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O VELHO E OS LOBOS
Os laços de "Cora" nas linhas de Julia Kristeva
REGIS BONVICINO
especial para a Folha
Julia Kristeva,
psicanalista de
profissão, é uma
pensadora que
conseguiu reunir, em suas reflexões, a linguística, a semiótica, a filosofia e a psicanálise.
Seu livro "Soleil Noir" ("Sol Negro/Melancolia e Depressão"), de
87, é conhecido no Brasil. Nascida
em 41, na Bulgária, mudou-se para
Paris em 65, onde se filiou ao grupo da revista "Tel Quel".
"O Velho e os Lobos", publicado
em 91 e agora lançado no Brasil pela Rocco (R$ 20, 164 págs.), é obra
de ficção, na qual, creio, Kristeva
tenta traduzir, para a prática, questões que se propôs e respondeu em
teoria. Entre elas, a de captar os
"estados de instabilidade" do sujeito, na linguagem, para além de
dualismos (masculino/feminino)
ou das normas de convivência, que
o reduzem ao mecânico.
Ela representa, portanto, uma
das estratégias para definir ser e
arte, no mundo pós-estruturalista,
ao reintroduzir o "físico" (e seus
fluxos e processos) no centro do
pensamento analítico e linguístico,
por meio do que designa "Cora"
(expressão tomada de Platão),
chamando a atenção para os laços
antigos do ser com o corpo da mãe,
onde, em tais laços, "identifica" a
possibilidade da poesia.
Kristeva foi buscar "inspiração"
no romance policial ("noir") para
tramar seus personagens, entre
eles o velho Septicius Clarus. E
também promover violenta crítica
ao mundo da "televisão", em Santa
Bárbara (aqui, em virtude do conceito de "barbárie").
Embora um tanto esquemático,
"O Velho ...", quase um ensaio livre, traz à tona pontos interessantes como o de, até hoje, o romance
policial ser considerado pelo cânone francês como algo "menor", ao
lado da "literatura de imigração".
Trata-se, portanto, de escolha
ideológica, a de Julia Kristeva, procurando explorar o universo da
"métissage" e da "créolisation" e o
aproximando do mundo dos laços
antigos do ser com o corpo da mãe.
Deste modo, pode-se entender
porque no meio do livro ela escreve: "Assim pode começar a narrativa do Velho e dos lobos, concebida de longe por um observador
anônimo e oculto, que não é outro
senão o autor dissimulado da
aventura" ou então sentenças como "...o ódio encurva-se nas mulheres como um útero".
Sim, pois Cora (os antigos laços
do ser com o corpo da mãe) é, para
Kristeva,o único útero legítimo.
Kristeva foi, ao lado de Jacques Lacan, Jean Baudrillard e outros, objeto de "desconstrução" recente
por parte de Alan Sokal e Jean
Bricmont que, numa revista de
"estudos culturais" norte-americana, publicaram artigo no qual
procuram mostrar como tais intelectuais "abusaram de terminologia e conceitos científicos, fora do
seu contexto e sem a mínima justificação". Esta ressalva poderia ser
feita ao romance "O Velho e os Lobos", mas não vale a pena diante de
um mundo cada vez mais destituído de pensadores.
Avaliação:
Régis Bonvicino é poeta, autor de "O Filho de Sêmele" (ed. Tigre no Espelho, 1999) e "Ossos de
Borboleta" (ed. 34, 1996), entre outros.
Home page: http://sites.uol.com.br/regis/
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