São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Chico Buarque revê relação com Rio

No livro "Cidade Submersa", ele lembra verões da infância e diz que ainda tem dificuldade de assimilar códigos cariocas

Com texto de Regina Zappa, obra tem ensaio fotográfico realizado a partir de 30 músicas do autor baseadas na atmosfera carioca

DA SUCURSAL DO RIO

Chico Buarque nasceu no Rio e se mudou aos dois anos para São Paulo, mas seus verões de criança e adolescente foram passados na cidade natal. Ou melhor, em um pedaço dela.
"O Rio de Chico [...] era feito de Copacabana", escreve Regina Zappa em "Chico Buarque -0Cidade Submersa", livro que se concentra na relação do compositor com o lugar que continua lhe dando régua e compasso -seu CD lançado neste ano se chama "Carioca".
Detalhes daquelas férias praieiras formam uma parte saborosa do texto de 16 páginas (grandes) de Zappa -o restante do livro são 30 letras de Chico acompanhadas de um ensaio fotográfico de Bruno Veiga.
De manhã, ele corria com os primos para a areia e o mar do Lido (posto 2 de Copacabana), de onde só voltava quando a avó materna, Maria do Carmo, punha um pano vermelho na varanda, sinal de almoço.
Feita a digestão, para que não se consumasse a lenda de que exercícios após as refeições eram fatais, ele retornava à praia.
"Ele diz que é mais mar do que mata. Ficou afastado quando morou em casa [na Gávea, encostado no morro Dois Irmãos], mas realizou sua volta para o mar", diz Zappa, referindo-se ao apartamento em que Chico vive hoje, no Leblon, com ampla vista para o oceano. A jornalista, que lançou em 2000 um livro sobre o compositor para a série "Perfis do Rio", fez neste ano duas entrevistas com ele para "Cidade Submersa".
Entre as lembranças, uma visita ao morro da Babilônia, no Leme (zona sul), para ver onde tinha sido filmado "Orfeu Negro", o filme francês baseado na peça "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Moraes, até então só amigo de seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda. Eram os anos 50, e para entrar em uma favela bastava querer.

Estrangeiro
Sobre os dias de hoje, Chico relata seu primeiro vôo de asa-delta, que enfrentou estimulado pela caçula Luísa -e para impressioná-la. E reafirma a certeza de que o Rio é onde se sente menos estrangeiro.
"Quando começam a pedir autógrafo, foto e tal, é porque estamos em algum feriadão e tem muita gente de fora. O carioca não faz muito isso", diz ele, que é visto com freqüência no calçadão e em restaurantes.
Mas Chico diz no livro que nem assim consegue assimilar os códigos cariocas, sempre em transformação. Por exemplo: hoje as pessoas caminham no calçadão com meias abaixadas e camisa na mão, não na cintura. "Nasci aqui e, mesmo assim, ando pisando em ovos. Será que estou sendo carioca?", brinca.
O fato de ter vivido em São Paulo por muito tempo -o que lhe rendeu o apelido de Carioca entre os colegas paulistanos-, em Roma por duas vezes e ainda viajar bastante faz com que Chico não se sinta "pertencendo a lugar nenhum", nem mesmo ao Rio por completo.
"Quero ter algum dia a cidadania plena, a sensação de pertencer à cidade, saber que eu pertenço a ela, de ser aceito pela cidade."
Nas músicas, há as que se referem explicitamente ao Rio, como "Partido Alto", "Estação Derradeira", "Pivete" e "Futuros Amantes" -de onde saiu a expressão-título do livro. E há outras "com uma atmosfera em que o carioca possa se reconhecer", segundo Zappa. São os casos de "A Rita", "Vai Trabalhar, Vagabundo" e "Quem te Viu, Quem te Vê". "A idéia inicial era o Chico comentar música a música, mas ele nem se lembra de como fez várias e diz que elas falam por si", conta a autora. (LUIZ FERNANDO VIANNA)


CHICO BUARQUE - CIDADE SUBMERSA
Autores:
Regina Zappa e Bruno Veiga
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 69 (160 págs.)


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