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CINEMA
Mostra na Sala Cinemateca reúne 11 produções em que a música torna-se parte independente da narrativa
Ciclo celebra o divórcio entre som e imagem
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"Atenção , agora você tem
que se emocionar": eis o
papel da música no esquema do
cinema narrativo clássico. Ela age
como uma espécie de lubrificador
da psique. A música nunca se livrou dessa função, mas também
ganhou, ao longo da história do
cinema, um novo status, o de um
signo sonoro puro, independente.
A história dessa insurgência pode-se acompanhar na mostra "O
Cinema Musical e Seus Vários
Compassos", na Cinemateca.
De "Cantando na Chuva" a
"Uma Mulher É uma Mulher", o
cerne dessa história está um pouco aí, na influência exercida pelo
gênero musical hollywoodiano no
cinema moderno, na nouvelle vague em especial. Os filmes modernos devem aos musicais americanos tanto a abstração espacial, o
puro espaço de convenção em
que se operam, quanto a especificidade do plano musical e, portanto, sonoro. Em filmes como
"Uma Mulher É uma Mulher",
apropriação godardiana da comédia musical, consuma-se o divórcio entre som e imagem, entre
música e ação, anunciado pelos
números musicais dos grandes
filmes do gênero hollywoodiano.
Era o que já preconizava Bertolt
Brecht nos anos 40: antes de servir
para enlaçar os acontecimentos, a
música deveria ganhar autonomia. Um dos problemas da música no cinema, dizia Brecht, é que o
compositor só é chamado depois
do filme pronto. Chamá-lo depois
é legar à música uma função meramente ilustrativa, reduzindo e
enfatizando redundantemente o
significado da imagem -redundância que encontra sua expressão mais irônica nas escalas musicais ascendentes que Lubitsch
usava para acompanhar seus personagens subindo escadas.
Descolar a música da imagem é
quase um projeto da primeira fase
da obra de Godard. Em "Uma
Mulher É uma Mulher", ele libera
a música enquanto ruído. A verdadeira vedete do filme, diria Jacques Aumont, é a descontinuidade sonora. As rupturas de tom
nos informam sobre a descontinuidade do comportamento dos
personagens; a própria dança não
entra senão como um momento
nesse comportamento, um acidente. Anna Karina dança porque
quer se sentir como Cyd Charisse
em um musical de Vincent Minnelli, mas Godard só retém de sua
coreografia os pontos culminantes, como que alvejando a comédia musical com o fuzil fotográfico inventado por Marey.
Se Godard chama seu filme de
"musical neo-realista" é porque o
real corrói ali o sonho de evasão
caro aos musicais clássicos. No
pós-guerra, da fábrica de sonhos
da velha Hollywood só resta certa
nostalgia. Eis a verdadeira fábrica
a que se refere Lars Von Trier em
"Dançando no Escuro", outra
atração da mostra. Trier faz uma
leitura pop-marxista do musical
americano, centrando-se na alienação (cegueira) de uma Björk
proletária. É dogmático, mas em
amplos sentidos.
O CINEMA MUSICAL E SEUS VÁRIOS
COMPASSOS. Onde: Sala Cinemateca
(lgo. Senador Raul Cardoso, 207, SP, tel.
0/xx/ 11/5084-2318). Quando: de hoje a
13/12. Quanto: R$ 8.
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