São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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CINEMA

Em longa que estréia hoje, Lula declara que o futebol brasileiro é como "água benta", uma "paixão acima das coisas"

Documentário registra seleção no Haiti

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O documentarista Caíto Ortiz, 35, conseguiu em 18 de agosto de 2004 algo que centenas de jornalistas tentam em vão -um tête-à-tête com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
O rosto de Lula pinga suor. De terno, no calor da capital haitiana, Porto Príncipe, Lula acabara de ver o Brasil vencer o selecionado da casa por 6 a 0.
Era o "jogo da paz", ou a "manobra publicitária" promovida pelo governo brasileiro, como afirma Ortiz, para fazer reluzir seu comando à frente das forças de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), enviadas ao país caribenho, convulsionado política, social e economicamente.
O contexto da "manobra" é que, em 2004, a diplomacia brasileira empenhava-se com máximo vigor para alcançar um assento como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Água benta
O comentário de Lula sobre a partida toma exatos 45 segundos do documentário que Ortiz e João Dornelas lançam hoje nos cinemas, chamado "O Dia em que o Brasil Esteve Aqui".
Trecho do que o presidente diz no filme: "Acho que não apenas aqui, mas, em vários lugares do mundo em que eu viajo, ou seja, o futebol brasileiro é como se fosse uma água benta, uma paixão que está acima das coisas".
Na época em que foi dita, a fala de Lula despertou a simpatia dos documentaristas e de seus amigos que acompanharam a edição do longa. "A gente tinha uma leitura do Lula extremamente positiva dentro do filme", diz Ortiz.
No entanto, a reação da platéia que assistiu ao filme na Mostra Internacional de São Paulo, em novembro passado, pós-escândalo do mensalão, foi em tudo diferente da simpatia. "Quando ele [Lula] aparecia, as pessoas faziam aquele silêncio. O fenômeno era completamente outro. Sobre a passagem da "água benta", diziam: "Só fala bobagem!"."
A corrosão da imagem de Lula da Silva, que Ortiz identificou com "a perda da esperança", despertou nele a vontade de produzir um documentário sobre a gestão presidencial do petista.
A idéia do diretor é fazer um filme só com imagens jornalísticas, emprestadas "do escândalo mais televisionado da história do país".

Jogada perfeita
Em "O Dia em que o Brasil Esteve Aqui", o conteúdo político e mesmo a "jogada perfeita" que, na visão do diretor, a partida significou para a política externa brasileira não são realçados. "É injusto esperar que, só porque fomos ao Haiti, deveríamos fazer um filme político", diz Ortiz.
Ele e Dornelas ficaram em Porto Príncipe por mais cinco dias depois do amistoso. As entrevistas com intelectuais e populares pós-jogo, muitas delas incluídas no filme, deixam claro, para Ortiz, que "a ficha caiu para o haitiano".
Ou seja, os cicerones perceberam que a visita-relâmpago não era exatamente uma deferência com eles. "O Brasil em nenhum momento se preocupou com o Haiti. Se a gente fosse realmente fazer algo pelo Haiti, seria menos cordão de isolamento e mais contato físico; menos oba-oba e mais humano", afirma.
Na opinião do cineasta, o jogo foi organizado com a "expectativa de impressionar a ONU e o mundo com nossa arma cultural poderosíssima [o futebol]".
Talvez por isso Ortiz tenha "torcido enlouquecidamente" pela vitória do Haiti nas quatro linhas. Em vão. "A seleção jogou em marcha lenta e deu de 6 a 0..."


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