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CINEMA
Japão leva apenas prêmio de consolação em Tóquio
Discreto, o uruguaio "Whisky" chega ao topo do festival nipônico
LÚCIA NAGIB
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE TÓQUIO
Um azarão acabou vencendo o
17º Festival Internacional de Cinema de Tóquio. Embora dominada pelo cinema asiático e sem
nenhum representante dos novos
cinemas do México, Argentina ou
Brasil, a competição se viu infiltrada por uma obra modesta e solitária que discretamente cavou
seu caminho até o topo. Trata-se
de "Whisky", filme uruguaio, dirigido por Juan Pablo Rebella e
Pablo Stoll, e financiado por um
pool de produtoras estrangeiras,
incluindo o instituto Sundance e a
TV NHK japonesa.
Demonstrando coragem, o júri
deu as costas a blockbusters, consagrando essa obra alienígena,
mas cheia de qualidades. A principal delas é o roteiro impecável,
que costura a atenção do espectador com pequenos detalhes como
dizer "uísque" ao tirar fotos. A
história é mínima: um judeu, que
mantém uma rotina miserável em
sua fábrica de meias, recebe a notícia da visita do irmão, que há décadas se mudou para o Brasil. Para simular uma mudança em sua
vida, pede a sua funcionária que
finja ser sua esposa.
O encontro dos três é fonte de
grande turbulência emocional,
mas que apenas se expressa em
ações solitárias, como quando os
personagens se escondem no banheiro para refletir. A opção realista pela filmagem em locações
possibilita a identificação de um
país que vive no passado e custa a
acordar. Tal como esse país, que
se faz conhecer pelos hotéis de ultrapassada opulência, ímãs de geladeira e persianas emperradas, a
atriz Mirella Pascual revela seus
sentimentos por gestos discretos,
ao reforçar a maquiagem ou arriscar uma frase original. Sua ótima
interpretação lhe valeu o prêmio
de melhor atriz.
Dois outros filmes, que concentravam a maioria das apostas, vieram logo atrás. O primeiro é o chinês "Kekexili: Mountain Patrol"
("Kekexili: a Patrulha da Montanha"), de Lu Chuan, filme que denuncia a caça de veados nas montanhas do Tibete e levou o prêmio
especial do júri. O segundo, já um
sucesso de bilheteria na Coréia, é
"The President's Barber" ("O Barbeiro do Presidente"), denúncia
ingênua e caricata dos regimes totalitários do país, que valeu a premiação de seu diretor, Im Chang-sang.
Mas a surpresa maior foi a ausência de laureados japoneses, a
não ser pela consolação de "melhor contribuição artística" para
"Chicken Is Barefoot" ("A Galinha Está Descalça"), mistura de
pastelão e filme de yakuza do veterano Azuma Morisaki.
Tal resultado, se prima pelo estrito critério artístico, não passou
sem controvérsias, como ressaltou o presidente do júri, o conhecido diretor Yoji Yamada, que
evidenciou seu embaraço diante
dos colegas nipônicos decepcionados.
De todo modo, é necessário fazer justiça a alguns ótimos representantes asiáticos, sobretudo nas
mostras paralelas. Johnny To, um
dos gigantes do thriller de Hong
Kong, compareceu com "Breaking News" ("Últimas Notícias"),
enfocando o exibicionismo de polícia e bandidos para a mídia e
mostrando por que Quentin Tarantino não tira os olhos do
Oriente. Sua câmera, em planos-sequência de 360 graus, executa
um balé estonteante pelo qual tiros, sangue e morte revelam seu
caráter de mero espetáculo.
Conterrâneo mais jovem de To,
Pang Ho Cheung mereceu uma
mini-retrospectiva que também
envereda pelo metacinema. Seu
filme "Men Suddenly in Black"
("Homens de Repente de Preto"),
por exemplo, é uma paródia do
filme de gângster, enfocando maridos que resolvem trair as mulheres quando elas fingem viajar.
A comédia resulta da utilização
dos truques do suspense para as
ações dos súbitos traidores, que
invariavelmente fracassam.
Cabe também lembrar o cinema
feminino da China, um ramo que
vem decrescendo com a privatização da produção cinematográfica
e o conseqüente investimento em
filmes de ação viris, como explicou a cineasta Li Shaohong. Ela
apresentou seu belo "Baober in
Love" ("Baober Apaixonada").
Por fim, um destaque para a sessão especial que encerrou o festival com um verdadeiro banho de
sangue. Trata-se de "Three... Extremes" ("Três... Extremos"), filme-ônibus de três episódios, dirigidos por Fruit Chan (Hong
Kong), Park Chan Wook (Coréia)
e Takashi Miike (Japão).
São histórias de canibalismo,
tortura e estranhos assassinatos
que só podem derivar de sociedades de alto padrão de vida, cujo
conforto as afasta do mundo físico. A ausência de prazer é o canal
de conhecimento do real utilizado
por essa corrente de cineastas que
parece ter perdido toda fé na política e na transformação social.
Lúcia Nagib é professora de cinema na
Universidade Estadual de Campinas e
autora de "O Cinema da Retomada" (ed.
34) e "Nascido das Cinzas" (Edusp)
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