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Crítica/"Moscou"
Filme mostra busca radical por novos caminhos
Eduardo Coutinho mantém temas de "Jogo de Cena", mas indica recomeço
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Roberto Rossellini via na
imaginação um perigo,
pois era um perigoso
modificador da realidade. Para
ele, o mundo está aí. Cabe ao cinema registrá-lo. É provável
que um documentarista como
Eduardo Coutinho desejasse
mais do que ninguém ser fiel a
essas ideias.
Desde "Santo Forte" (1999),
os documentários de Coutinho
deixam-se contaminar pelo
imaginário. Por mais que registre o real palpável, visível, a
imaginação se intromete e o
transforma.
Toda a obra recente desse autor tem consistido, de certa forma, em buscar a ambiguidade e,
quando necessário, provocá-la.
Foi assim com o recente ""Jogo
de Cena", espécie de ponto terminal de toda uma busca. Ali,
Coutinho levava às últimas
consequências seu questionamento sobre a encenação.
""Moscou" é, nesse sentido,
uma sequência e um recomeço.
As primeiras cenas evocam um
filme de Coutinho. Um homem
diante da câmera lembra seu
passado em Moscou. O que é isso? Um ex-exilado, talvez, às
voltas com seu passado? Ou um
ator que diz seu texto?
Pouco depois, algo parece se
definir: um grupo de atores
prepara-se para encenar ""As
Três Irmãs". Logo notamos que
o lugar referido, à parte Moscou, é Belo Horizonte.
O filme evoca, então, a condição teatral (nada a inventar: é o
registo do trabalho dos atores).
Mas algo vem se imiscuir. A
adaptação de um texto supõe
viagem no tempo: um século.
Assistir a uma montagem de
Tchekhov soa evidente. Quando vemos as três irmãs em cena, isso já não parece tão natural. O mundo se deslocou nesse
meio tempo. A Rússia passou
do czarismo ao capitalismo. O
que elas sabem disso?
Nada, e é possível que isso
lhes importe pouco, porque
existe ainda essa outra viagem
a anular a distância entre Rússia e Brasil. Os textos viajam,
encarnam em atores que lhe
dão uma nova vida.
A mise-en-scène de "Moscou" arma-se nesse ecoar permanente de espaços e tempos
uns sobre os outros, como se o
mundo só pudesse mostrar seu
mistério sem permitir que o
sentido repouse no texto, na
encenação ou na filmagem.
A radicalidade que marca o
cinema de Coutinho como que
se recompõe após ter atingido
uma espécie de ponto de chegada em "Jogo de Cena" e busca
um desafio novo.
MOSCOU
Avaliação: ótimo
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