São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA DRAMA

Montagem de Albee sugere falência de produção teatral


QUEM EXPLICA POR QUE UM ESPETÁCULO REUNINDO TANTOS TALENTOS E RECURSOS DECEPCIONA?


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O drama de um teatro doente? A primeira encenação brasileira de "A Senhora de Dubuque", peça menor do consagrado dramaturgo norte-americano Edward Albee, sugere a falência de certo modo de produção teatral.
Houve tempo em que importar um texto de autor estrangeiro famoso e produzi-lo com requinte e grande elenco bastava para garantir, se não o êxito de público, ao menos a sua relevância artística. Não é o caso desta montagem. O texto estreou em 1980, na Broadway, para uma temporada interrompida depois de 12 apresentações.
Há três anos uma encenação em Londres, com a famosa atriz Maggie Smith, teve mais sorte e inspirou o produtor brasileiro na atual empreitada. Todas as características da dramaturgia de Albee estão presentes ali.
Situações cotidianas, intensificadas pelo álcool e pela excepcionalidade vivida pelos personagens, desembocam em crises e rupturas.
De um coloquialismo desbocado e banal quase sempre emerge uma dimensão metafísica, principalmente quando o conflito configurado adquire tonalidades mais trágicas.
Mas em "A Senhora de Dubuque" a fórmula não alcança a altura de suas melhores obras.
Três casais reunidos uma noite repetem a série de jogos perversos a que estão habituados. As crueldades que se infligem uns aos outros são temperadas pela circunstância de que uma das personagens está com uma doença terminal.
A chegada de uma mulher, vinda de Dubuque, cidade de Iowa, dizendo-se mãe da moça condenada, ativa a mola de uma dúvida que se estenderá irresoluta até o final.
Se há um tema, além da ameaça da morte, é o da identidade em suspenso, que, emanando da visitante misteriosa, termina por contaminar os personagens.
O diretor da peça, o ótimo ator de cinema Leonardo Medeiros, retorna à direção teatral depois de muitos anos.
Talvez por isso não apresente uma leitura bem definida, preferindo compor, com o cenário imponente de Mira Andrade e a luz quase barroca de Beto Bruel, um arranjo pouco orgânico. É como se cada parte isolada se sobressaísse mais que o conjunto.

ELENCO
Nessa dinâmica meio solta, resta aos atores e atrizes, porta-vozes do autor, a condução da cena. Karen Rodrigues, como a protagonista que dá nome à peça, retorna com elegância e competência ao palco e, segura, garante a travessia.
Já sua antagonista, Alessandra Negrini, como a doente terminal, se na primeira parte, em que desempenha a faceta naturalista de sua personagem, safa-se bem, na segunda, em que lhe é exigido inventar um estado absorto, em registro mais simbolista, tem dificuldades.
Os demais atores equilibram-se, com destaque favorável para Edson Montenegro, como o acompanhante negro da senhora de Dubuque, e negativo para Joaquim Lopes, como o marido da moribunda.
Quem explica por que um espetáculo reunindo tantos talentos e recursos decepciona? Talvez esse modelo de simplesmente somar trunfos, sem engendrar um todo, esteja mesmo adoecido.

A SENHORA DE DUBUQUE

QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 6/3
ONDE Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195; tel. 0/xx/11/3095-9400)
QUANTO R$ 8 a R$ 32
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO regular


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