São Paulo, sábado, 05 de março de 2005

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Experiências no Brasil afetaram literatura de George Pelecanos

FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON

A questão social é caso de polícia, sim. Mais precisamente, de uma boa trama policial. A proposta, do escritor americano George Pelecanos, 48, está materializada no livro "Revolução Difícil", que tem publicação no Brasil pela editora Companhia das Letras prevista para o dia 29.
A história divide-se em dois momentos, o final da década de 1950 e o crucial ano de 1968, e narra parte da infância e o início da carreira do policial negro Derek Strange, personagem de outros livros de Pelecanos.
O cenário do escritor é sempre Washington -não a cidade anti-séptica onde mora o presidente George W. Bush, mas um espaço urbano majoritariamente negro, pobre e que já foi considerado um dos lugares mais violentos dos Estados Unidos.
Imersa no tumultuado ambiente histórico, a novela faz uma detalhada reconstrução dos conflitos raciais que se espalharam por Washington e outras grandes cidades americanas da época, quando ser policial e negro era algo quase inconciliável.
Pelecanos, que adotou duas crianças negras brasileiras, afirma que os meses em que esteve no país, em 1993, tiveram uma grande influência em sua busca por uma novela policial com conteúdo social.
O autor escreveu um conto ambientado no Brasil, "Hungry" (faminto), publicado na antologia "Best American Mistery Stories of 1997" (melhores histórias de mistério americanas de 1997).
Leia, a seguir, trechos da entrevista de Pelecanos à Folha, concedida por e-mail:

 

Folha - "Revolução Difícil" traz uma descrição detalhada das ruas, da música, dos carros e da história de Washington dos anos 1950 e 1960, enquanto o crime tem uma importância menor, embora dramática, na trama. Como o sr. descreve este livro tanto na atual literatura policial quanto em sua carreira?
George Pelecanos -
História social na forma de uma novela policial. Estava tentando deixar um registro dos grandes eventos históricos e sociais, humanizar os seus participantes e, ao mesmo tempo, escrever uma boa ficção policial. É um livro que eu queria escrever durante toda a minha carreira, mas adiei porque não me sentia preparado.
De muitas formas, representa o que venho tentando alcançar nos últimos 15 anos.

Folha- O sr. adotou duas crianças negras brasileiras, uma do Rio de Janeiro. Como a experiência no Brasil, onde as taxas de crime são muito mais altas do que aqui, e ser pai de duas crianças negras afetaram o seu trabalho?
Pelecanos -
Não faço uma afirmação menor ao dizer que as minhas experiências no Brasil afetaram tudo que escrevi desde então. Fui para lá como um escritor de mistério e voltei como um escritor que queria explorar temas sociais por meio da novela policial.
Ver crianças famintas nas ruas, como vi no Brasil, é algo que lhe radicaliza. Sem dúvida, temos os mesmos problemas nas nossas cidades, mas quase sempre estão escondidos atrás de portas fechadas e de alguma forma aliviados pelo governo.
Ver aquelas crianças lá me impulsionou a querer escrever sobre crianças americanas que estão experimentando pobreza e desesperança e recorrendo ao crime como resposta.

Folha - Ultimamente, as histórias policiais têm se transformado em tramas complexas envolvendo laboratórios e investigações de alta tecnologia. Onde fica o seu protagonista, o ex-agente policial e detetive particular Derek Strange?
Pelecanos -
Ele é de uma geração que conhecia apenas a máquina de escrever. Há pessoas em seu escritório que trabalham com computadores, vasculham programas etc. Mas ele é um cara das ruas cujo escritório é o seu carro. As ferramentas no porta-malas do seu Chevy são exatamente as mesmas usadas por detetives particulares que acompanhei.
A tecnologia não pode resolver o problema mais difícil que um policial ou detetive tem de superar, que é fazer as pessoas falarem.
Isso precisa ser conseguido por meio de habilidades humanas, incluindo muita perseverança, e um pouco de sorte.

Folha - Em "Revolução Difícil", lugares como o Congresso e a Casa Branca não afetam o cotidiano das pessoas. Isso mudou depois do 11 de Setembro, já que a cidade se transformou num bunker e a polícia parece mais preocupada com terrorismo do que com crimes comuns?
Pelecanos -
O policial médio de Washington ainda está focado no crime local, e não em terrorismo. E, de fato, o crime diminuiu aqui. Basicamente, se você anda pelo mundo do governo federal diariamente, ficou mais difícil morar aqui. Fui ao prédio do Judiciário ontem e era como embarcar num avião -20 minutos de inspeção apenas para pegar o elevador.
A maioria dos cidadãos a leste da rua 16 nem sequer pensam sobre essas coisas. Eles tocam as suas vidas, como sempre.
O governo não se importa com eles, e o sentimento é mútuo. O vento ruim que chegou à cidade vai passar, e os washingtonianos ainda estarão aqui.


Revolução Difícil
Autor:
George Pelecanos
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 41 (416 págs.)


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