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TEATRO
"Mandrágora" do grupo Tapa celebra o sarcasmo maquiavélico
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Quinze anos depois, o Grupo
Tapa retorna a "Mandrágora". Se,
na premiada montagem, de 1988,
a ênfase era dada ao aspecto realista da obra -e realmente é espantoso como um texto de 1503
expõe com tanta desenvoltura a
vida cotidiana, sem se importar
com o proselitismo religioso obrigatório da época-, agora o espetáculo incorpora em suas marcas
a sem-cerimônia com a unidade
de lugar e a intensa sexualidade
que o texto emana.
Ninguém melhor que o Tapa sabe que o realismo não é uma solução de facilidade, de adesão a um
ilusionismo vazio, mas uma técnica que depende de uma aprendizagem paciente. E é justamente
por contar com um elenco que há
25 anos vem se aprimorando nesta linguagem é que se pode permitir de quando em quando uma
ruptura total com o verossímil.
Para contar a história da virtuosa Lucrécia, que é corrompida pelos próprios representantes do
sistema -sua mãe e seu padre
confessor- para ceder às artimanhas do jovem apaixonado Calímaco, com a benevolência do velho marido iludido, a montagem
adota não o racionalismo calculista a que se costuma associar o autor, mas um sarcasmo desbragado, que se apóia em convenções
do teatro dos colégios medievais.
Assim, desde o início, todos os
personagens estão presentes, com
uma caracterização clara como
uma alegoria, cada um em sua
"mansão", cenários mínimos simultâneos. Durante o longo diálogo inicial entre Calímico e seu
criado, que pode facilmente cair
no tedioso por excesso de informação, os personagens ilustram o
relato com ações pontuais e reveladoras. O efeito lembra os relógios medievais de figuras animadas, que saem de seus nichos com
precisão mecânica, mas sem
abandonar o "gestus" brechtiano,
que caracteriza socialmente cada
indivíduo.
Graças ao cuidado técnico que
caracteriza o grupo, uma mesa
tombada vira a carruagem que
translada a ação de uma casa a outra; um manto sobre as costas e o
criado de Calímaco, o impagável
Igor Zuvela, vira uma senhora
cúmplice das perversões do Padre, que Paulo Marcos faz com
grande inteligência.
Guilherme Santanna merece
grande destaque pelo modo como
faz o difícil papel do velho e ridículo marido sem perder a dignidade, como se fosse um personagem de Molière. Sérgio Mastropasqua, seu criado, combina
agressividade e subserviência, um
retrato perturbadoramente reconhecível do pequeno funcionário
corrupto, que presta contas a
quem pagar melhor.
A anarquia sexual da peça, que
contradiz a frieza que se costuma
atribuir ao maquiavelismo, é garantida pela sempre apaixonante
Maria Alice Vergueiro, que mantém um olhar generoso e ávido
em seus companheiros de cena,
no papel da libertina mãe de Lucrécia -sem perder a delicadeza
quando, em um breve e emocionante dueto, endossa a reviravolta
de sua filha, a sensualmente elegante Samantha Caracante.
De um modo geral, o que encanta nessa Mandrágora é a mistura de irreverência e apuro técnico, de grotesco e sutileza. Mostra
que em 15 anos muito se conquistou no Tapa, no sentido do despojamento e da fé no taco.
A Mandrágora
Texto: Nicolau Maquiavel
Direção: Eduardo Tolentino
Com: grupo Tapa
Onde: Teatro Ruth Escobar - sala Dina
Sfat (r. dos Ingleses, 209, tel. 2890-2358)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom, às 20h; até 5/9
Quanto: R$ 20 a R$ 30
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