São Paulo, sábado, 04 de março de 2000


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MODA
Estilista inglês apresentou criações lúdicas, com músicas e cenário que remetiam ao universo infantil
Galliano faz desfile alegórico em Paris

ERIKA PALOMINO
enviada especial a Paris

O inglês John Galliano fez, anteontem à noite, o mais incrível desfile da temporada do prêt-à-porter em Paris, que termina hoje depois de mostrar as propostas da moda para o outono-inverno 2000/2001.
Galliano fez um grande happening, uma grande alegoria, remetendo a um dos primeiros prazeres relacionados ao ato de se vestir, um ritual de brincadeira e deleite. Como crianças que brincam de experimentar a roupa da mãe, da avó, do pai, brincando de teatro, criando fantasias e objetos lúdicos, as modelos desfilavam looks únicos que misturavam moda de verdade, tendências e um curioso mundo paralelo.
O assombramento já começava na porta do Grand Halles de la Vilette, uma sala de espetáculo na periferia de Paris, que ganhou o nome do estilista, gigante, em luzes na entrada. Na sala escura, luzinhas acompanhavam a passarela brilhosa.
Com músicas que também remetiam ao universo infantil, como passagens de desenhos animados, misturadas a uma house music do tipo "pumping", as modelos apareceram em cena respingadas de tinta azul ou amarela (era essa a maquiagem), como se estivessem brincado com o material. Ocasionalmente, elas têm narizes de gato ou bigodes desenhados no rosto. A "maria-chiquinha" imperou, com franjas; Audrey Marney, por exemplo, parecia uma criança mimada e contrariada.
O visual é elaborado, com muita sobreposição e cores. As formas são sempre soltas, e a silhueta é totalmente largada. Afinal, todas as roupas são "emprestadas" de adultos. Puro pretexto para um delicioso exercício estilístico, em que vestidos de tule fora do lugar feito bailarinas (uma das obsessões de Galliano, pelo visto) se somam a marinheiros ou piratas.
A hábil brincadeira de proporções chega no casaco verde de matelassê em seda, enorme, sobre o vestido (agora sim) sequinho de bordados, sem manga.
Assim, Galliano vai misturando efeitos de passarela com peças adoráveis, mais vendáveis, digamos. Os mais mal-humorados podem pensar o clássico "quem é que vai usar isso?", o fato é que a cliente John Galliano já está acostumada ao senso de humor do estilista, e certamente vai saber lidar com essa nova estética.
Vai ser ótimo ver fashionistas e moças descoladas (e/ou ricas) em geral vestindo o new look esportivo de Galliano: bolsas e camisetas gigantes tipo basquete têm a inscrição Galliano Wonderers, em combinações de cores que incluem até uma verde-amarela, certamente inspirada no Brasil.
Essa camisa canarinho aparece sob um corselet vermelho e uma saia reta de estampa floral (tem muita flor e muita sobreposição). Nos pés, galochas coloridas, chuteiras, botas de salto e até o sapato do vovô.
Um "menino maluquinho" entra com casacão de tricô e panela na cabeça; há ainda o boné Galliano King (com o logo do Burger King), o chapéu abajour-na-cabeça e o look boudoir com pompons rosa e maxipull cinza, seguido do vestido de lã de manga comprida, pelo joelho, com bordado em zigue-zague colorido.
Mas o melhor ainda estava por vir (e o tombo de uma modelo oriental quase de boca na passarela deve ser esquecido; ninguém aplaudiu, ninguém falou nada, foi como se não tivesse acontecido).
Entra na passarela uma modelo vestida com uma grande girafa, feita de madeira e plumas. Depois, uma avestruz, com botas de salto com o mesmo papel picado do animal; depois uma modelo com armação de boneca de papel; e depois um navio, depois um pinto e um sapo. E um carrinho que buzinava e tudo, um cavalo-marinho e uma borboleta-flor.
Ninguém acreditou. Ao som de Diana Ross, parecia uma declaração de amor à vida, um voto de confiança na moda e, ao mesmo tempo, um despojamento, um deboche, quase-descaso, uma auto-ironia que poucos têm. Colocar as melhores modelos do mundo para brincar de moda, e mostrar isso aos mais importantes profissionais do mundo, requer alguma coragem.
Galliano tem de sobra. Gisele Bündchen (observada por João Paulo Diniz na primeira fila), encerrou o desfile com um sexy vestido de couro decotado, com saia longa, chapéu e guarda-chuva. A fila de aplausos finais parecia apresentação de escola ou apoteose de escola de samba, ao som de um mambo ("mambogalliano") que deixou mesmo as pessoas mais chatas sorrindo.


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