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FOTOGRAFIA
Autora diz que memória da população foi "interditada"
Livro analisa imagem pública
dos alemães do Pós-Guerra
PAULA DIEHL
especial para a Folha, em Berlim
A Alemanha aparece em ruínas,
a população, descalça e em farrapos. As imagens do país destruído
ao fim da Segunda Guerra são objeto de questionamento da professora da Universidade da Califórnia
em Los Angeles, Dagmar Barnouw, 61.
Em seu livro "Germany 1945 -
Views of War and Violence" (Alemanha 1945 - Visões da Guerra e
Violência), lançado no início do
ano nos EUA pela editora Indiana
Press, a autora faz uma análise de
155 fotografias publicadas em jornais e revistas ingleses, norte-americanos e alemães ao fim da Segunda Guerra.
Ela resolveu por em xeque a representação da população alemã
como responsável pelo conflito.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - O que a motivou a escrever o livro?
Dagmar Barnouw -A natureza
das imagens que eu vi. Senti-me
motivada a relacionar o problema
da objetividade com um contexto
de rompimento da cultura. O que
aconteceu com a objetividade na
fotografia em uma situação onde
as convenções do olhar estão profundamente interrompidas? Eu
queria escrever um livro sobre essas situações, e uma delas seria a
Alemanha em 1945.
Folha - O que faz esse contexto
tão interessante?
Barnouw - O contexto das relações perturbadas entre memória e
história na Alemanha do
pós-guerra. O primeiro capítulo de
"Alemanha 1945" não trata de fotografia, mas sim da discussão histórica na Alemanha do final dos
80.
Essa discussão, que não acontece
por acaso pouco antes da queda do
muro de Berlim, traz à tona a relação perturbada entre memória e
história, o que também é um problema político.
Folha - Qual o grau de objetividade que a fotografia documental
pode atingir?
Barnouw - Na fotografia documental, onde os negativos não são
manipulados, onde o interesse é o
da documentação, há sempre coisas que o fotógrafo não fotografou
conscientemente.
Nas imagens estão gravados vestígios de uma atualidade passada a
qual se tem um acesso relativamente sem mediações. Na fotografia há uma múltipla possibilidade
de olhares. Nela o passado está por
um lado preservado, mas por outro aberto para diversas interpretações.
Folha - Que imagens a senhora
analisa no livro?
Barnouw -Tratam-se de fotos
feitas na Alemanha por norte-americanos, britânicos e alemães
logo após o final da Segunda Guerra. Primeiramente, eu queria comparar esses três tipos de fotografia
e ver onde as perspectivas se diferem. Em todas essas imagens as
perspectivas refletem certas interpretações. O que me surpreendeu
foi que a relação entre história e
memória negava a possibilidade
de interpretações diversas.
Folha - De que forma essa fotografia transmite a sensação de verdade?
Barnouw -Essas imagens são visuais e fortemente dirigidas para o
ato de ver. Há muitas fotos onde
alemães aparecem assistindo às
atrocidades ocorridas nos campos
de concentração, são fotografadas
ao passar por montanhas de cadáveres.
Eu diria que era preciso mostrar
aos alemães o que ocorreu. E com
isso os alemães deveriam ser retirados da passividade em que se encontravam para se entenderem como cúmplices.
O que, obviamente, está relacionado com aspectos político-morais do senso comum americano.
Folha - A senhora trabalhou muito com fotos publicadas na revista
"Life", em 1945. Como os alemães
eram mostrados nas fotos norte-americanas?
Barnouw -O comportamento
ativo da população alemã na ascensão do regime nazista e o seu
comportamento passivo durante o
colapso desse regime influenciaram muito a perspectiva dos fotógrafos. Era um momento ao mesmo tempo de invasão e libertação.
Quase não há fotos onde a população alemã sorri, as pessoas estão
sempre fechadas e retraídas.
Também aparece toda a aparelhagem americana: tanques, jipes,
bombas, navios e soldados -todos mostrados como libertadores.
O que a população fez foi aceitar a
libertação.
A autoridade da própria memória dos alemães era interditada, o
que é um problema cultural.
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