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NINA HORTA
Como pintar, bordar, escrever e cozinhar?
Continuando a ler sobre
Virginia Woolf, tenho me
metido por caminhos de modernismo e subjetividade. E não é
que me caiu do céu um livro?
"Among the Bohemians: Experiments in Living 1930-1939". A autora, Virginia Nicholson, é neta de
Vanessa Bell; logo, sobrinha-neta
de Virginia Woolf.
O livro trata das pequenas coisas, especificamente das trivialidades do cotidiano, dos hábitos
dos artistas nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, uma fatia da sociedade bem
afastada da sociedade britânica
convencional, uma geração remodelando a domesticidade inglesa, desafiando o conformismo
da burguesia e da aristocracia. A
roupa, o sexo, as casas, os fundamentos da família, a mulher, o
manual de domesticidade de
1.700 páginas de Mrs. Beeton...
Tudo estava sujeito ao escrutínio
dos habitantes de Boêmia, um
país imaginário, tatuado na alma
dos artistas, refugiados livres, soltos para inventar o novo.
O relacionamento dos ingleses
com a comida sempre foi cercado
de um certo puritanismo. Prazer e
comida? Será? Orgulhavam-se patrioticamente da boa qualidade
dos ingredientes, reconheciam os
belos rosbifes, a honesta torta de
maçã e a cerveja, mas...
Uma escritora, em suas memórias de infância, conta que reclamava das eternas e monótonas
costeletas de carneiro, ao que a
mãe retrucava: "Você tem as árvores, os passarinhos e as flores, a
comida é o de menos!"
A aristocracia comia bem e
muito. Mas era sempre a mesa se
dobrando sob a caça farta e o excesso de pratos, coisa que também desagradava aos boêmios,
que deram as costas às sempre rígidas regras e saíram à procura de
uma dieta que combinasse com
seus ideais de arte, verdade, antimaterialismo e... também com
sua pobreza, algumas vezes até
voluntária.
A inspiração vinha das viagens à
procura do sol e da vida simples.
Tudo era exótico, bastaria não ser
inglês. Para Vanessa Bell, todas as
obras de arte francesa se equiparavam ao delicioso pão, às maioneses picantes, aos vinhos. Detestava a sofisticação das paupiettes,
timbales, musses -queria a simplicidade rústica, o uso adequado
dos alhos, ervas e cebolas, o torresmo de porco, o vinhozito de
mesa barato e bom, estes sim,
condizentes com os ideais boêmios de gente sensual, liberada e
corajosa.
Do que se lembravam com saudade ao voltarem dos passeios?
Uma refeição ao ar livre, um cordeiro assando sobre galhos secos
de videira enquanto esperavam
deitados na grama, comendo
azeitonas ao funcho com pão e
poutargue, tendo nas mãos taças
de Châteauneuf du Pape.
E tentavam recriar aqueles cheiros impossíveis de Paris, o alho, o
azeite, o Pernod, o cigarro forte.
Harold Acton conseguiu agüentar a comida horrível da universidade fazendo ravióli ao sugo, passando manteiga trufada no pão,
assando pizzas e sonhando com
marrons glacês. Dora Carrington,
mulher de Lytton Strachey,
aprendeu a cozinhar (coisa quase
impossível para uma mulher, e
ainda mais artista, na época).
Coelho ensopado, lagosta, molho
velouté, cogumelos refogados, risoto de amêndoas, salmão com
molho tártaro, morangos macerados no kirsch, crème brulée, zabaglione...
Presume-se, pelos ingredientes
que menciona, que havia dinheiro
no cofrinho. Os mais pobres e que
moravam nos subúrbios mantinham uma horta e um galinheiro,
faziam pão em casa, em perfeita
sintonia com a natureza.
Os ovos, mexidos, com hadoque, escalfados, fritos, batidos, foram a salvação de muito artista
urbano, esfomeado, no seu estúdio minúsculo munido de apenas
um fogareiro. Sem esquecer o
pot-au-feu, o cheiro forte de osso
e legumes se enfiando por todas
as frestas, mijotando dias em
dias...
A hora da exasperação chegava,
porque o artista passava fome,
mas o que queria mesmo, e achava que merecia, era a melhor comida do mundo. Como escrever,
pintar e cozinhar? "Estou acima
das coisas materiais, tenho ódio
de gastar meu tempo para me
manter viva, quando todas as minhas horas deveriam ser dedicadas à arte. Mas, se não comer, eu
morro". Katherine Mansfield.
O que é uma outra história, para
uma outra vez.
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