São Paulo, sexta-feira, 03 de agosto de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

"GOTAS D'ÁGUA EM PEDRAS ESCALDANTES"

Diretor exibe segura direção dos atores e um controle preciso do ritmo

François Ozon resume obsessões de Fassbinder

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O dramaturgo e cineasta Rainer Werner Fassbinder (1945-82), aos 19 anos, escreveu a peça "Gotas d'Água em Pedras Escaldantes". Dado que basta para mostrar que havia algo de monstruoso em sua genialidade.
Pois nessa peça, transformada em filme por François Ozon, está contida, em embrião, toda a obra posterior do cineasta alemão, descontada talvez a dimensão histórico-política presente em trabalhos como "Lola", "Lili Marlene" e "Maria Braun".
Mas, mesmo nessas radiografias da Alemanha moderna, o cerne do drama fassbinderiano, o foco de seu interesse, a força que move tudo são as relações pessoais de submissão e tirania.
É isso que está no centro de "Gotas d'Água", drama claustrofóbico em que um homem de 50 anos, Leopold (Bernard Giraudeau), seduz e oprime um rapaz de 19, Franz (Malik Zidi).
Com a frieza e o distanciamento de um entomologista, Fassbinder disseca as relações entre os personagens até reduzi-las à sua essência: um jogo permanente entre sexo e poder.
Ao transpor esse terrível ensaio para as telas, o cineasta francês François Ozon (o mesmo de "Sitcom") foi fiel ao texto e à estrutura teatral da obra -tudo se passa no apartamento de Leopold-, mas não ousou radicalizar na forma como Fassbinder.
O cineasta alemão, em seus filmes mais empenhados esteticamente, não fazia concessões ao meio-termo hollywoodiano: ou aprofundava a teatralidade da encenação (como em "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant" e em "Enfim, uma Mulher de Negócios") ou exacerbava o naturalismo para chegar a seu oposto, como em "Por que Deu a Louca no Senhor R" e "O Comerciante das Quatro Estações".
Ozon preferiu uma decupagem mais clássica, uma fotografia translúcida e uma ambientação realista. Tornou mais suportável, para as platéias impacientes de hoje, o petardo fassbinderiano. Fez uma espécie de edição popular de uma obra "difícil".
De todo modo, a realização é mais do que louvável. Além de acentuar o humor irônico da peça -presente sobretudo na cena final de cada "ato" e no início da última parte, quando entram em cena as duas ex-pareceiras dos protagonistas-, Ozon exibe um controle preciso do ritmo e muita segurança na direção de atores.
Giraudeau merece destaque pela notável gama de idéias e emoções que consegue expressar com um mínimo de palavras e gestos. Grande ator num belo filme.


Gotas d'Água em Pedras Escaldantes
Gouttes d'Eau sur Pierres Brulantes
   
Direção: François Ozon
Produção: França/Japão, 1999
Com: Bernard Giraudeau, Malik Zidi, Anna Thompson
Quando: a partir de hoje no Unibanco Arteplex




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