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CINEMA
Em longa que estréia hoje, Lula declara que o futebol brasileiro é como "água benta", uma "paixão acima das coisas"
Documentário registra seleção no Haiti
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O documentarista Caíto Ortiz,
35, conseguiu em 18 de agosto de
2004 algo que centenas de jornalistas tentam em vão -um tête-à-tête com o presidente brasileiro
Luiz Inácio Lula da Silva.
O rosto de Lula pinga suor. De
terno, no calor da capital haitiana,
Porto Príncipe, Lula acabara de
ver o Brasil vencer o selecionado
da casa por 6 a 0.
Era o "jogo da paz", ou a "manobra publicitária" promovida
pelo governo brasileiro, como
afirma Ortiz, para fazer reluzir seu
comando à frente das forças de
paz da ONU (Organização das
Nações Unidas), enviadas ao país
caribenho, convulsionado política, social e economicamente.
O contexto da "manobra" é que,
em 2004, a diplomacia brasileira
empenhava-se com máximo vigor para alcançar um assento como membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU.
Água benta
O comentário de Lula sobre a
partida toma exatos 45 segundos
do documentário que Ortiz e João
Dornelas lançam hoje nos cinemas, chamado "O Dia em que o
Brasil Esteve Aqui".
Trecho do que o presidente diz
no filme: "Acho que não apenas
aqui, mas, em vários lugares do
mundo em que eu viajo, ou seja, o
futebol brasileiro é como se fosse
uma água benta, uma paixão que
está acima das coisas".
Na época em que foi dita, a fala
de Lula despertou a simpatia dos
documentaristas e de seus amigos
que acompanharam a edição do
longa. "A gente tinha uma leitura
do Lula extremamente positiva
dentro do filme", diz Ortiz.
No entanto, a reação da platéia
que assistiu ao filme na Mostra
Internacional de São Paulo, em
novembro passado, pós-escândalo do mensalão, foi em tudo diferente da simpatia. "Quando ele
[Lula] aparecia, as pessoas faziam
aquele silêncio. O fenômeno era
completamente outro. Sobre a
passagem da "água benta", diziam:
"Só fala bobagem!"."
A corrosão da imagem de Lula
da Silva, que Ortiz identificou
com "a perda da esperança", despertou nele a vontade de produzir
um documentário sobre a gestão
presidencial do petista.
A idéia do diretor é fazer um filme só com imagens jornalísticas,
emprestadas "do escândalo mais
televisionado da história do país".
Jogada perfeita
Em "O Dia em que o Brasil Esteve Aqui", o conteúdo político e
mesmo a "jogada perfeita" que,
na visão do diretor, a partida significou para a política externa
brasileira não são realçados. "É
injusto esperar que, só porque fomos ao Haiti, deveríamos fazer
um filme político", diz Ortiz.
Ele e Dornelas ficaram em Porto
Príncipe por mais cinco dias depois do amistoso. As entrevistas
com intelectuais e populares pós-jogo, muitas delas incluídas no filme, deixam claro, para Ortiz, que
"a ficha caiu para o haitiano".
Ou seja, os cicerones perceberam que a visita-relâmpago não
era exatamente uma deferência
com eles. "O Brasil em nenhum
momento se preocupou com o
Haiti. Se a gente fosse realmente
fazer algo pelo Haiti, seria menos
cordão de isolamento e mais contato físico; menos oba-oba e mais
humano", afirma.
Na opinião do cineasta, o jogo
foi organizado com a "expectativa
de impressionar a ONU e o mundo com nossa arma cultural poderosíssima [o futebol]".
Talvez por isso Ortiz tenha "torcido enlouquecidamente" pela vitória do Haiti nas quatro linhas.
Em vão. "A seleção jogou em
marcha lenta e deu de 6 a 0..."
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