|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMIDA
Monges beneditinos produzem pães e bolos inspirados em receitas antigas
O milagre dos pães
JANAINA FIDALGO
DA REDAÇÃO
Domingo, 11h. Terminada uma
cerimônia, outra tem início na
igreja São Bento. A postos está
dom Bernardo, pronto para saciar o paladar de seus fiéis clientes, organizados em fila, à espera
de entrar num mundo de sabores.
Eis o ritual que se repete religiosamente desde 1999 e que neste domingo oferece uma outra receita:
o novo bolo dos Monges.
Produto mais antigo da padaria
do mosteiro São Bento, a iguaria
teve sua receita reformulada por
d. Bernardo Schuler, 38, responsável por esta e por outras delícias
ali comercializadas.
"Estou com muito cuidado, como um filho que vai nascer", conta Schuler. O mesmo desvelo tem
com cada um dos produtos. Nas
receitas, há sempre um toque seu,
guiado pela inestimável ajuda de
seu paladar de gourmand.
"Quando você se depara com
uma receita de outro século, percebe naquilo uma obra rara. Imagina-se uma perfeição que não
precisa ser modificada. Mas fica
aquele desafio de colocar um pouco de você", conta. "Vê que, às vezes, não tem ingredientes assim
tão fantásticos. Todo monge é um
pouco alquimista, então fazemos
uma adaptação ao que se espera
que hoje as pessoas gostem."
Basta comer o bolo Dom Bernardo, cuja base foi uma antiga
receita francesa, para descobrir
como funciona essa alquimia.
"Foi o que eu mais interferi, certo
de lançar um bolo diferente. Dei-lhe o meu nome porque consegui
fazer nele aquilo o que queria: um
bolo úmido. Os bolos monásticos,
em geral, são secos", explica o
monge, avesso a pão-de-ló.
O Santa Escolástica, outra receita beneditina, foi trazido no século 18. Esta formulação estava
pronta, não sofreu alterações.
O valor dos produtos varia de
R$ 5 (pão de mel recheado com
geléia de morango e o minibolo
Escolástica) a R$ 40 (bolo Bethlehem). "As pessoas às vezes falam
que os preços não são tão acessíveis, mas os ingredientes usados
são de primeira, e tem toda a
apresentação [das embalagens]."
Desvendando o mistério
Serenamente, d. Bernardo menciona a insistente curiosidade que
ronda os bolos e pães feitos no
mosteiro e, logo no início da entrevista, pede cuidado à reportagem para evitar os jargões sempre
usados. Mas e os ingredientes, podemos citar? "Pode, estão na caixa. Só não estão as medidas", diz,
entre risos. "As pessoas dizem:
"Ah, aqui tem um mistério". Claro
que tem. O mosteiro São Bento
tem uma receita como o Santa Escolástica, datada do século 18.
Tem um mistério ali. Mas se o
produto não é bom, não se estabiliza no mercado, porque a partir
do momento que você degusta o
primeiro pedaço, desvenda o mistério. Para o freguês voltar, o produto tem que ser bom. Só o mistério não sustenta nada."
Mas o que fazer para manter a
qualidade de um bolo de maneira
natural, sem conservantes? Simples (e este "pulo do gato" o monge revela): acrescentar conhaque
ou vinho canônico -aquele vinho de missa que todo mundo já
teve vontade de provar (a bebida
licorosa é vendida no local). A técnica é, ao mesmo tempo, um truque e um aliado do paladar.
O fato de os produtos não levarem conservantes, serem feitos
quase artesanalmente (os bolos,
por exemplo, são batidos à mão) e
envolverem pouca gente no fabrico -cinco monges-, faz com
que as prateleiras rapidamente se
esvaziem. Por não conseguir
atender a demanda, d. Bernardo
deixa transparecer certa angústia,
embora esquive-se do apelo da industrialização. "Desde que eu comecei, vivo relutando nesta pré-industrialização. As pessoas vão
pedindo, vai crescendo. Uma hora você vê que está no mercado."
Ora et labora
Com a chegada de d. Bernardo
ao mosteiro São Bento, em 1996, a
antiga tradição dos beneditinos
foi resgatada. "As receitas existiam no arquivo, o que nos leva a
acreditar que antigamente os
monges faziam [para o consumo]", diz. "O mosteiro sempre teve que ser auto-suficiente para se
guardar, por causa da clausura."
Aliando sua formação em administração de empresas ao amor
pela gastronomia, o monge transformou a venda de pães e bolos
num empreendimento comercial
lucrativo, que hoje representa
uma "fonte de renda substancial"
do mosteiro. Por semana, cerca
de 450 pães de São Bento, 180 bolos Santa Escolástica, 150 bolos
Dom Bernardo e 120 pães de mel
são vendidos na pequena loja da
igreja. "É um empreendimento
que vai amadurecendo. Você vai
entrando, quer sim, quer não, no
mercado, mas não de uma forma
tão comercial e competitiva."
Texto Anterior: Música: Em meio a "inferno astral", Ja Rule faz dois shows no Brasil Próximo Texto: Comida: East traz várias faces da Ásia Índice
|