|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NINA HORTA
A avozinha que a juventude procura
Escutem, meninas sonhadoras, esta avó que é o objeto de desejo de vocês não existe
MENINAS E meninos! Descobri um novo espécime em
extinção! Como sou cozinheira, gorda e de cabelos brancos,
passaram a me assediar para campanhas de móveis, de cozinhas, programas sobre Dona Benta... E as repórteres entram em convulsão só de
lembrarem da avó. Permitam-me a
dúvida, mas... será que esta avó existiu? Fico intrigada.
Não consigo dizer não a algumas
revistas de que eu gosto e me prontifico a dar uma de Palmirinha e fazer
um bolo na frente da câmera. Um
bolo fingido, é claro, não dá tempo
de passar por todas as etapas. Venho
correndo do trabalho, tiro a batedeira lustrosa (nunca usada) e, quando
vou jogar a farinha, vejo que uma
aranha me olha zoiuda e amedrontada lá no fundo. Pois não é que ela
pensou que a batedeira é o lugar
mais protegido para uma aranha na
casa de uma avó dos anos 60? Finjo
que não vejo seu pavor e... farinha de
trigo e leite nela! E na minha cabeça
vão se desenrolando as avós que conheço. Uma juíza me diz: "Ah, eu até
gosto de cozinhar, cozinho por prazer, ponho a comida na mesa em
dias festivos e, se não gostam, não
estou nem aí". Outras são Barbies,
biquini, plástica, academia, botox e
na-mo-ra-do. Qual cozinha qual nada, jamais fritei um ovo, fui trabalhar muito cedo, cadê o tempo?
Quem é que sobrou com cara de
Dona Benta? Eu. Porque, além de
tudo, fiz da comida a minha profissão. E escutem, meninas sonhadoras, esta avó que é o objeto de desejo
de vocês, o espelho da Martha Stewart velhinha, não existe, a começar
por ela, presa pela onda intensa de
amor e ódio, olho gordo de todas as
mulheres naquela criatura que lava
e passa lençóis de linho, enche os vasos de flores, faz bolos decorados
com borboletinhas azuis, tem uma
cozinha coberta de panelas de cobre
brilhante, uma horta com couves gigantes e, ainda por cima, é bonita e
loira. Enquanto as mães pegam as
crianças no colégio, enfrentam o
trânsito caótico, a Stewart finge
arear panelas, mas é um golpe de
marketing. Está é colocando sua firma de desejos femininos na Bolsa,
está contando seus milhões de empresária afiadíssima que pegou no ar
a vontade não expressa das mulheres pelo lar, doce lar.
A hoje velha avó, mocinha nos 50 e
60, não estava fazendo bolo de fubá,
eu garanto. Mascava chicletes, dançava "cheek to cheek", tomava Coca-Cola, pegou Elvis Presley, os Beatles,
Mary Quant e suas minissaias, os
hippies, a comida vegetariana cheia
de brotos de alfafa, a pílula, o amor
livre, tudo de interessante aconteceu naquela época, as universidades
se abriram para elas... De que jeito o
fruto de tais décadas poderia ser a
avó maternal de mingauzinhos?
Diz a minha filha que estas últimas colunas parecem uma série intitulada "Chuta o pau da barraca".
Não é isso. É que detesto enganar os
já enganados. E sabem de mais
uma? Nem a avó de Chapeuzinho
cozinhava. Ficava deitada esperando o Lobo, e Dona Benta muito menos. Só tinha o "physique du rôle",
quem fritava os bolinhos era Tia
Nastácia. Nada mais fazia do que ler
com os netos. Biscoito de polvilho,
que é bom, nem para o Minotauro!
Velhinha enganadeira, aquela, fica
nas capas dos livros de cozinha, nos
logos de bolos e farinha, mas quase
que dá para ver a saia da Tia Nastácia
atrás, apavorada de sair na foto.
Claro, tem até as moças e meninas
que cozinham. Viram a chef Bel
Coelho nua na "Trip"? Que monumento, que beleza de mulher, queria
o e-mail dela para dar parabéns por
todo aquele esplendor e exigir que
pare de lidar com restaurantes que
envelhecem rápido as pessoas e que
fique em casa, casada com o marido
ideal e sabendo cozinhar, talvez salve a espécie moribunda e se transforme um dia naquela avozinha que
a juventude procura; e, no intervalo
da fritura de uns sonhos para a neta,
vai tirar do baú a "Trip" e mostrar
suas fotos: "Olha como era a vovó
em 2007..."
ninahorta@uol.com.br
Texto Anterior: Bebida: Cachaças têm série de lançamentos Próximo Texto: Biógrafo de Roberto Carlos diz se sentir "abandonado" Índice
|