São Paulo, Sexta-feira, 05 de Fevereiro de 1999
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Sangalo, solo, vira franquia


No final do Carnaval, a atual musa da axé music baiana deixa o Bloco Eva, após cinco anos e 3 milhões de discos vendidos, e se arrisca em carreira solo para "escolher tudo", do figurino à agenda de entrevistas e fotos


SYLVIA COLOMBO
enviada especial a Salvador

"Quando eu falo a gente, eu falo a Bahia". A versão axé do dito do rei absolutista francês Luís 14 ("O Estado Sou Eu") vem da boca da baiana Ivete Sangalo, agora cantora solo -ela se despede do Bloco Eva na Quarta-Feira de Cinzas- e, enfim, xerife de si mesma.
Afirmando obedecer a um instinto "primata", ela alega que a razão de sua saída do grupo que a projetou nos últimos cinco anos (com quem vendeu mais de 3 milhões de cópias) foi o fato de querer "escolher tudo o que se refere a meu trabalho: figurino, cenário, concepção, repertório e agenda de entrevistas e fotos".
Sangalo agora é uma instituição popular baiana, virou bloco (o Cerveja e Cia., com franquia em dez Estados: "Esse grupo sai na hora que eu quiser e toca o que eu quiser"), produtora, editora e estúdio (Caco de Telha, para gravar o trabalho dela, "dos amigos e de quem eu achar que é bom"), atriz de cinema (contracenou com Renato Aragão em "Simão, o Fantasma Trapalhão": "Adorei dizer "Didi, eu te amo") e embrião de apresentadora de TV (fez sua estréia em duas edições do "Planeta Xuxa": "Pensei que ia me dar mal, mas achei o resultado ótimo").
Um império com tantos tentáculos provoca uma loteria de apostas em que jornalistas, assessores e público especulam e discutem com paixão.
Boatos sobre os bastidores das negociações intrablocos carnavalescos ganham amplitude de notícia seriíssima -"hard news" que substituem as preocupações com os rumos da economia nacional- na Salvador pós-Iemanjá/pré-Carnaval.
Toureando os buxixos, ela só não quer saber de posar nua, mas diz que já foi sondada. "Por dinheiro? Eu tenho como ganhar de um outro jeito. Por vaidade? Só quero que meu homem diga que eu tô boa e pronto", diz, enfática.
Defensora de uma espécie de "axé de qualidade", referindo-se ao seu trabalho, ao de Carlinhos Brown e a Timbalada, Daniela Mercury e Margareth Menezes, Sangalo diz que o estilo está para os anos 90 assim como a bossa nova esteve para os anos 60.
"É a música da minha geração, sem o as preocupações que havia naquela época. Não quero chamar a atenção para a situação política e econômica do país, acho que as questões raciais são mais importantes", conta.

Estréia solo
Em seu primeiro disco solo, que deve sair em maio pela PolyGram/ Universal, a cantora vai enveredar pelas suas idéias e padrões temáticos e musicais: "Levantar a música dos guetos é uma forma de abrir os olhos das pessoas para estas questões".
O disco, que será também sua estréia como compositora, terá letras de Brown e Marisa Monte. Sangalo diz estar estudando música seriamente, principalmente percussão e estilos tradicionais do Nordeste.
"Quero usar frevo, galope e maracatu só como inspiração, sou muito nova (ela tem 26) para fazer qualquer uso erudito disso. Eu não sei nada, não posso ousar fazer uma leitura fiel de uma linguagem tão rica", assume, num lampejo sincero de modéstia.
"Tenho consciência da responsabilidade do meu sucesso, sei que posso ajudar as pessoas a tomarem consciência de algumas coisas, mas não posso impor nada a ninguém", resume.
Recentemente, Sangalo pôs Rosa Passos sobre um trio elétrico. Admiradora entusiasmada da veterana cantora baiana, ela promete abrir seu palanque para os seus ídolos.
"Também vou agenciar artistas novos e os que eu acho bons pelo Nordeste, vocês me dão licença, mas eu tô podendo", ri.
Entre os amparados, ela pretende ainda incentivar o trabalho da irmã, também cantora e compositora, Mônica e a banda Doutor Cevada, do vocalista Ramon Cruz, ex-staff de Daniela Mercury.

Hits
A cantora será substituída por Emanuelle Araújo (leia texto nesta página). A transição acontecerá durante o desfile do Eva pelo circuito (alternativo) Barra-Ondina, durante o Carnaval de Salvador.
Para o ano 2000, Sangalo sairá com seu bloco, o Cerveja e Cia., no circuito tradicional, o Campo Grande-Praça Castro Alves.
Mas a ruptura não se concretiza completamente no plano musical. Sangalo garante que vai levar os principais hits do grupo -"Arerê" (aquele mesmo que virou grito de guerra das torcidas de futebol de todo o país), "Me Abraça", "Carro Velho" e outros- para seus shows.
"Coincidentemente as que eu mais gosto são as que mais fazem sucesso, então vou cantar e pronto, elas são preferencialmente minhas", completa.

Sorvete na Ribeira
Nas férias entre o Carnaval e a entrada no estúdio para a estréia solo, a cantora quer tomar sorvete na Ribeira (bairro de Salvador), ir a shows e ver e ouvir novos valores da música baiana. Atrás de inspiração para seu repertório e de nomes para catapultar.
"O povo escolhe o que é bom, o que é bom é bom porque o povo escolhe, e eu gravo o que o povo escolhe", afirma.


A jornalista Sylvia Colombo viajou a convite da produtora Caco de Telha


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