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CINEMA
Ciclo que começa hoje no CCBB traz 14 filmes obrigatórios ao discutir a linguagem de prosa e de poesia da sétima arte
Mostra exibe o raro "Cabeças Cortadas", de Glauber
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Faz algum tempo que São Paulo
não vê este polêmico filme de
Glauber Rocha: "Cabeças Cortadas". Realizado em 1970, na Espanha, esteve censurado no Brasil
até 1979. Quando estreou, criou
muitos desafetos, menos por sua
radicalidade política do que pela
extrema ousadia formal. Foi considerado filme menor -e praticamente esquecido.
É, porém, uma obra-prima. E
quem ainda não viu tem uma
oportunidade rara de fazê-lo hoje,
na abertura da mostra "Cinema
de Poesia x Cinema de Prosa",
que exibirá 14 filmes obrigatórios.
Após a exibição haverá debate
com os professores Ismail Xavier
e Maria Bethânia Amoroso sobre
o cinema narrativo. Amanhã, o
crítico da Folha Inácio Araujo e o
professor Francisco Elinaldo discutem o cinema não-narrativo.
As mediações serão do diretor
Joel Pizzini, curador da mostra.
Em "Cabeças Cortadas", Glauber está no apogeu de sua arte. Ele
narra o declínio de Diaz 2, ex-ditador latino-americano, exilado
na Espanha, acossado pelo povo
rebelde, por seus líderes revolucionários e pela família traiçoeira.
"Cabeças Cortadas" é um prolongamento conceitual de "Terra
em Transe". Diaz 2 é um descendente de Porfírio Diaz, "imperador" de Eldorado, país arquetípico no filme de 1967. Os temas de
fundo são os mesmos: o subdesenvolvimento, o imperialismo, o
populismo, a luta de classes.
Há, contudo, uma longa distância entre eles, que é a mesma que
vai da "Estética da Fome", ensaio-manifesto de Glauber de 1965, à
"Estética do Sonho" (1971), texto
em que o diretor revê o seu materialismo marxista à luz de uma intuição positiva a respeito do inconsciente, do irracionalismo e da
religiosidade popular.
Não foi à toa que Glauber resolveu filmar na Espanha, no local
onde Luis Buñuel fez "Las Hurdes" (32). Ele está em busca de um
surrealismo de corte mais político, revitalizando um dos motes
do movimento -o de "conquistar as forças do êxtase para a revolução". Ao mesmo tempo, busca
na Espanha as fontes de mitos católicos que ele transfigura em alegorias políticas transformadoras.
"Cabeças Cortadas" se constrói,
assim, em dois níveis, o da tragédia (de Diaz 2 e do subdesenvolvimento) e o da utopia, que se contrapõem no filme graças a uma
ambiciosa encenação totalizadora, fortemente ritualística e inspirada na tradição teatral.
Glauber evoca os autos medievais, as tragédias de Shakespeare,
o teatro épico de Brecht, o teatro
do absurdo e até mesmo o happening. Na Espanha de Calderón,
Glauber recorre à idéia barroca do
"grande teatro do mundo" para
encenar a vida como sonho
-mas sonho de revolução.
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