São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Isolada em Curitiba com a seleção de ginástica, Jade Barbosa está longe da rotina de uma garota de 16 anos: nunca namorou, vive no ginásio das 8h30 às 19h e precisa de autorização até mesmo para ir a um salão de beleza

Leonardo Wen/Folha Imagem
A ginasta no quarto da casa, que divide com mais quatro atletas, em Curitiba


Jade em quadrinhos

Fim da temporada de competições. Descanso? Nem pensar. A ginasta Jade Barbosa enfrenta 12 horas de vôo de Stuttgart, onde conquistou duas medalhas de prata na Copa do Mundo, até Curitiba. Ainda na terça, 30, veste o collant para treinar.

 

A coluna acompanhou a rotina de Jade, novo ídolo esportivo do Brasil depois de ganhar três medalhas no Pan. Recentemente, foi escolhida para conduzir a tocha olímpica de Pequim, em 2008. E vai virar personagem de histórias em quadrinhos: o mesmo desenhista que criou Senninha, baseado no piloto, vai publicar tiras de Jade no site oficial da ginasta.
 

Depois de um café-da-manhã no alojamento que divide com quatro ginastas, ela caminha até o Centro de Excelência de Ginástica, onde treina de segunda a sábado.
 

Às 10h, sentadas em roda, Jade e as outras ginastas ouvem o "sermão" de Eliane Martins, coordenadora da Confederação Brasileira de Ginástica. É que, no dia anterior, elas foram a um salão de beleza sem pedir autorização para a CBG, que as mantêm no Paraná e se responsabiliza pelas garotas que estão longe da família. Na hora do treino, a coisa é ainda mais rigorosa. "A gente tem que pedir permissão pra tudo. Pra ir ao banheiro, beber água..."
 

Retorno ao trabalho: de short e collant preto -desenhado e confeccionado pelo pai-, Jade ouve as instruções dadas pela ucraniana Irina Ilyashenko, em um português com forte sotaque. "Pápa-papápa-papá-papá!". Daiane dos Santos liga o rádio em volume alto com o rap do filme "Tropa de Elite". Ninguém dança. Pouco se fala.
 

Ao perceber que está sendo fotografada, Jade ajeita o cabelo. "Vocês vieram logo hoje que eu não passei gel. Tô parecendo um leão", diz. Entre um salto e outro, ela borrifa água pelo corpo com spray, que também leva à boca. Jade teve cálculo renal e o médico recomendou que ela bebesse água com freqüência.
 

Ela corrige a postura, volta à cama elástica, puxa o short para baixo. Corre até a balança. O peso de cada uma das ginastas, e as variações que ele sofre diariamente, em gramas, são exibidos em um quadro na parede. Elas são obcecadas: não podem engordar. O quadro indica que Jade oscilou entre 45,7 kg e 46 kg, dentro do planejado.
 

Às 12h, pausa para o almoço, num restaurante perto do ginásio. As ginastas comem pouco. Quando estão acima do peso, só se servem de gelatina no jantar.
 

Depois da refeição, elas têm direito a um pequeno descanso, de 20 minutos, antes da "escola" -Jade e as amigas têm aulas particulares equivalentes às do primeiro ano do ensino médio. Em casa, vai direto ao quarto, compartilhado com a ginasta Laís Souza. Se joga na cama. Três fotos de família, em que aparecem sempre ela, o pai e o irmão, decoram a parede. Jade diz que fala com o pai, César, no Rio, "umas seis vezes por dia", por telefone. Na cômoda, guarda perfumes que dará de presente para ele. "E ele me deu um [Clipping, do Boticário, masculino] para eu lembrar do cheiro dele."
 

"Teve uma vez, logo que ganhei a medalha no Pan, um repórter me perguntou baixinho: "Quando você entrou no ginásio, pensou em ganhar uma medalha para sua mãe?" Eu falei: "Não! Nem tava pensando nisso!'", diz. A mãe de Jade morreu em 2001, por causa de um aneurisma. A ginasta tinha 10 anos. E esse é um assunto freqüente para os jornalistas. "Eles sempre tentam me fazer chorar. Logo depois do que aconteceu com a minha mãe, veio um e ficou me perguntando como eu me sentia. Eu dizia que não queria falar. Mas ele insistiu tanto que eu chorei." Ela diz que hoje nem chora "tanto assim. Acho que eu cresci".
 

Na pilha de cosméticos, não há hidratante para as mãos, onde Jade "cultiva" calos adquiridos nas barras assimétricas. "A pele fica muito fina se eu passar." Os namorados não reclamam? "Não. Eu nunca tive namorado." Nem o pó de magnésio e a gaze que amarra entre os dedos nos treinos evitam bolhas. "Se estouram e eu entro no banho... Meu Deus! Arde muito! É pior que bolha no pé."
 

São 13h15. Hora de ir para a sala de aula improvisada no ginásio. Ainda com o mesmo collant que vestiu de manhã, ela lê em voz alta um texto sobre a mata de araucárias: "É composta por pinheiros, credos...". Uma colega corrige: "É cedro, Jade". E ela: "Ah, é mesmo...". "Nossa, tô com muito sono. Que horas são?" Ela faz perguntas, checa o celular e, vez ou outra, repousa a cabeça sobre a mesa. Na aula de matemática, erra um cálculo. "Ai, pra mim, tá tudo certo. Não tô conseguindo raciocinar hoje."
 

Às 16h30, Jade segue com as meninas para a sala de fisioterapia. Já sofreu duas lesões: um início de fratura por estresse na perna e uma luxação no cóccix. Sente dores no tornozelo esquerdo. "Tem que agüentar. Vou fazer o quê?" Faz a massagem e, ao fim da tarde, é enfim liberada para ir embora, tomar um banho e descansar.


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