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Longa, cujas filmagens foram paralisadas em maio de 99, tem 95 minutos prontos
O novo round de 'Chatô'
Ministério da Cultura recorre ao da Fazenda, sem sucesso, para obrigar Fontes a devolver recursos; cineasta vende direitos à TV e diz concluir filme este ano, com mais US$ 2 mi
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Guilherme Fontes, 34, reuniu
R$ 13,141 milhões -entre investimentos públicos e privados- para realizar "Chatô", o mais caro
empreendimento cinematográfico brasileiro. O ator e produtor
tem 95 minutos de filme montados e diz que necessita de mais
US$ 2 milhões para finalizá-lo
com o total de 130 minutos.
O projeto de "Chatô" foi desenhado em 1995, obteve aprovação
para captar recursos com benefício das leis de renúncia fiscal em
1996 e começou a ser rodado em
1999. Em maio daquele ano, as filmagens foram interrompidas e
nunca retomadas.
Desde então, Fontes e a Secretaria do Audiovisual do Ministério
da Cultura, que determinou seu
impedimento para captação de
mais recursos, travam uma batalha de trâmites burocráticos que
se avizinha ao foro judicial.
Na última sexta, o MinC encaminhou à Secretaria Federal de
Controle, do Ministério da Fazenda, a conclusão de sua Tomada de
Contas Especial, com o intuito de
que servisse a uma conclusão definitiva do processo.
O desejo do MinC é que Fontes
devolva aos cofres públicos parte
do valor captado e que um produtor delegado providencie a finalização do filme tal como está, sem
captação adicional de imagens.
Mas segundo a Folha apurou, a
conclusão continua distante. A
Secretaria Federal de Controle devolverá o processo ao MinC na semana que vem, por julgá-lo inadequado. O MinC não conseguiu
fazer o que seria requisito indispensável a uma decisão -quantificar o eventual prejuízo causado
pelo projeto.
Fontes, por sua vez, assinou
contrato com a TV Globo no mês
passado, vendendo à emissora direitos exclusivos de exibição do
filme. O ator acusa a Secretaria do
Audiovisual de tentar manipular
negativamente a imagem de seu
filme na imprensa e impor-lhe dificuldades inéditas em projetos
beneficiados pelas leis.
O filme pretende transpor para
o cinema a trajetória do empresário das comunicações Assis Chateaubriand. Contabilizando seis
anos à frente do projeto "Chatô",
Guilherme Fontes diz que muitas
vezes se reconheceu num roteiro
de manipulação midiática em tudo semelhante ao do personagem
que quer retratar. A seguir os
principais pontos da entrevista
que concedeu à Folha, em seu escritório, no Rio de Janeiro.
Folha - A TV Globo anunciou este
mês a reserva dos direitos de exibição de "Chatô" na televisão, dois
anos após a estréia nas telas. Quais
são as perspectivas de conclusão
do longa?
Guilherme Fontes - O contrato
de pré-venda com a Globo é sério,
profissional e inteligente. Usamos
as mesmas bases de acordos feitos
com distribuidores americanos,
com pequenas adaptações. Vale o
sucesso. Por esse contrato, devo
ganhar quatro vezes mais do que
previ lá atrás, dependendo do sucesso do filme.
Folha - Dependendo do sucesso
de bilheteria?
Fontes - Sim, se eu fizer tantos
milhões de espectadores...
Folha - O sr. conta os espectadores em milhões?
Fontes - Tenho de ter milhões
para pagar a conta. Então, vou fazer uma distribuição para ter milhões. A distribuição tem de ser
proporcional ao projeto. Para se
transformar um projeto desse tamanho em sucesso, nada mais lógico que investir massivamente
em distribuição e em mídia. É isso
o que o contrato reza. Essa é a minha vírgula no contrato.
Folha - O sr. considera imprescindível para a conclusão do filme a
retirada do veto à captação de mais
recursos pela Lei do Audiovisual?
Fontes - É fundamental que seja
retirado o impedimento proposto
pelo secretário do Audiovisual,
José Álvaro Moisés.
Folha - Quanto dinheiro e quanto
tempo ainda são necessários para
terminar "Chatô"?
Fontes - Os meus números sempre foram mais ou menos os mesmos. Tenho o orçamento de um
projeto multimídia que inclui série, minissérie, documentários e
longa-metragem. O longa vale
60% do meu orçamento, e os subprodutos, 40%. Desse orçamento
original, de 1995, captei R$ 8,641
milhões em recursos públicos. De
recursos próprios foram investidos R$ 4,5 milhões, em instalação
de máquinas e parceria internacional. Até aqui foram realizadas
oito horas de documentários dirigidos por Walter Lima Jr., mais de
20 horas de programação de TV
em "making ofs" e o filme propriamente dito, com 1h35 editados. A versão final terá 2h10. Ainda faltam US$ 2 milhões.
Folha - Com os US$ 2 milhões adicionais, em quanto tempo é possível concluir o filme?
