São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007

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NINA HORTA

A avozinha que a juventude procura

Escutem, meninas sonhadoras, esta avó que é o objeto de desejo de vocês não existe

MENINAS E meninos! Descobri um novo espécime em extinção! Como sou cozinheira, gorda e de cabelos brancos, passaram a me assediar para campanhas de móveis, de cozinhas, programas sobre Dona Benta... E as repórteres entram em convulsão só de lembrarem da avó. Permitam-me a dúvida, mas... será que esta avó existiu? Fico intrigada.
Não consigo dizer não a algumas revistas de que eu gosto e me prontifico a dar uma de Palmirinha e fazer um bolo na frente da câmera. Um bolo fingido, é claro, não dá tempo de passar por todas as etapas. Venho correndo do trabalho, tiro a batedeira lustrosa (nunca usada) e, quando vou jogar a farinha, vejo que uma aranha me olha zoiuda e amedrontada lá no fundo. Pois não é que ela pensou que a batedeira é o lugar mais protegido para uma aranha na casa de uma avó dos anos 60? Finjo que não vejo seu pavor e... farinha de trigo e leite nela! E na minha cabeça vão se desenrolando as avós que conheço. Uma juíza me diz: "Ah, eu até gosto de cozinhar, cozinho por prazer, ponho a comida na mesa em dias festivos e, se não gostam, não estou nem aí". Outras são Barbies, biquini, plástica, academia, botox e na-mo-ra-do. Qual cozinha qual nada, jamais fritei um ovo, fui trabalhar muito cedo, cadê o tempo?
Quem é que sobrou com cara de Dona Benta? Eu. Porque, além de tudo, fiz da comida a minha profissão. E escutem, meninas sonhadoras, esta avó que é o objeto de desejo de vocês, o espelho da Martha Stewart velhinha, não existe, a começar por ela, presa pela onda intensa de amor e ódio, olho gordo de todas as mulheres naquela criatura que lava e passa lençóis de linho, enche os vasos de flores, faz bolos decorados com borboletinhas azuis, tem uma cozinha coberta de panelas de cobre brilhante, uma horta com couves gigantes e, ainda por cima, é bonita e loira. Enquanto as mães pegam as crianças no colégio, enfrentam o trânsito caótico, a Stewart finge arear panelas, mas é um golpe de marketing. Está é colocando sua firma de desejos femininos na Bolsa, está contando seus milhões de empresária afiadíssima que pegou no ar a vontade não expressa das mulheres pelo lar, doce lar.
A hoje velha avó, mocinha nos 50 e 60, não estava fazendo bolo de fubá, eu garanto. Mascava chicletes, dançava "cheek to cheek", tomava Coca-Cola, pegou Elvis Presley, os Beatles, Mary Quant e suas minissaias, os hippies, a comida vegetariana cheia de brotos de alfafa, a pílula, o amor livre, tudo de interessante aconteceu naquela época, as universidades se abriram para elas... De que jeito o fruto de tais décadas poderia ser a avó maternal de mingauzinhos?
Diz a minha filha que estas últimas colunas parecem uma série intitulada "Chuta o pau da barraca". Não é isso. É que detesto enganar os já enganados. E sabem de mais uma? Nem a avó de Chapeuzinho cozinhava. Ficava deitada esperando o Lobo, e Dona Benta muito menos. Só tinha o "physique du rôle", quem fritava os bolinhos era Tia Nastácia. Nada mais fazia do que ler com os netos. Biscoito de polvilho, que é bom, nem para o Minotauro!
Velhinha enganadeira, aquela, fica nas capas dos livros de cozinha, nos logos de bolos e farinha, mas quase que dá para ver a saia da Tia Nastácia atrás, apavorada de sair na foto.
Claro, tem até as moças e meninas que cozinham. Viram a chef Bel Coelho nua na "Trip"? Que monumento, que beleza de mulher, queria o e-mail dela para dar parabéns por todo aquele esplendor e exigir que pare de lidar com restaurantes que envelhecem rápido as pessoas e que fique em casa, casada com o marido ideal e sabendo cozinhar, talvez salve a espécie moribunda e se transforme um dia naquela avozinha que a juventude procura; e, no intervalo da fritura de uns sonhos para a neta, vai tirar do baú a "Trip" e mostrar suas fotos: "Olha como era a vovó em 2007..."


ninahorta@uol.com.br

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