|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Experiências no Brasil afetaram literatura de George Pelecanos
FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON
A questão social é caso de polícia, sim. Mais precisamente, de
uma boa trama policial. A proposta, do escritor americano
George Pelecanos, 48, está materializada no livro "Revolução Difícil", que tem publicação no Brasil pela editora Companhia das
Letras prevista para o dia 29.
A história divide-se em dois
momentos, o final da década de
1950 e o crucial ano de 1968, e narra parte da infância e o início da
carreira do policial negro Derek
Strange, personagem de outros livros de Pelecanos.
O cenário do escritor é sempre
Washington -não a cidade anti-séptica onde mora o presidente
George W. Bush, mas um espaço
urbano majoritariamente negro,
pobre e que já foi considerado um
dos lugares mais violentos dos Estados Unidos.
Imersa no tumultuado ambiente histórico, a novela faz uma detalhada reconstrução dos conflitos raciais que se espalharam por
Washington e outras grandes cidades americanas da época,
quando ser policial e negro era algo quase inconciliável.
Pelecanos, que adotou duas
crianças negras brasileiras, afirma
que os meses em que esteve no
país, em 1993, tiveram uma grande influência em sua busca por
uma novela policial com conteúdo social.
O autor escreveu um conto ambientado no Brasil, "Hungry" (faminto), publicado na antologia
"Best American Mistery Stories of
1997" (melhores histórias de mistério americanas de 1997).
Leia, a seguir, trechos da entrevista de Pelecanos à Folha, concedida por e-mail:
Folha - "Revolução Difícil" traz
uma descrição detalhada das ruas,
da música, dos carros e da história
de Washington dos anos 1950 e
1960, enquanto o crime tem uma
importância menor, embora dramática, na trama. Como o sr. descreve este livro tanto na atual literatura policial quanto em sua carreira?
George Pelecanos - História social na forma de uma novela policial. Estava tentando deixar um
registro dos grandes eventos históricos e sociais, humanizar os
seus participantes e, ao mesmo
tempo, escrever uma boa ficção
policial. É um livro que eu queria
escrever durante toda a minha
carreira, mas adiei porque não me
sentia preparado.
De muitas formas, representa o
que venho tentando alcançar nos
últimos 15 anos.
Folha- O sr. adotou duas crianças
negras brasileiras, uma do Rio de
Janeiro. Como a experiência no
Brasil, onde as taxas de crime são
muito mais altas do que aqui, e ser
pai de duas crianças negras afetaram o seu trabalho?
Pelecanos - Não faço uma afirmação menor ao dizer que as minhas experiências no Brasil afetaram tudo que escrevi desde então.
Fui para lá como um escritor de
mistério e voltei como um escritor que queria explorar temas sociais por meio da novela policial.
Ver crianças famintas nas ruas,
como vi no Brasil, é algo que lhe
radicaliza. Sem dúvida, temos os
mesmos problemas nas nossas cidades, mas quase sempre estão
escondidos atrás de portas fechadas e de alguma forma aliviados
pelo governo.
Ver aquelas crianças lá me impulsionou a querer escrever sobre
crianças americanas que estão experimentando pobreza e desesperança e recorrendo ao crime como resposta.
Folha - Ultimamente, as histórias
policiais têm se transformado em
tramas complexas envolvendo laboratórios e investigações de alta
tecnologia. Onde fica o seu protagonista, o ex-agente policial e detetive particular Derek Strange?
Pelecanos - Ele é de uma geração
que conhecia apenas a máquina
de escrever. Há pessoas em seu escritório que trabalham com computadores, vasculham programas
etc. Mas ele é um cara das ruas cujo escritório é o seu carro. As ferramentas no porta-malas do seu
Chevy são exatamente as mesmas
usadas por detetives particulares
que acompanhei.
A tecnologia não pode resolver
o problema mais difícil que um
policial ou detetive tem de superar, que é fazer as pessoas falarem.
Isso precisa ser conseguido por
meio de habilidades humanas, incluindo muita perseverança, e um
pouco de sorte.
Folha - Em "Revolução Difícil", lugares como o Congresso e a Casa
Branca não afetam o cotidiano das
pessoas. Isso mudou depois do 11
de Setembro, já que a cidade se
transformou num bunker e a polícia parece mais preocupada com
terrorismo do que com crimes comuns?
Pelecanos - O policial médio de
Washington ainda está focado no
crime local, e não em terrorismo.
E, de fato, o crime diminuiu aqui.
Basicamente, se você anda pelo
mundo do governo federal diariamente, ficou mais difícil morar
aqui. Fui ao prédio do Judiciário
ontem e era como embarcar num
avião -20 minutos de inspeção
apenas para pegar o elevador.
A maioria dos cidadãos a leste
da rua 16 nem sequer pensam sobre essas coisas. Eles tocam as
suas vidas, como sempre.
O governo não se importa com
eles, e o sentimento é mútuo. O
vento ruim que chegou à cidade
vai passar, e os washingtonianos
ainda estarão aqui.
Revolução Difícil
Autor: George Pelecanos
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 41 (416 págs.)
Texto Anterior: O mapa do CRIME Próximo Texto: Autor de "Sobre Meninos e Lobos" diz que policiais estão no auge Índice
|