São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2001

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Longa, cujas filmagens foram paralisadas em maio de 99, tem 95 minutos prontos

O novo round de 'Chatô'

Ministério da Cultura recorre ao da Fazenda, sem sucesso, para obrigar Fontes a devolver recursos; cineasta vende direitos à TV e diz concluir filme este ano, com mais US$ 2 mi

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Guilherme Fontes, 34, reuniu R$ 13,141 milhões -entre investimentos públicos e privados- para realizar "Chatô", o mais caro empreendimento cinematográfico brasileiro. O ator e produtor tem 95 minutos de filme montados e diz que necessita de mais US$ 2 milhões para finalizá-lo com o total de 130 minutos.
O projeto de "Chatô" foi desenhado em 1995, obteve aprovação para captar recursos com benefício das leis de renúncia fiscal em 1996 e começou a ser rodado em 1999. Em maio daquele ano, as filmagens foram interrompidas e nunca retomadas.
Desde então, Fontes e a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, que determinou seu impedimento para captação de mais recursos, travam uma batalha de trâmites burocráticos que se avizinha ao foro judicial.
Na última sexta, o MinC encaminhou à Secretaria Federal de Controle, do Ministério da Fazenda, a conclusão de sua Tomada de Contas Especial, com o intuito de que servisse a uma conclusão definitiva do processo.
O desejo do MinC é que Fontes devolva aos cofres públicos parte do valor captado e que um produtor delegado providencie a finalização do filme tal como está, sem captação adicional de imagens.
Mas segundo a Folha apurou, a conclusão continua distante. A Secretaria Federal de Controle devolverá o processo ao MinC na semana que vem, por julgá-lo inadequado. O MinC não conseguiu fazer o que seria requisito indispensável a uma decisão -quantificar o eventual prejuízo causado pelo projeto.
Fontes, por sua vez, assinou contrato com a TV Globo no mês passado, vendendo à emissora direitos exclusivos de exibição do filme. O ator acusa a Secretaria do Audiovisual de tentar manipular negativamente a imagem de seu filme na imprensa e impor-lhe dificuldades inéditas em projetos beneficiados pelas leis.
O filme pretende transpor para o cinema a trajetória do empresário das comunicações Assis Chateaubriand. Contabilizando seis anos à frente do projeto "Chatô", Guilherme Fontes diz que muitas vezes se reconheceu num roteiro de manipulação midiática em tudo semelhante ao do personagem que quer retratar. A seguir os principais pontos da entrevista que concedeu à Folha, em seu escritório, no Rio de Janeiro.

Folha - A TV Globo anunciou este mês a reserva dos direitos de exibição de "Chatô" na televisão, dois anos após a estréia nas telas. Quais são as perspectivas de conclusão do longa?
Guilherme Fontes -
O contrato de pré-venda com a Globo é sério, profissional e inteligente. Usamos as mesmas bases de acordos feitos com distribuidores americanos, com pequenas adaptações. Vale o sucesso. Por esse contrato, devo ganhar quatro vezes mais do que previ lá atrás, dependendo do sucesso do filme.

Folha - Dependendo do sucesso de bilheteria?
Fontes -
Sim, se eu fizer tantos milhões de espectadores...

Folha - O sr. conta os espectadores em milhões?
Fontes -
Tenho de ter milhões para pagar a conta. Então, vou fazer uma distribuição para ter milhões. A distribuição tem de ser proporcional ao projeto. Para se transformar um projeto desse tamanho em sucesso, nada mais lógico que investir massivamente em distribuição e em mídia. É isso o que o contrato reza. Essa é a minha vírgula no contrato.

Folha - O sr. considera imprescindível para a conclusão do filme a retirada do veto à captação de mais recursos pela Lei do Audiovisual?
Fontes -
É fundamental que seja retirado o impedimento proposto pelo secretário do Audiovisual, José Álvaro Moisés.

Folha - Quanto dinheiro e quanto tempo ainda são necessários para terminar "Chatô"?
Fontes -
Os meus números sempre foram mais ou menos os mesmos. Tenho o orçamento de um projeto multimídia que inclui série, minissérie, documentários e longa-metragem. O longa vale 60% do meu orçamento, e os subprodutos, 40%. Desse orçamento original, de 1995, captei R$ 8,641 milhões em recursos públicos. De recursos próprios foram investidos R$ 4,5 milhões, em instalação de máquinas e parceria internacional. Até aqui foram realizadas oito horas de documentários dirigidos por Walter Lima Jr., mais de 20 horas de programação de TV em "making ofs" e o filme propriamente dito, com 1h35 editados. A versão final terá 2h10. Ainda faltam US$ 2 milhões.

