São Paulo, terça-feira, 04 de janeiro de 2005

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CINEMA

Para cineastas, filmes políticos não deixarão de ser produzidos nos EUA por conta da reeleição de George W. Bush

Ativismo político continuará nas telas

NANCY RAMSEY
DO "NEW YORK TIMES"

Nos meses que precederam a eleição de novembro, parecia que a cada duas semanas surgia um novo documentário cujo objetivo era derrotar George W. Bush.
Os cinemas exibiram "Fahrenheit 11 de Setembro", "Bush's Brain", "Going Upriver: The Long War of John Kerry", e "Brothers in Arms: The Story of the Crew of Patrol Craft Fast 94". A MoveOn exibiu "Outfoxed: Rupert Murdoch's War on Journalism", e "Uncovered: The War in Iraq". Um site aberto em setembro, www.filmstoseebeforeyouvote.org [filmes para assistir antes de votar], recebeu 13 mil visitas em três semanas.
Agora, com a eleição encerrada -e com resultados que George Butler, diretor de "Going Upriver", comparou a "uma freada brusca diante de uma parede de tijolos"-, surge a questão sobre o que o futuro reserva a esses cineastas. Entrevistados sobre seus novos projetos, muitos deles deixaram claro que não encaravam a recente mistura de cinema e ativismo político como fenômeno limitado à campanha presidencial.
"Os documentários políticos não vão parar de repente porque George Bush foi reeleito", disse Erroll Morris, de "Sob a Névoa da Guerra", documentário premiado com o Oscar, que analisa as fatídicas decisões que conduziram os Estados Unidos ao Vietnã. Durante a campanha eleitoral, Morris filmou comerciais para a MoveOn, mostrando pessoas que votaram em Bush em 2000, mas planejavam votar em Kerry em 2004.
"Se as pessoas se motivaram a fazer filmes devido à sua preocupação com a política de um dado governo", afirma ele, "seria difícil dizer que essas preocupações desapareceram em 2 de novembro". Joseph Measley, de "Bush's Brain", -sua primeira incursão no mundo dos documentários depois de 25 anos como diretor de câmera- disse que "George Bush continuará a fornecer muito material". Robert Greenwald, que dirigiu "Outfoxed" e "Uncovered", disse que se sente encorajado pelos milhares de e-mails que recebeu em apoio aos seus filmes.
Já Michael Moore está preparando uma seqüência para "Fahrenheit 11 de Setembro", documentando o segundo mandato de Bush. Perguntado sobre o projeto, Moore falou sobre o documentário que está dirigindo no momento, sobre os planos de saúde e as companhias farmacêuticas, cujo título provisório é "Sicko" e que o novo filme "deve chegar aos cinemas dentro de um ano e meio".
"Sicko" já causou certa preocupação entre as companhias farmacêuticas. Um boletim de notícias online no setor de pesquisa e desenvolvimento da Pfizer publicou um artigo, descrito como "semi-humorístico" por Stephen Lederer, porta-voz da divisão de pesquisa e desenvolvimento da empresa, advertindo os funcionários de que se vissem um sujeito desalinhado usando um boné de beisebol, decerto saberiam de quem se trata.
Filmes que pareciam tratar especificamente da eleição de novembro também estão encontrando ressonância agora. O Sundance Channel exibirá de novo "With God on Our Side: George W. Bush and the Rise of the Religious Right in America", no dia do presidente, 21 de fevereiro. O filme foi encomendado pelo Channel 4, no Reino Unido, e antes que o Sundance decidisse exibi-lo nos Estados Unidos, conta David Van Taylor, um dos diretores do documentário, estavam "negociando com outra rede, que disse que se Kerry vencesse o filme não teria interesse depois da votação". Uma preocupação a menos. "Desde a eleição, tive contatos de parte da CNN, National Public Radio, Air America, distribuidores de DVDs, escolas e bibliotecas", disse.
Fenômeno semelhante aconteceu com "Rated R: Republicans in Hollywood", exibido pelo AMC em setembro e agora programado para uma segunda transmissão. "Rated R", diz o diretor, Jesse Moss, é "um vislumbre do movimento conservador que normalmente não vemos, excluído o componente evangélico".
Ainda que uma minoria, alguns cineastas produziram documentários conservadores durante a campanha, como "Celsius 41.11: The Temperature at Which the Brain Begins to Die", escrito e produzido por Lionel Chetwynd e Ted Steinberg, e lançado em outubro. Um exemplo mais típico de cineasta politizado é Moss, que disse que sua posição política se enquadra perfeitamente à da "comunidade dos documentaristas, que é muito progressista". Dez anos atrás, ele trabalhava como redator de discursos para o Partido Democrata, e está considerando agora um filme sobre os ataques com antraz no final de 2001. "Não conheço ninguém que tenha votado em George W. Bush", disse Moss. "Creio que essa seja uma grande área cega para os documentaristas".
"Por trás da agenda liberal está a idéia de que eu estou certo e você está errado. Meu medo era que boa parte do material vindo da esquerda ou dos democratas só falasse aos já convencidos. Às vezes penso em "Fahrenheit 11 de Setembro" como uma tentativa de criar uma igreja laica. Você iria ao cinema para participar do culto coletivo contra Bush, aquele herege", argumenta Morris.
"Desde que você prove que o filme pode faturar, é possível dizer qualquer coisa", afirma o cineasta Alex Gibney. "Creio que se Rupert Murdoch acreditasse que é possível ganhar dinheiro com um canal fervorosamente esquerdista, ele o criaria". Gibney e Eugene Jarecki produziram "The Trials of Henry Kissinger", lançado em 2002. Gibney agora está concluindo um projeto sobre a Enron que vai estrear no Sundance Film Festival do mês que vem. Jarecki também vai exibir um documentário no Sundance, sobre o militarismo norte-americano. Ele e Gibney receberam sugestões de que seria melhor lançar os filmes antes da eleição. Ambos resistiram, dizem, em parte porque queriam que seus filmes fossem vistos em contexto histórico mais amplo que o da eleição.
Morris concorda. "Gostaria de ver mais jornalismo investigativo que não seja partidário", disse. "Com "Sob a Névoa...", queríamos deixar claro que os erros horrendos do Vietnã não foram cometidos só pelos republicanos. Quem começou foi Kennedy e Johnson. Deveríamos estar cientes de que os erros não foram cometidos apenas por republicanos".


Tradução de Paulo Migliacci


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