Fontes - Quatro meses depois está na tela. Fiz um cronograma extenso, que vai deste mês, quando
acabo a novela, até julho de 1997.
Pretendo ficar apenas quatro meses em cartaz e atravessar de 150 a
350 cinemas. Isso significa que
vou atingir minha meta de público e pagar o custo.
Folha - O sr. disse julho de 1997.
Fontes - Perdão, de 2002. É porque o ano... Destruíram o meu calendário. Na verdade, de maio a
dezembro acabo de filmar e finalizar. Faço as pré-estréias ainda este
ano, lanço no fim do ano, ficamos
de quatro a seis meses em cartaz.
Folha - No auge das dificuldades
do projeto, o sr. declarou que a realização do filme "Chatô" não era do
interesse do secretário José Álvaro
Moisés e do produtor Luiz Carlos
Barreto. Em que o fracasso de seu
filme interessaria a eles?
Fontes - Porque o meu é um projeto de êxito, e o projeto de gerenciamento e política audiovisual
brasileiro é um fracasso. Essas palavras podem parecer um pouco
agressivas, mas na realidade elas
não são políticas mais. São de alguém que acreditou e não vai deixar de acreditar que a lei é boa, o
gerente é que é ruim.
A lei é útil e rentável e os incentivos não podem deixar de existir,
mas eles precisam ser vigiados e
não dissimulados para a opinião
pública. Houve um processo de
dissimulação do que seria uma
fraude em relação a mim.
A fraude era a prestação de contas, e não o projeto. Não é legal ele
fazer essa prestação de contas
com o projeto em andamento.
Não só não é legal como causou
um prejuízo vergonhoso para os
cofres públicos.
Folha - O sr. está dizendo que exigir a prestação de contas do projeto durante o seu andamento foi um
artifício para impedir que ele se
realizasse?
Fontes - Perfeitamente. Afinal de
contas, ele é a autoridade.
Folha - O sr. afirma que o produtor Luiz Carlos Barreto ficou desagradado com o fato de o sr. ter adquirido os direitos de filmagem do
livro, que ele também gostaria de
levar ao cinema. Em algum momento o sr. teve algum contato
com o produtor ou ouviu isso diretamente dele?
Fontes - Tenho notícias de várias
pessoas que o encontravam por
aí. Ele sempre falou muito mal de
mim nas rodas. Política é assim:
de tanto falar, a versão vira verdade. Uma vez Murilo Salles me disse que ele estava nos corredores
da Petrobras gritando com os braços levantados: "Vou levá-lo até a
Receita Federal". Hoje Murilo pode negar, porque é amigo dele.
Mas o Barreto, eu, todos nós somos vítimas dessa falta de capacidade de gerência dessa política de
aprovação demagógica.
Todos podem captar, todos podem produzir, todos podem ter os
mesmos direitos e deveres que
um cineasta das antigas. Teoricamente, isso poderia ser legal, se
fosse bem cuidado. Eu achava legal. Mas isso se transformou numa guerra interna da nossa classe.
Folha - Quando a Secretaria do
Audiovisual determinou o impedimento da captação de mais recursos, apontou também a existência
de dez irregularidades na prestação de contas do projeto. O sr. recebeu resposta oficial a respeito da
análise dessa prestação de contas?
Fontes - Para que eu pudesse levar a investigação a sério, tive de
aceitar a retirada do processo de
dentro do MinC e o seu encaminhamento à Secretaria Federal de
Controle Interno, que instrui os
processos na direção do Tribunal
de Contas da União, o que, aparentemente, era a intenção inicial
do secretário. Mas os processos só
podem ir adiante quando têm relevância, quando têm lógica de irregularidade. As lógicas das minhas irregularidades são faltas
que o direito qualifica como faltas
formais -erros de preenchimento de documentos, erros simples.
Todo mundo sabe que as regras
fiscais estão sendo alteradas todo
dia. O país vive uma bagunça fiscal, e isso se reflete nas microempresas de cultura. Uma vez na Secretaria Federal de Controle, eu tive acesso ao processo corretamente, coisa que até então eu vinha sendo impedido de ter.
E volta e meia continuo sendo
impedido. Impedido às vezes de
ter boa vontade. Sai um despacho,
e eles me mandam um fax dizendo que não vão poder me passar
um fax daquele despacho. Mas
podem passar um fax dizendo
que não podem passar o fax.
Compreende? Houve uma ralentada proposital no processo.
Folha - O secretário do Audiovisual disse à Folha que a comissão
especial de averiguação já chegou
a uma conclusão sobre o caso. O sr.
tem notícia de qual é a conclusão?
Fontes - Não, mas sei que ela
saiu há um mês e imagino que seja positiva, porque senão eu já saberia. Coisa ruim vem logo.
Folha - Em 1997, o sr. convidou
Francis Ford Coppola para vir ao
Brasil e dirigir "Chatô". Ele esteve
no país, mas recusou o convite para
assumir o filme. Por quais razões
ele decidiu não aceitar a proposta?
Fontes - Porque era muita pretensão minha que ele aceitasse.
