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CINEMA/ESTRÉIAS
"GOTAS D'ÁGUA EM PEDRAS ESCALDANTES"
Diretor exibe segura direção dos atores e um controle preciso do ritmo
François Ozon resume obsessões de Fassbinder
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O dramaturgo e cineasta
Rainer Werner Fassbinder
(1945-82), aos 19 anos, escreveu a
peça "Gotas d'Água em Pedras
Escaldantes". Dado que basta para mostrar que havia algo de
monstruoso em sua genialidade.
Pois nessa peça, transformada
em filme por François Ozon, está
contida, em embrião, toda a obra
posterior do cineasta alemão, descontada talvez a dimensão histórico-política presente em trabalhos como "Lola", "Lili Marlene"
e "Maria Braun".
Mas, mesmo nessas radiografias da Alemanha moderna, o cerne do drama fassbinderiano, o foco de seu interesse, a força que
move tudo são as relações pessoais de submissão e tirania.
É isso que está no centro de
"Gotas d'Água", drama claustrofóbico em que um homem de 50
anos, Leopold (Bernard Giraudeau), seduz e oprime um rapaz
de 19, Franz (Malik Zidi).
Com a frieza e o distanciamento
de um entomologista, Fassbinder
disseca as relações entre os personagens até reduzi-las à sua essência: um jogo permanente entre sexo e poder.
Ao transpor esse terrível ensaio
para as telas, o cineasta francês
François Ozon (o mesmo de "Sitcom") foi fiel ao texto e à estrutura
teatral da obra -tudo se passa no
apartamento de Leopold-, mas
não ousou radicalizar na forma
como Fassbinder.
O cineasta alemão, em seus filmes mais empenhados esteticamente, não fazia concessões ao
meio-termo hollywoodiano: ou
aprofundava a teatralidade da encenação (como em "As Lágrimas
Amargas de Petra von Kant" e em
"Enfim, uma Mulher de Negócios") ou exacerbava o naturalismo para chegar a seu oposto, como em "Por que Deu a Louca no
Senhor R" e "O Comerciante das
Quatro Estações".
Ozon preferiu uma decupagem
mais clássica, uma fotografia
translúcida e uma ambientação
realista. Tornou mais suportável,
para as platéias impacientes de
hoje, o petardo fassbinderiano.
Fez uma espécie de edição popular de uma obra "difícil".
De todo modo, a realização é
mais do que louvável. Além de
acentuar o humor irônico da peça
-presente sobretudo na cena final de cada "ato" e no início da última parte, quando entram em cena as duas ex-pareceiras dos protagonistas-, Ozon exibe um
controle preciso do ritmo e muita
segurança na direção de atores.
Giraudeau merece destaque pela notável gama de idéias e emoções que consegue expressar com
um mínimo de palavras e gestos.
Grande ator num belo filme.
Gotas d'Água em Pedras
Escaldantes
Gouttes d'Eau sur Pierres Brulantes
Direção: François Ozon
Produção: França/Japão, 1999
Com: Bernard Giraudeau, Malik Zidi,
Anna Thompson
Quando: a partir de hoje no Unibanco
Arteplex
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