|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA ERUDITA
Regida por John Neschling, a orquestra é ovacionada no concerto mais importante da temporada européia
Festas da Sinfônica de São Paulo em Zurique
ARTHUR NESTROVSKI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE
A ovação era previsível, depois do sucesso em Genebra
no sábado. Mas ninguém esperava que fosse tão cedo. Mal a Osesp
tocou o último acorde do "Mandarim Maravilhoso" de Béla Bartok (1881-1945), a platéia da Tonhalle em Zurique veio abaixo,
surpreendendo até o maestro
John Neschling, que há anos convive com a serenidade suíça.
Já é estranho sentar numa sala
onde sentou Johannes Brahms
(1833-1897). Mais estranho ainda
ver as caras conhecidas da orquestra paulista no palco. Mas o
mais estranho e o mais bonito de
tudo foi perceber a confiança da
Osesp na Tonhalle, assim como
no Victoria Hall em Genebra. Um
ano depois da consagração no
Avery Fischer Hall (NY), eles agora parecem prontos para tocar
onde quer que seja, com a naturalidade conquistada de um conjunto de nível internacional.
O concerto em Genebra foi diferente. Grandezas de Villa-Lobos
(1887-1957) e festas de Ottorino
Respighi (1879-1936) testavam o
limite sonoro da estreita sala vitoriana, carregada de reboco e grená. A intimidade é uma virtude,
mas as exuberâncias da música às
vezes pedem mais espaço e mais
ar, e o auditório, com toda a sua
história, parecia pequeno para a
orquestra.
A Tonhalle, de sua parte, beneficia muito essa projeção cada vez
mais aberta, só ampliada pela importância da ocasião. Ampliada
para os dois lados do espectro:
fortíssimos espetaculares nos
trombones, pianíssimos virtuosísticos dos violinos.
Sem falar na percussão arrebentando -nada menos que dez percussionistas nas "Festas Romanas" de Respighi. Ajudados por
algumas dezenas de pares de pés,
batendo o compasso nordestino
do "Mourão" de Guerra-Peixe.
Sua contraparte de alto arrojo
foi o "Mandarim" de Bartok, uma
obra-prima do modernismo, mas
nem por isso muito tocada. É difícil para a orquestra e instigante
para a platéia; e não é qualquer
sinfônica que se aventura a provocar a imaginação desse modo.
Pontos para a coragem da Osesp,
que aposta com consciência neste
repertório.
Somando audições lá e cá, o
"Concerto nš 2" para piano e orquestra de Villa-Lobos vai nos
educando rapidamente para suas
belezas caóticas. E Jean-Louis
Steuerman, sem desconfiar decerto das angústias de seu amado Botafogo, transformou o concerto
num espetáculo de texturas e contrastes. Em retrospecto, os acordes alterados no final da "cadenza" sugeriam nada menos que a
invenção de um piano brasileiro.
Fazer depois a "Tocata" do suíço Othmar Shoeck foi um agrado
charmoso para os zuriquenhos.
Charme também é o que não
falta para o maestro Neschling,
quando as coisas correm tão bem
como aqui. Seduziu os genebrinos em francês; e atacou de alemão na Tonhalle, com o mesmo
gosto. Nada disso é trivial, num
concerto que exibe as honras cosmopolitas da Osesp.
Só a gente sabe como é difícil fazer música, como é difícil fazer
qualquer coisa no Brasil. O espanto dos suíços não pode ser maior,
então, do que o nosso, frente à
evidência do que se fez em meia
dúzia de anos. Não é por nada que
Roberto Minczuk teve de voltar
ao palco dez vezes em Nurembergue, e Neschling teve de abanar
para a platéia, que não queria ir
embora em Zurique.
Talvez isso explique a comoção
final do "Prelúdio" das "Bachianas Brasileiras nš 4". Não era música: era vida. Não era só uma orquestra, embora sem essa a gente
jamais saberia.
O jornalista Arthur Nestrovski viajou a
convite da Osesp
Avaliação:
Texto Anterior: Cinema: Continente africano se espalha pelas telas cariocas Próximo Texto: "Balada para as Meninas Perdidas": Sexo, música e verossimilhança embalam Vange Leonel Índice
|