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Crítica/teatro/"Raptada pelo Raio"
Grupo faz épico sem potência
Cia Livre e dramaturgia de Pedro Cesarino se destacam por força lírica, mas falta dramaticidade
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Narrativas míticas combinam com a forma literária e pedem um
leitor, a colaborar com sua imaginação, para visualizá-las em
todas as suas peripécias. "Raptada pelo Raio", da Cia Livre,
desafia essa premissa e transforma em espetáculo o mito
dos índios Marubo em torno do
inconformismo de um homem
com a morte de sua mulher.
A opção do grupo de utilizar
procedimentos épicos na encenação do que chama de "canto-mito", mas poderia ser lido como poema, minimiza, mas não
resolve, todos os problemas de
traduzir em forma dramática
um conteúdo eminentemente
lírico. Com um desempenho irregular que envolve desde bons
achados até momentos precários, a produção da Cia Livre
inaugura seu espaço denotando
trabalho sério e a coragem de se
arriscar em novos caminhos.
Logo na entrada, o público,
convidado a sentar-se em diminutas cadeiras encostadas às
duas paredes de um espaço retangular, percebe que experimentará um jogo regressivo de
faz de conta. As regras não estão claras, mas a perspectiva de
uma brincadeira recheada de
atrativos faz o espectador focar
sua atenção na trama.
A história se desenvolve musicalmente, aprumada por um
piano sóbrio que vai, em contraponto, guiando vozes quase
sempre à capela. O "choro-canto" do homem que vê sua mulher, grávida, ser dividida ao
meio por um raio e ter sua alma
raptada não demora a adquirir
um caráter coral. É quando o
espetáculo alcança um de seus
momentos mais interessantes
e originais. Os espectadores são
deitados em redes, seus olhos
são vendados e narra-se a viagem do homem em busca da
amada, configurando-se cada
região que ele atravessa pelo
estímulo de sensações tácteis,
odoríferas e sonoras.
Quando, por fim, o homem
reencontra sua mulher, supostamente aprisionada na terra
do raio, os espectadores retornam às suas cadeiras para assistir a uma parafernália de efeitos de luz, alguns brilhantes,
outros pueris, e defrontar-se
com um momento periclitante
da narrativa, em que as vagas
metáforas poéticas das regiões
míticas tornam-se remissões
alegóricas à realidade contemporânea, fundadas no predomínio da imagem sobre a matéria.
O vídeo, utilizado desde o início
do espetáculo, pontua agora
uma reflexão maniqueísta e
simplória que quase perde a
cumplicidade do espectador.
A qualidade dos atores, a graça e a elegância dos elementos
cenográficos e dos adereços, e
alguns belos efeitos do próprio
vídeo conseguem resgatar a encenação do naufrágio e tudo se
encerra dignamente. Mas entre
idas e vindas, altos e baixos, o
conjunto da obra fica aquém de
esforços tão meritórios e intenções artísticas tão benignas.
A dramaturgia de Pedro Cesarino se destaca pela força lírica, mas não resulta em potência
dramática e seu tratamento pela via do épico não contorna essa limitação. A presença de Lúcia Romano, grávida de verdade, como a mulher raptada, é
um caso à parte que garante ao
espetáculo um brilho próprio a
despeito de suas imperfeições.
A Cia Livre apostou alto, o que
na arte, se não basta, já é meio
caminho andado.
RAPTADA PELO RAIO
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às
19h; até 28/6
Onde: Casa Livre (r. Pirineus, 107, Campos Elíseos, tel.:0/xx/11/3257-6652)
Quanto: contribuição voluntária
Classificação: livre
Avaliação: regular
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