Folha - Com os US$ 2 milhões adicionais, em quanto tempo é possível concluir o filme?
Fontes -
Quatro meses depois está na tela. Fiz um cronograma extenso, que vai deste mês, quando acabo a novela, até julho de 1997. Pretendo ficar apenas quatro meses em cartaz e atravessar de 150 a 350 cinemas. Isso significa que vou atingir minha meta de público e pagar o custo.

Folha - O sr. disse julho de 1997.
Fontes -
Perdão, de 2002. É porque o ano... Destruíram o meu calendário. Na verdade, de maio a dezembro acabo de filmar e finalizar. Faço as pré-estréias ainda este ano, lanço no fim do ano, ficamos de quatro a seis meses em cartaz.

Folha - No auge das dificuldades do projeto, o sr. declarou que a realização do filme "Chatô" não era do interesse do secretário José Álvaro Moisés e do produtor Luiz Carlos Barreto. Em que o fracasso de seu filme interessaria a eles?
Fontes -
Porque o meu é um projeto de êxito, e o projeto de gerenciamento e política audiovisual brasileiro é um fracasso. Essas palavras podem parecer um pouco agressivas, mas na realidade elas não são políticas mais. São de alguém que acreditou e não vai deixar de acreditar que a lei é boa, o gerente é que é ruim.
A lei é útil e rentável e os incentivos não podem deixar de existir, mas eles precisam ser vigiados e não dissimulados para a opinião pública. Houve um processo de dissimulação do que seria uma fraude em relação a mim.
A fraude era a prestação de contas, e não o projeto. Não é legal ele fazer essa prestação de contas com o projeto em andamento. Não só não é legal como causou um prejuízo vergonhoso para os cofres públicos.

Folha - O sr. está dizendo que exigir a prestação de contas do projeto durante o seu andamento foi um artifício para impedir que ele se realizasse?
Fontes -
Perfeitamente. Afinal de contas, ele é a autoridade.

Folha - O sr. afirma que o produtor Luiz Carlos Barreto ficou desagradado com o fato de o sr. ter adquirido os direitos de filmagem do livro, que ele também gostaria de levar ao cinema. Em algum momento o sr. teve algum contato com o produtor ou ouviu isso diretamente dele?
Fontes -
Tenho notícias de várias pessoas que o encontravam por aí. Ele sempre falou muito mal de mim nas rodas. Política é assim: de tanto falar, a versão vira verdade. Uma vez Murilo Salles me disse que ele estava nos corredores da Petrobras gritando com os braços levantados: "Vou levá-lo até a Receita Federal". Hoje Murilo pode negar, porque é amigo dele. Mas o Barreto, eu, todos nós somos vítimas dessa falta de capacidade de gerência dessa política de aprovação demagógica.
Todos podem captar, todos podem produzir, todos podem ter os mesmos direitos e deveres que um cineasta das antigas. Teoricamente, isso poderia ser legal, se fosse bem cuidado. Eu achava legal. Mas isso se transformou numa guerra interna da nossa classe.

Folha - Quando a Secretaria do Audiovisual determinou o impedimento da captação de mais recursos, apontou também a existência de dez irregularidades na prestação de contas do projeto. O sr. recebeu resposta oficial a respeito da análise dessa prestação de contas?
Fontes -
Para que eu pudesse levar a investigação a sério, tive de aceitar a retirada do processo de dentro do MinC e o seu encaminhamento à Secretaria Federal de Controle Interno, que instrui os processos na direção do Tribunal de Contas da União, o que, aparentemente, era a intenção inicial do secretário. Mas os processos só podem ir adiante quando têm relevância, quando têm lógica de irregularidade. As lógicas das minhas irregularidades são faltas que o direito qualifica como faltas formais -erros de preenchimento de documentos, erros simples.
Todo mundo sabe que as regras fiscais estão sendo alteradas todo dia. O país vive uma bagunça fiscal, e isso se reflete nas microempresas de cultura. Uma vez na Secretaria Federal de Controle, eu tive acesso ao processo corretamente, coisa que até então eu vinha sendo impedido de ter.
E volta e meia continuo sendo impedido. Impedido às vezes de ter boa vontade. Sai um despacho, e eles me mandam um fax dizendo que não vão poder me passar um fax daquele despacho. Mas podem passar um fax dizendo que não podem passar o fax. Compreende? Houve uma ralentada proposital no processo.

Folha - O secretário do Audiovisual disse à Folha que a comissão especial de averiguação já chegou a uma conclusão sobre o caso. O sr. tem notícia de qual é a conclusão?
Fontes -
Não, mas sei que ela saiu há um mês e imagino que seja positiva, porque senão eu já saberia. Coisa ruim vem logo.

