São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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Livros

"Literatura indiana vive época feliz", diz Desai

A vencedora do Booker Prize afirma que sucesso também leva a distorções

Kiran Desai elogia o escritor Salman Rushdie, que "transcendeu o poder da literatura indiana sem mostrar vergonha"


DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a continuação da entrevista com Kiran Desai, na qual ela fala sobre modismos literários e questões como a opção de escritores indianos por utilizar a língua inglesa. (MS)

 

FOLHA - O autor indiano precisa escrever em inglês? O hibridismo é uma vantagem para os escritores?
KIRAN DESAI -
Esse é o tema central do debate atual na Índia. É o que discutimos em conferências. O inglês é uma das línguas faladas, mas significa uma divisão de classe em um país que já tem uma hierarquia social complicada. Os indianos "ocidentalizados" sempre sentem que têm um pé fora da Índia. Sentem-se estrangeiros, procuram empregos no exterior.
Escrever em inglês dá acesso ao mercado ocidental, é uma vantagem. Mas a imagem do país no exterior fica nas mãos de poucas pessoas, que levam a uma visão parcial do país. Outro debate é se o inglês, como língua dos colonizadores, pode retratar verdadeiramente o país. É complicado. Ser indiano significa expressar coisas difíceis e contraditórias. A linguagem não é uma coisa pura. Não podemos falar para a maioria dos outros indianos, e nossas línguas nunca conseguirão, nenhuma delas, expressar nada integralmente.

FOLHA - O que você acha do crescimento da literatura indiana?
DESAI -
É uma época feliz para nossa literatura. Pela primeira vez há uma sensação de expansão. Mas às vezes isso me preocupa. O mercado Ocidental é movido por modismos e parece que a Índia representa apenas a etnia do momento. É triste, temos autores escrevendo apenas para satisfazer necessidades de mercado, projetando a imagem de uma Índia que as pessoas desejam ver. Está ficando mais difícil haver trabalhos verdadeiros.

FOLHA - Salman Rushdie foi importante para a sua geração?
DESAI -
Ele transcendeu o poder da literatura indiana sem mostrar vergonha, sem ser intimidado pelo peso de nossa história. Acho que sua confiança foi muito importante. Ganhamos um autor que não produzia da forma como o Ocidente queria que escrevêssemos. Inovou, com o inglês indiano. Alguns tentaram imitar seu estilo, mas isso nunca deu certo. Todos precisam encontrar suas próprias vozes. Leio escritores de vários lugares. Fiquei emocionada recentemente com um livro de Milton Hatoum.

FOLHA - Sagas familiares, crise pós-colonial e questões de identidade são recorrentes nos países da Comunidade Britânica. Como você espera que esses temas, retratados no seu livro, sejam recebidos no Brasil?
DESAI -
Acho interessante que em muitos lugares do Ocidente o diálogo tenha sido simplificado. Parece que há uma demanda para que os imigrantes sejam fiéis apenas a uma bandeira e a uma língua, que sejam assimilados. Não acho que isso seja honesto, inteligente ou saudável. O que mantém uma nação unida? Mais ou menos controle? Na Índia, isso sempre é tema de discussão. O país deveria ser dividido em mais Estados? Espero que a Índia continue multifacetada. Em relação ao Brasil, espero que o livro renove minha relação com o seu país. Sinto saudades. É o país mais generoso e caloroso que já conheci.


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