De toda forma, foram os momentos mais lindos da minha vida,
continuam sendo. Nossa parceria
deverá ser retomada na medida
em que os recursos voltem a ser
investidos. Não é obrigação dele
investir recursos, a obrigação dele
é me ajudar a criar um grande
projeto. Não é nem uma obrigação, é um prazer, porque, na realidade, meu acordo fundamental
com a Zoetrope passa pela instalação da produtora e pós-produtora ZB Facilities, a Zoebra Filmes, no Brasil, que vem a ser um
filhote da Zoetrope Brasilianas,
que vem a ser um filhote da American Zoetrope. Tudo isso foi
construído pra que a gente trouxesse para o Brasil uma filosofia
onde é importante produzir barato e rápido.
Todos os filmes produzidos e
pós-produzidos dentro da ZB, entre os quais estão vários da Globo
Filmes e os meus projetos com a
Globosat, todos eles encontraram
nesse método que foi instalado
pela American Zoetrope um porto seguro. O último filme da Xuxa
foi finalizado aqui em um mês.
Folha - Além da compra de equipamentos da produtora de Coppola para a Zoebra, existe algum vínculo entre as duas empresas?
Fontes - O vínculo é o que os
americanos chamam de "pay or
play", que é "pagou, continua;
não pagou, parou". Sou responsável por financiar e sustentar o investimento no projeto. Na medida em que me foi retirada essa opção, o contrato parou. Natural.
Coisa de gente grande.
Folha - Com a recusa de Coppola
em dirigir o filme, o sr. pensou em
outros nomes ou tomou imediatamente a decisão de assumi-la?
Fontes - Eu tinha a intenção de
convidar Daniel Filho na época,
porque estava sendo desenvolvida a idéia da Globo Filmes, o início dessa produção independente, que eu hoje prefiro chamar de
autônoma, que é mais correto.
Daniel tem uma sensibilidade
muito grande para isso, eu estava
trabalhando com ele em "A Vida
como Ela É", sou fã dele, queria
que ele dirigisse.
Mas ele estava retornando à Rede Globo na época, depois de uma
labuta exaustiva na idéia de também tentar ser independente e
não pôde fazer. Quando ele não
pôde, preferi achar que eu tinha
que colocar essa azeitona na minha empada. Ou seja, eu estou
produtor para dirigir meus próprios filmes, é óbvio. A idéia era
essa. Mas, antes de cair no filme,
dirigi dezenas de documentários
e fiz uma minissérie de cinco capítulos em filme. Eu me preparei
bem, sem contar os melhores
conselhos que recebi nos últimos
tempos, do Coppola.
Folha - O fato de um cineasta
inexperiente ter se dedicado a uma
superprodução foi diversas vezes
apontado como determinante para
os problemas do projeto. O sr. concorda com essa avaliação?
Fontes - Sou um cara muito correto, muito "caxias", sou capricorniano, muito metódico, muito
tranquilo, tenho o espírito muito
bom e passei minha vida inteira
como protagonista dos projetos
em que me envolvi. Portanto, minha vida toda dentro de um set.
Comecei a vida fazendo cinema,
sou ator, tenho um respeito fundamental pelos atores, um respeito que eu sempre recebi, mas que
queria aumentar, quando começasse a dirigir e produzir. O projeto foi muito bem estruturado,
muito bem sedimentado, e a interrupção se deveu a fatores externos, não ocultos. Porque não vou
ser maluco de dizer que essas forças são ocultas. Elas são evidentes.
Folha - Há quem julgue que não é
moralmente defensável a realização de filmes de alto orçamento no
Brasil, uma vez que o retorno de bilheteria não cobre nem a mínima
parte dos custos de produção. O
que o sr. acha da argumentação?
Fontes - Quando penso num orçamento de filme, penso no orçamento até o lançamento. Meus filmes prevêem investimento massivo em mídia, em marketing. Você não sai de um filme pensando
se ele custou muito ou pouco. Você sai pensando se foi bom ou
não. E fica louco para dizer para
alguém ir vê-lo. Não existe filme
caro ou barato. Não existe a possibilidade de tabelar o custo dos filmes. Isso é uma bobagem.
O Brasil tem mercado para fazer
filmes de US$ 10 milhões. Principalmente com a Globo entrando
no cinema, com a Columbia e a
Warner fazendo parcerias com o
filme nacional. Isso significa dinheiro investido em mídia, em
distribuição, coisa de que até então produtores e cineastas não
conseguiam se ocupar, porque estavam sofrendo na disputa da
captação para produzir.
Se o ministério tivesse orientado corretamente, a captação pela
lei não teria caído de R$ 100 milhões para pouco mais de R$ 10
milhões. Não é que o modelo seja
ruim, porque já sabemos a tríade
de que se precisa para produzir: a
iniciativa privada com seus incentivos, o BNDES adiantando os recursos e os seguros. Meu filme vai
ser acabado agora com o funcionamento perfeito da tríade, fora a
chegada da TV no negócio.
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