São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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CINEMA

Ciclo que começa hoje no CCBB traz 14 filmes obrigatórios ao discutir a linguagem de prosa e de poesia da sétima arte

Mostra exibe o raro "Cabeças Cortadas", de Glauber

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Faz algum tempo que São Paulo não vê este polêmico filme de Glauber Rocha: "Cabeças Cortadas". Realizado em 1970, na Espanha, esteve censurado no Brasil até 1979. Quando estreou, criou muitos desafetos, menos por sua radicalidade política do que pela extrema ousadia formal. Foi considerado filme menor -e praticamente esquecido.
É, porém, uma obra-prima. E quem ainda não viu tem uma oportunidade rara de fazê-lo hoje, na abertura da mostra "Cinema de Poesia x Cinema de Prosa", que exibirá 14 filmes obrigatórios.
Após a exibição haverá debate com os professores Ismail Xavier e Maria Bethânia Amoroso sobre o cinema narrativo. Amanhã, o crítico da Folha Inácio Araujo e o professor Francisco Elinaldo discutem o cinema não-narrativo. As mediações serão do diretor Joel Pizzini, curador da mostra.
Em "Cabeças Cortadas", Glauber está no apogeu de sua arte. Ele narra o declínio de Diaz 2, ex-ditador latino-americano, exilado na Espanha, acossado pelo povo rebelde, por seus líderes revolucionários e pela família traiçoeira.
"Cabeças Cortadas" é um prolongamento conceitual de "Terra em Transe". Diaz 2 é um descendente de Porfírio Diaz, "imperador" de Eldorado, país arquetípico no filme de 1967. Os temas de fundo são os mesmos: o subdesenvolvimento, o imperialismo, o populismo, a luta de classes.
Há, contudo, uma longa distância entre eles, que é a mesma que vai da "Estética da Fome", ensaio-manifesto de Glauber de 1965, à "Estética do Sonho" (1971), texto em que o diretor revê o seu materialismo marxista à luz de uma intuição positiva a respeito do inconsciente, do irracionalismo e da religiosidade popular.
Não foi à toa que Glauber resolveu filmar na Espanha, no local onde Luis Buñuel fez "Las Hurdes" (32). Ele está em busca de um surrealismo de corte mais político, revitalizando um dos motes do movimento -o de "conquistar as forças do êxtase para a revolução". Ao mesmo tempo, busca na Espanha as fontes de mitos católicos que ele transfigura em alegorias políticas transformadoras.
"Cabeças Cortadas" se constrói, assim, em dois níveis, o da tragédia (de Diaz 2 e do subdesenvolvimento) e o da utopia, que se contrapõem no filme graças a uma ambiciosa encenação totalizadora, fortemente ritualística e inspirada na tradição teatral.
Glauber evoca os autos medievais, as tragédias de Shakespeare, o teatro épico de Brecht, o teatro do absurdo e até mesmo o happening. Na Espanha de Calderón, Glauber recorre à idéia barroca do "grande teatro do mundo" para encenar a vida como sonho -mas sonho de revolução.


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