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Livros - Crítica/memórias
Bill Bryson expõe com humor absurdos do dia-a-dia americano
Escritor satiriza os Estados Unidos do pós-guerra em "Vida e Época de Kid Trovão"
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os livros de Bill Bryson
primam por sua visão
"fofa" do mundo. Ele
próprio é um fofo, com sua cara
de ursinho panda barbado. "Vida e Época de Kid Trovão", o
seu mais recente livro, não é diferente. Dono de humor geralmente comparado ao de
Woody Allen, nestas lembranças nostálgicas de sua infância,
porém, o escritor e jornalista
americano não chega a tanto,
pois falta o ingrediente cáustico de Woody à sua receita.
O que menos interessa no livro, claro, é a crítica bem-humorada da realidade. A competência descritiva de Bryson e
seu faro acurado para expor os
tons de absurdo do dia-a-dia
norte-americano do pós-guerra são o prato principal desse
"tour" memorialístico pelo período histórico que foi uma espécie de adolescência do século
20. O leitor brasileiro verá que
crescer nos anos 50 em Des
Moines, Iowa, não era muito
diferente de crescer dentro de
um filme de ficção científica B.
E apenas tal constatação é motivo suficiente para diversão,
fazendo a ginástica piadística e
hiperbólica de Bryson soar um
tanto desnecessária.
Equipamentos de raio-X para medir pés dos clientes nas
sapatarias, privadas "atômicas"
que se auto-desinfetavam de
maneira luminosa e espetacular, a popularização da TV e das
histórias em quadrinhos e os
maiores cinemas e lojas de departamentos do mundo faziam
a opulência kitsch dos EUA.
Toda essa vibrante oferta de
novidades ateava fogo à imaginação dos 32 milhões de crianças até 12 anos de idade nascidas naquela década. A Des Moines de Bryson era o paraíso dos
"baby-boomers" e dos comerciantes, com placas em néon de
ofertas para todos os lados.
O "Kid Trovão" é o alter ego
de Billy, a maneira super-heróica arranjada pelo garoto tímido para se livrar de seus oponentes. E assim professores,
dentistas e outros inimigos são
desintegrados num piscar de
olhos relampejantes. Filho de
dois jornalistas (Bill Bryson pai
foi um dos maiores cronistas
esportivos de sua época) e típicos representantes do "way of
life" de classe média, Billy e
seus irmãos tiveram tudo o que
uma nação rica podia oferecer,
apesar dos esforços malogrados do pai sovina. O desfile pantagruélico de hambúrgueres
com chili, cheesecakes, costeletas e frangos crocantes permite
verificar a origem dos problemas atuais de dieta dos cidadãos ianques. E tanto puritanismo previa o surgimento das
movimentações mais sujas e liberadoras da outra década que
viria, os anos 60. Foi a década
de 50, entretanto, que chacoalhou o mundo com testes nucleares e com rock and roll.
Mirada infantil
Georges Bataille nos ensinou
que a infância é terreno pródigo para a memória, sendo eternamente recriada na medida da
inconstância de nossas diferentes perspectivas ao longo da
existência. "Perspectiva" é justamente a palavra-chave em
"Kid Trovão", pois tudo que é
visto a partir de baixo adquire
proporções monumentais e heróicas aos olhos das crianças. E
Bill Bryson consegue sustentar
o fascínio dessa mirada infantil
de ver as coisas do mundo como se vistas pela primeira vez.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra)
VIDA E ÉPOCA DE KID TROVÃO
Autor: Bill Bryson
Tradução: Bruno Gomide
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (320 págs.)
Avaliação: bom
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