Folha - Em 1997, o sr. convidou Francis Ford Coppola para vir ao Brasil e dirigir "Chatô". Ele esteve no país, mas recusou o convite para assumir o filme. Por quais razões ele decidiu não aceitar a proposta?
Fontes -
Porque era muita pretensão minha que ele aceitasse. De toda forma, foram os momentos mais lindos da minha vida, continuam sendo. Nossa parceria deverá ser retomada na medida em que os recursos voltem a ser investidos. Não é obrigação dele investir recursos, a obrigação dele é me ajudar a criar um grande projeto. Não é nem uma obrigação, é um prazer, porque, na realidade, meu acordo fundamental com a Zoetrope passa pela instalação da produtora e pós-produtora ZB Facilities, a Zoebra Filmes, no Brasil, que vem a ser um filhote da Zoetrope Brasilianas, que vem a ser um filhote da American Zoetrope. Tudo isso foi construído pra que a gente trouxesse para o Brasil uma filosofia onde é importante produzir barato e rápido.
Todos os filmes produzidos e pós-produzidos dentro da ZB, entre os quais estão vários da Globo Filmes e os meus projetos com a Globosat, todos eles encontraram nesse método que foi instalado pela American Zoetrope um porto seguro. O último filme da Xuxa foi finalizado aqui em um mês.

Folha - Além da compra de equipamentos da produtora de Coppola para a Zoebra, existe algum vínculo entre as duas empresas?
Fontes -
O vínculo é o que os americanos chamam de "pay or play", que é "pagou, continua; não pagou, parou". Sou responsável por financiar e sustentar o investimento no projeto. Na medida em que me foi retirada essa opção, o contrato parou. Natural. Coisa de gente grande.

Folha - Com a recusa de Coppola em dirigir o filme, o sr. pensou em outros nomes ou tomou imediatamente a decisão de assumi-la?
Fontes -
Eu tinha a intenção de convidar Daniel Filho na época, porque estava sendo desenvolvida a idéia da Globo Filmes, o início dessa produção independente, que eu hoje prefiro chamar de autônoma, que é mais correto. Daniel tem uma sensibilidade muito grande para isso, eu estava trabalhando com ele em "A Vida como Ela É", sou fã dele, queria que ele dirigisse.
Mas ele estava retornando à Rede Globo na época, depois de uma labuta exaustiva na idéia de também tentar ser independente e não pôde fazer. Quando ele não pôde, preferi achar que eu tinha que colocar essa azeitona na minha empada. Ou seja, eu estou produtor para dirigir meus próprios filmes, é óbvio. A idéia era essa. Mas, antes de cair no filme, dirigi dezenas de documentários e fiz uma minissérie de cinco capítulos em filme. Eu me preparei bem, sem contar os melhores conselhos que recebi nos últimos tempos, do Coppola.

Folha - O fato de um cineasta inexperiente ter se dedicado a uma superprodução foi diversas vezes apontado como determinante para os problemas do projeto. O sr. concorda com essa avaliação?
Fontes -
Sou um cara muito correto, muito "caxias", sou capricorniano, muito metódico, muito tranquilo, tenho o espírito muito bom e passei minha vida inteira como protagonista dos projetos em que me envolvi. Portanto, minha vida toda dentro de um set.
Comecei a vida fazendo cinema, sou ator, tenho um respeito fundamental pelos atores, um respeito que eu sempre recebi, mas que queria aumentar, quando começasse a dirigir e produzir. O projeto foi muito bem estruturado, muito bem sedimentado, e a interrupção se deveu a fatores externos, não ocultos. Porque não vou ser maluco de dizer que essas forças são ocultas. Elas são evidentes.

Folha - Há quem julgue que não é moralmente defensável a realização de filmes de alto orçamento no Brasil, uma vez que o retorno de bilheteria não cobre nem a mínima parte dos custos de produção. O que o sr. acha da argumentação?
Fontes -
Quando penso num orçamento de filme, penso no orçamento até o lançamento. Meus filmes prevêem investimento massivo em mídia, em marketing. Você não sai de um filme pensando se ele custou muito ou pouco. Você sai pensando se foi bom ou não. E fica louco para dizer para alguém ir vê-lo. Não existe filme caro ou barato. Não existe a possibilidade de tabelar o custo dos filmes. Isso é uma bobagem.
O Brasil tem mercado para fazer filmes de US$ 10 milhões. Principalmente com a Globo entrando no cinema, com a Columbia e a Warner fazendo parcerias com o filme nacional. Isso significa dinheiro investido em mídia, em distribuição, coisa de que até então produtores e cineastas não conseguiam se ocupar, porque estavam sofrendo na disputa da captação para produzir.
Se o ministério tivesse orientado corretamente, a captação pela lei não teria caído de R$ 100 milhões para pouco mais de R$ 10 milhões. Não é que o modelo seja ruim, porque já sabemos a tríade de que se precisa para produzir: a iniciativa privada com seus incentivos, o BNDES adiantando os recursos e os seguros. Meu filme vai ser acabado agora com o funcionamento perfeito da tríade, fora a chegada da TV no negócio.


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