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Livros - Crítica/contos
Escritores mostram o duelo em diferentes épocas, valores e formas
Joseph Conrad é autor da obra-prima em coletânea de contos
que mostram a ritualização do desejo de matar e seu fascínio
CRISTOVÃO TEZZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na dura passagem da
barbárie para a civilização, que não se completa nunca, a clássica instituição do duelo vem ritualizando o desejo de matar em torno da
noção de "honra". De Aquiles e
Heitor diante das muralhas de
Tróia, passando pelas liças medievais e pelo tapa de luvas dos
dândis do século 19, até a sua
proscrição oficial moderna, o
duelo, em diferentes épocas,
valores e formas, conservou a
brutalidade de seu fascínio,
que, na literatura, se transforma no fascínio da brutalidade.
Na coletânea de contos
"Mestres-de-Armas", organizada e apresentada por Cláudio
Figueiredo, encontramos seis
exemplos irresistíveis deste
fascínio, que são também visões de mundo sobre o papel da
honra numa realidade em
transformação. Do alemão Heinrich von Kleist (1777-1811), o
mais antigo, a Vladimir Nabokov (1899-1977), o mais moderno, entrevemos um espectro da
percepção do duelo que toca
em dois limites.
No conto de Kleist, um romântico regressivo, o duelar representa a "sagrada sentença
das armas, que infalivelmente
traria a verdade à luz". Na outra
ponta, o século 20, Nabokov só
consegue tratar do tema como
farsa -"Uma Questão de Honra" é um divertimento em que a
sátira impaciente cobre de
mais ridículo ainda pessoas já
em si suficientemente desprezíveis, que afinal são a matéria-prima do autor de "Lolita".
Em Guy de Maupassant, o
tom da sátira não está completamente ausente, mas ela é perturbada pela percepção do absurdo de uma instituição social
ainda de peso. No conto do austríaco Arthur Schnitzler -autor admirado por Freud-,
morte e sexo são entidades sintomaticamente irmãs; o padrinho de um duelo deve relatar à
viúva, por quem ele é apaixonado, que seu marido morreu
-aqui, a comédia está ausente.
Mas é nos textos de Ivan Turguêniev (1818-83) e Joseph Conrad (1857-1924) que as cartas
são colocadas na mesa na sua
dimensão social mais ampla,
flagrando o choque entre a "tribo" e a "cidade", por assim dizer -nos dois contos, os duelistas representam polarizações
complexas.
Em Turguêniev, o código da
honra é a expressão de um ressentimento social, afinal homicida; e no conto de Conrad ("O
Duelo"), a obra-prima da coletânea, a possibilidade do duelo
transcende seu traço anedótico
ou episódico para ganhar uma
inquietante permanência em
nossa alma, latente ao longo de
uma vida inteira, transformado
num animal secreto que levamos conosco à espera de uma
porta aberta.
CRISTOVÃO TEZZA é escritor, autor, entre outros,
do romance "O Fotógrafo"
(Rocco).
MESTRES-DE-ARMAS
Autores:
Joseph Conrad, Arthur Schnitzler, Guy de Maupassant, Heinrich von Kleist, Ivan Turguêniev, Vladimir Nabokov
Tradução:
Cláudio Figueiredo, Rubens
Figueiredo e Samuel Titan Jr.
Editora:
Companhia das Letras
Quanto:
R$ 49 (296 págs.)
Avaliação:
ótimo
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