São Paulo, sexta-feira, 05 de junho de 2009

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Crítica/teatro/"Raptada pelo Raio"

Grupo faz épico sem potência

Cia Livre e dramaturgia de Pedro Cesarino se destacam por força lírica, mas falta dramaticidade

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Narrativas míticas combinam com a forma literária e pedem um leitor, a colaborar com sua imaginação, para visualizá-las em todas as suas peripécias. "Raptada pelo Raio", da Cia Livre, desafia essa premissa e transforma em espetáculo o mito dos índios Marubo em torno do inconformismo de um homem com a morte de sua mulher.
A opção do grupo de utilizar procedimentos épicos na encenação do que chama de "canto-mito", mas poderia ser lido como poema, minimiza, mas não resolve, todos os problemas de traduzir em forma dramática um conteúdo eminentemente lírico. Com um desempenho irregular que envolve desde bons achados até momentos precários, a produção da Cia Livre inaugura seu espaço denotando trabalho sério e a coragem de se arriscar em novos caminhos.
Logo na entrada, o público, convidado a sentar-se em diminutas cadeiras encostadas às duas paredes de um espaço retangular, percebe que experimentará um jogo regressivo de faz de conta. As regras não estão claras, mas a perspectiva de uma brincadeira recheada de atrativos faz o espectador focar sua atenção na trama.
A história se desenvolve musicalmente, aprumada por um piano sóbrio que vai, em contraponto, guiando vozes quase sempre à capela. O "choro-canto" do homem que vê sua mulher, grávida, ser dividida ao meio por um raio e ter sua alma raptada não demora a adquirir um caráter coral. É quando o espetáculo alcança um de seus momentos mais interessantes e originais. Os espectadores são deitados em redes, seus olhos são vendados e narra-se a viagem do homem em busca da amada, configurando-se cada região que ele atravessa pelo estímulo de sensações tácteis, odoríferas e sonoras.
Quando, por fim, o homem reencontra sua mulher, supostamente aprisionada na terra do raio, os espectadores retornam às suas cadeiras para assistir a uma parafernália de efeitos de luz, alguns brilhantes, outros pueris, e defrontar-se com um momento periclitante da narrativa, em que as vagas metáforas poéticas das regiões míticas tornam-se remissões alegóricas à realidade contemporânea, fundadas no predomínio da imagem sobre a matéria. O vídeo, utilizado desde o início do espetáculo, pontua agora uma reflexão maniqueísta e simplória que quase perde a cumplicidade do espectador.
A qualidade dos atores, a graça e a elegância dos elementos cenográficos e dos adereços, e alguns belos efeitos do próprio vídeo conseguem resgatar a encenação do naufrágio e tudo se encerra dignamente. Mas entre idas e vindas, altos e baixos, o conjunto da obra fica aquém de esforços tão meritórios e intenções artísticas tão benignas.
A dramaturgia de Pedro Cesarino se destaca pela força lírica, mas não resulta em potência dramática e seu tratamento pela via do épico não contorna essa limitação. A presença de Lúcia Romano, grávida de verdade, como a mulher raptada, é um caso à parte que garante ao espetáculo um brilho próprio a despeito de suas imperfeições. A Cia Livre apostou alto, o que na arte, se não basta, já é meio caminho andado.


RAPTADA PELO RAIO

Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 28/6
Onde: Casa Livre (r. Pirineus, 107, Campos Elíseos, tel.:0/xx/11/3257-6652)
Quanto: contribuição voluntária
Classificação: livre
Avaliação: regular




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