São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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CRÍTICA

Italiano concebe história como dialética da sedução

CRÍTICO DA FOLHA

Na época, Carl Gustav Jung era ainda um discípulo que projetava em Freud a imagem do pai. Imagem que o mestre cultivava: como lembra Jung em "Memórias, Sonhos, Reflexões", Freud se apegava à sua "autoridade de pai" e tanto zelava por ela que começara a perdê-la. Nessa altura, Sabina Spielrein -personagem que Jung apagou de suas memórias- entrou na história.
Spielrein era um nome esquecido até a publicação, em 1974, da correspondência entre Freud e Jung. Três anos depois, parte dos diários de Spielrein e as cartas que trocou com os dois papas da psicanálise foram achadas em Genebra: para os historiadores, tinha sido dada a largada.
No filme de Roberto Faenza, "Jornada da Alma", os que chegam primeiro são o historiador escocês Fraser (Craig Ferguson) e a professora francesa Marie (Caroline Ducey). Por motivos diversos, os dois investigam, em Moscou, que fim levara a misteriosa e irrequieta Spielrein. A história de sua relação com Jung é contada paralelamente, o que não chega a ser uma solução narrativa inteiramente banal. Faenza sobrepõe assim dois processos de investigação no passado, o dos historiadores e o do psicanalista.
Jung, a julgar por suas "Memórias", tinha dom para desvendar os segredos mais inconfessáveis de suas pacientes. Ao método freudiano, somava uma intuição toda particular. Spielrein, uma jovem russa, bela, brilhante e "histérica", foi uma de suas primeiras pacientes, um de seus primeiros sucessos, antes de se tornar um de seus maiores segredos.
Jung concebia a relação com suas pacientes como uma confrontação dialética de duas realidades psíquicas. Faenza concebe a relação de Jung com Sabina como uma dialética da sedução.
A síntese de tal dialética seria Siegfried, o filho que Sabina queria ter com Jung e que, segundo ela, reuniria as qualidades da descendência judaica da mãe com o vigor teutônico (ariano) do pai. Mas foi Emma, a mulher de Jung, quem teve, a essa altura, seu terceiro filho, o que teria precipitado o rompimento e a crise dos amantes. Momento em que Freud entra na história. Sua presença em "Jornada da Alma" é meramente epistolar, o que reforça muito bem a função de autoridade paterna que desempenhou no caso.
"Jornada da Alma" não é um grande filme. A mão do diretor Faenza volta e meia se faz pesada. A produção volta e meia fraqueja, ultrapassando os seus limites na reconstituição da Rússia pós-revolucionária em que foi parar Spielrein. Mas o filme é desses que tomam partido de todas as suas personagens e que, de tão enamorados por estas, nos seduzem.
(TIAGO MATA MACHADO)


Jornada da Alma
Prendimi l'Anima
   
Direção: Roberto Faenza
Produção: Itália/França/Inglaterra, 2002
Com: Iain Glen, Emilia Fox
Quando: a partir de hoje no Cineclube DirecTV, Frei Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e Kinoplex Itaim



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