São Paulo, segunda, 4 de agosto de 1997.



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FOTOGRAFIA
Autora diz que memória da população foi "interditada"
Livro analisa imagem pública dos alemães do Pós-Guerra

PAULA DIEHL
especial para a Folha, em Berlim

A Alemanha aparece em ruínas, a população, descalça e em farrapos. As imagens do país destruído ao fim da Segunda Guerra são objeto de questionamento da professora da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Dagmar Barnouw, 61.
Em seu livro "Germany 1945 - Views of War and Violence" (Alemanha 1945 - Visões da Guerra e Violência), lançado no início do ano nos EUA pela editora Indiana Press, a autora faz uma análise de 155 fotografias publicadas em jornais e revistas ingleses, norte-americanos e alemães ao fim da Segunda Guerra.
Ela resolveu por em xeque a representação da população alemã como responsável pelo conflito.
Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - O que a motivou a escrever o livro?
Dagmar Barnouw -
A natureza das imagens que eu vi. Senti-me motivada a relacionar o problema da objetividade com um contexto de rompimento da cultura. O que aconteceu com a objetividade na fotografia em uma situação onde as convenções do olhar estão profundamente interrompidas? Eu queria escrever um livro sobre essas situações, e uma delas seria a Alemanha em 1945.
Folha - O que faz esse contexto tão interessante?
Barnouw -
O contexto das relações perturbadas entre memória e história na Alemanha do pós-guerra. O primeiro capítulo de "Alemanha 1945" não trata de fotografia, mas sim da discussão histórica na Alemanha do final dos 80.
Essa discussão, que não acontece por acaso pouco antes da queda do muro de Berlim, traz à tona a relação perturbada entre memória e história, o que também é um problema político.
Folha - Qual o grau de objetividade que a fotografia documental pode atingir?
Barnouw -
Na fotografia documental, onde os negativos não são manipulados, onde o interesse é o da documentação, há sempre coisas que o fotógrafo não fotografou conscientemente.
Nas imagens estão gravados vestígios de uma atualidade passada a qual se tem um acesso relativamente sem mediações. Na fotografia há uma múltipla possibilidade de olhares. Nela o passado está por um lado preservado, mas por outro aberto para diversas interpretações.
Folha - Que imagens a senhora analisa no livro?
Barnouw -
Tratam-se de fotos feitas na Alemanha por norte-americanos, britânicos e alemães logo após o final da Segunda Guerra. Primeiramente, eu queria comparar esses três tipos de fotografia e ver onde as perspectivas se diferem. Em todas essas imagens as perspectivas refletem certas interpretações. O que me surpreendeu foi que a relação entre história e memória negava a possibilidade de interpretações diversas.
Folha - De que forma essa fotografia transmite a sensação de verdade?
Barnouw -
Essas imagens são visuais e fortemente dirigidas para o ato de ver. Há muitas fotos onde alemães aparecem assistindo às atrocidades ocorridas nos campos de concentração, são fotografadas ao passar por montanhas de cadáveres.
Eu diria que era preciso mostrar aos alemães o que ocorreu. E com isso os alemães deveriam ser retirados da passividade em que se encontravam para se entenderem como cúmplices.
O que, obviamente, está relacionado com aspectos político-morais do senso comum americano.
Folha - A senhora trabalhou muito com fotos publicadas na revista "Life", em 1945. Como os alemães eram mostrados nas fotos norte-americanas?
Barnouw -
O comportamento ativo da população alemã na ascensão do regime nazista e o seu comportamento passivo durante o colapso desse regime influenciaram muito a perspectiva dos fotógrafos. Era um momento ao mesmo tempo de invasão e libertação.
Quase não há fotos onde a população alemã sorri, as pessoas estão sempre fechadas e retraídas.
Também aparece toda a aparelhagem americana: tanques, jipes, bombas, navios e soldados -todos mostrados como libertadores. O que a população fez foi aceitar a libertação.
A autoridade da própria memória dos alemães era interditada, o que é um problema cultural.



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