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RELÂMPAGOS
Ópera zonza
João Gilberto Noll
Entrei pelos corredores do
conservatório, no ar uma soprano radiosa. Fugia de alguém. Tranquei-me na privada. Ouvi passos no lado de fora. Só podia ser o tal atrás de
mim. Sentei no vaso, baixei a
calça, porque, se ele se agachasse, veria apenas os pés de
um corpo em sua rotina animal. Ele queria me carregar
para um servicinho na fronteira com o Uruguai. Bateram
na porta. Em disparatado disfarce, gemi como se estivesse
em plena azáfama solitária. Já
estava de fato entrando nela;
no clímax, bufei, enquanto a
Rainha da Noite surtava em
seus gorjeios. O cara arrombou a porta já em meio a ecos
de uma ovação. De súbito, a
platéia emudece. Saciada ou
não? O certo é que, ali, é dele o
poder. Eu me abotôo como
súdito desse solo cavernoso
de Sarastro.
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