São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2005

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COMIDA

Monges beneditinos produzem pães e bolos inspirados em receitas antigas

O milagre dos pães

JANAINA FIDALGO
DA REDAÇÃO

Domingo, 11h. Terminada uma cerimônia, outra tem início na igreja São Bento. A postos está dom Bernardo, pronto para saciar o paladar de seus fiéis clientes, organizados em fila, à espera de entrar num mundo de sabores. Eis o ritual que se repete religiosamente desde 1999 e que neste domingo oferece uma outra receita: o novo bolo dos Monges.
Produto mais antigo da padaria do mosteiro São Bento, a iguaria teve sua receita reformulada por d. Bernardo Schuler, 38, responsável por esta e por outras delícias ali comercializadas.
"Estou com muito cuidado, como um filho que vai nascer", conta Schuler. O mesmo desvelo tem com cada um dos produtos. Nas receitas, há sempre um toque seu, guiado pela inestimável ajuda de seu paladar de gourmand. "Quando você se depara com uma receita de outro século, percebe naquilo uma obra rara. Imagina-se uma perfeição que não precisa ser modificada. Mas fica aquele desafio de colocar um pouco de você", conta. "Vê que, às vezes, não tem ingredientes assim tão fantásticos. Todo monge é um pouco alquimista, então fazemos uma adaptação ao que se espera que hoje as pessoas gostem."
Basta comer o bolo Dom Bernardo, cuja base foi uma antiga receita francesa, para descobrir como funciona essa alquimia. "Foi o que eu mais interferi, certo de lançar um bolo diferente. Dei-lhe o meu nome porque consegui fazer nele aquilo o que queria: um bolo úmido. Os bolos monásticos, em geral, são secos", explica o monge, avesso a pão-de-ló.
O Santa Escolástica, outra receita beneditina, foi trazido no século 18. Esta formulação estava pronta, não sofreu alterações.
O valor dos produtos varia de R$ 5 (pão de mel recheado com geléia de morango e o minibolo Escolástica) a R$ 40 (bolo Bethlehem). "As pessoas às vezes falam que os preços não são tão acessíveis, mas os ingredientes usados são de primeira, e tem toda a apresentação [das embalagens]."

Desvendando o mistério
Serenamente, d. Bernardo menciona a insistente curiosidade que ronda os bolos e pães feitos no mosteiro e, logo no início da entrevista, pede cuidado à reportagem para evitar os jargões sempre usados. Mas e os ingredientes, podemos citar? "Pode, estão na caixa. Só não estão as medidas", diz, entre risos. "As pessoas dizem: "Ah, aqui tem um mistério". Claro que tem. O mosteiro São Bento tem uma receita como o Santa Escolástica, datada do século 18. Tem um mistério ali. Mas se o produto não é bom, não se estabiliza no mercado, porque a partir do momento que você degusta o primeiro pedaço, desvenda o mistério. Para o freguês voltar, o produto tem que ser bom. Só o mistério não sustenta nada."
Mas o que fazer para manter a qualidade de um bolo de maneira natural, sem conservantes? Simples (e este "pulo do gato" o monge revela): acrescentar conhaque ou vinho canônico -aquele vinho de missa que todo mundo já teve vontade de provar (a bebida licorosa é vendida no local). A técnica é, ao mesmo tempo, um truque e um aliado do paladar.
O fato de os produtos não levarem conservantes, serem feitos quase artesanalmente (os bolos, por exemplo, são batidos à mão) e envolverem pouca gente no fabrico -cinco monges-, faz com que as prateleiras rapidamente se esvaziem. Por não conseguir atender a demanda, d. Bernardo deixa transparecer certa angústia, embora esquive-se do apelo da industrialização. "Desde que eu comecei, vivo relutando nesta pré-industrialização. As pessoas vão pedindo, vai crescendo. Uma hora você vê que está no mercado."

Ora et labora
Com a chegada de d. Bernardo ao mosteiro São Bento, em 1996, a antiga tradição dos beneditinos foi resgatada. "As receitas existiam no arquivo, o que nos leva a acreditar que antigamente os monges faziam [para o consumo]", diz. "O mosteiro sempre teve que ser auto-suficiente para se guardar, por causa da clausura."
Aliando sua formação em administração de empresas ao amor pela gastronomia, o monge transformou a venda de pães e bolos num empreendimento comercial lucrativo, que hoje representa uma "fonte de renda substancial" do mosteiro. Por semana, cerca de 450 pães de São Bento, 180 bolos Santa Escolástica, 150 bolos Dom Bernardo e 120 pães de mel são vendidos na pequena loja da igreja. "É um empreendimento que vai amadurecendo. Você vai entrando, quer sim, quer não, no mercado, mas não de uma forma tão comercial e competitiva."


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