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BIBLIOTECA FOLHA
Romance de Scott Fitzgerald, conhecido como autor da Era do Jazz, é o volume da Biblioteca Folha de amanhã
"Gatsby" pinta promessas não cumpridas
DA REPORTAGEM LOCAL
É curioso que "O Grande
Gatsby", de Francis Scott Fitzgerald (1896-1940), tenha em seus
últimos parágrafos um devaneio
sobre o futuro (que ilude) e o passado (que nos traz de volta).
Em um dos fechos mais adoráveis já feitos de um romance, o escritor norte-americano crava: "E
assim prosseguimos, botes contra
a corrente, impelidos incessantemente para o passado".
Com esse livro, que a Biblioteca
Folha leva às bancas amanhã, a
maré parece puxar justamente
para o sentido oposto.
Scott Fitzgerald é sempre identificado como "o" autor dos anos
20 americanos, da chamada Era
do Jazz e seus hedonismos sem
fim. "O Grande Gatsby" de fato
fotografa emblematicamente esse
momento dos grandes sonhos
ianques no rico intervalo entre a
Primeira Guerra e o Crash de 29.
Mas não é a esse passado que
são impelidos incessantemente os
leitores desse romance, "top ten"
em qualquer lista respeitável das
grandes ficções americanas.
Críticos como Harold Bloom e
escritores do porte de Carlos
Fuentes e Mario Vargas Llosa são
unânimes em afirmar que o livro
não perde jamais seu viço.
"Passados três quartos de século, "O Grande Gatsby" ainda mantém frescor. Eu não saberia dizer
quantas vezes já li o romance e supreendo-me, sempre que o releio
-com o próprio fato de encontrar surpresas", assinala Bloom
no seu recente ensaio "Gênio"
(editora Objetiva).
Mais do que "conservar intacta
sua frescura", no dizer de Vargas
Llosa, ao romance parece acontecer algo semelhante ao que narra
um conto de grande engenho do
próprio Fitzgerald.
Em "O Curioso Caso de Benjamin Button", publicado em "Seis
Contos da Era do Jazz e Outras
Histórias" (que nas edições brasileiras chama-se apenas "Seis Contos da Era do Jazz" e traz nove histórias!), o escritor narra a história
de uma criança que nasce com 70
anos e vai ficando mais jovem
progressivamente. Quase septuagenário, "Gatsby", publicado em
1925, esbanja jovialidade.
As razões se apresentam em várias camadas, e é o generoso conjunto de portas pelas quais se entra no romance um de seus grandes traços contemporâneos.
Na badalada lista dos cem melhores romances em língua inglesa do século 20 elaborada pelo
conselho da tradicional coleção
de livros Modern Library, em
1998, "Gatsby" ficou em segundo
lugar, atrás apenas do monumento experimental "Ulisses", do irlandês James Joyce.
Não é nesse sentido, da chocante inovação formal, que a obra de
Fitzgerald é obra do hoje em dia.
Narrativa sem pedras no meio do
caminho, a história não perde impacto é por suas ambiguidades.
Em uma leitura mais térrea,
"Gatsby" não passa da história do
amor obsessivo do "self-made
man" e "bon vivant" Jay Gatsby
por Daisy Buchanan, mulher de
um milionário sem refinamentos.
O "quem conta", aqui, é o que
conta. A história é narrada por
um vizinho de Gatsby, o jovem e
modesto corretor Nick Carraway.
Em uma Long Island, distrito de
Nova York, de grandes casas espalhadas em terrenos ainda mais
generosos, o narrador observa à
distância o misterioso milionário,
que faz festas de invejar Nababo.
A admiração quase juvenil com
a qual Carraway fala sobre o vizinho e o desconhecimento inicial
desse narrador "onisciente" (e
portanto também do leitor) dos
elementos biográficos mais básicos de Gatsby dão ao personagem, e por extensão ao romance,
sua sedutora indefinição.
Com o virar das páginas, vamos
descobrindo, no dizer de Vargas
Llosa, "que a realidade é feita de
imagens sobrepostas, que se contradizem ou matizam umas às outras, de modo que nada nela parece totalmente certo nem definitivamente falso, mas dotado de
uma irremediável ambiguidade".
Acompanhando a busca quixotesca de Gatsby pela "Dulcinéia"
Daisy Buchanan -como a chama Fuentes-, em passagens de
alegria incomensurável, mas também na melancolia e na morte, vemos que qualquer festa acaba.
Fitzgerald pinta, em pleno sonho americano, o hoje visível futuro das promessas não cumpridas. E assim prosseguimos, leitores contra a corrente, impelidos
incessantemente para seu "O
Grande Gatsby".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
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