógrafos toparão qualquer negócio, já que conviverão com as cabeças nas nuvens da tempestade. Os armeiros de boa vontade continuarão a sinalizar o caminho com as balas traçantes dos traficantes. Os alfaiates marceneiros farão ternos e sapatos envernizados sob medida, mas as floriculturas cortarão o crediário: "Aqui se faz, aqui se paga", apregoarão! Os coveiros não têm opinião definitiva.


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