São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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Livros - Crítica/memórias

Bill Bryson expõe com humor absurdos do dia-a-dia americano

Escritor satiriza os Estados Unidos do pós-guerra em "Vida e Época de Kid Trovão"

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os livros de Bill Bryson primam por sua visão "fofa" do mundo. Ele próprio é um fofo, com sua cara de ursinho panda barbado. "Vida e Época de Kid Trovão", o seu mais recente livro, não é diferente. Dono de humor geralmente comparado ao de Woody Allen, nestas lembranças nostálgicas de sua infância, porém, o escritor e jornalista americano não chega a tanto, pois falta o ingrediente cáustico de Woody à sua receita.
O que menos interessa no livro, claro, é a crítica bem-humorada da realidade. A competência descritiva de Bryson e seu faro acurado para expor os tons de absurdo do dia-a-dia norte-americano do pós-guerra são o prato principal desse "tour" memorialístico pelo período histórico que foi uma espécie de adolescência do século 20. O leitor brasileiro verá que crescer nos anos 50 em Des Moines, Iowa, não era muito diferente de crescer dentro de um filme de ficção científica B.
E apenas tal constatação é motivo suficiente para diversão, fazendo a ginástica piadística e hiperbólica de Bryson soar um tanto desnecessária. Equipamentos de raio-X para medir pés dos clientes nas sapatarias, privadas "atômicas" que se auto-desinfetavam de maneira luminosa e espetacular, a popularização da TV e das histórias em quadrinhos e os maiores cinemas e lojas de departamentos do mundo faziam a opulência kitsch dos EUA.
Toda essa vibrante oferta de novidades ateava fogo à imaginação dos 32 milhões de crianças até 12 anos de idade nascidas naquela década. A Des Moines de Bryson era o paraíso dos "baby-boomers" e dos comerciantes, com placas em néon de ofertas para todos os lados.
O "Kid Trovão" é o alter ego de Billy, a maneira super-heróica arranjada pelo garoto tímido para se livrar de seus oponentes. E assim professores, dentistas e outros inimigos são desintegrados num piscar de olhos relampejantes. Filho de dois jornalistas (Bill Bryson pai foi um dos maiores cronistas esportivos de sua época) e típicos representantes do "way of life" de classe média, Billy e seus irmãos tiveram tudo o que uma nação rica podia oferecer, apesar dos esforços malogrados do pai sovina. O desfile pantagruélico de hambúrgueres com chili, cheesecakes, costeletas e frangos crocantes permite verificar a origem dos problemas atuais de dieta dos cidadãos ianques. E tanto puritanismo previa o surgimento das movimentações mais sujas e liberadoras da outra década que viria, os anos 60. Foi a década de 50, entretanto, que chacoalhou o mundo com testes nucleares e com rock and roll.

Mirada infantil
Georges Bataille nos ensinou que a infância é terreno pródigo para a memória, sendo eternamente recriada na medida da inconstância de nossas diferentes perspectivas ao longo da existência. "Perspectiva" é justamente a palavra-chave em "Kid Trovão", pois tudo que é visto a partir de baixo adquire proporções monumentais e heróicas aos olhos das crianças. E Bill Bryson consegue sustentar o fascínio dessa mirada infantil de ver as coisas do mundo como se vistas pela primeira vez.


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)

VIDA E ÉPOCA DE KID TROVÃO
Autor:
Bill Bryson
Tradução: Bruno Gomide
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (320 págs.)
Avaliação: bom

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