São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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TEATRO

Peça de Betty Milan reafirma o amor possível na era da internet e ganha montagem com direção de Fransérgio Araújo

"O Amante Brasileiro" busca seduzir pela palavra

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em cada uma das extremidades da pista do teatro Oficina, há um ser exasperado pela distância do outro. Para encurtá-la, esse homem e essa mulher vão mergulhar em "estados gozosos", seduzidos primeiro pela palavra e, naturalmente, pela carne.
O roteiro que os personagens Clara e Sebastien desenham a quatro mãos em "O Amante Brasileiro" é o da transfiguração possível, como a autora da peça, Betty Milan, espera ver refletida na montagem que pré-estréia hoje para convidados, no Oficina, em São Paulo, com temporada a partir de sábado.
Em sua terceira incursão pela dramaturgia -"Paixão" (1994) e "A Paixão de Lia" (2002), esta inédita-, a escritora e psicanalista paulista elabora o discurso amoroso na era da internet. Ela adaptou o seu romance de mesmo nome, "O Amante Brasileiro", lançado em 2003.
Clara (interpretada por Luciana Domschke), no Rio de Janeiro, e Sebastien (Ricardo Bittencourt), em Paris, trocam e-mail. Parecem salvos um pelo e para o outro por meio da palavra. Das biografias, pouco se sabe. Ambos estão na casa dos 50 anos. Meia-idade preenchida de paixão.
Dele, há mais indicações. Deixa para trás uma vida pequeno-burguesa. Cinco anos sem transar com a mulher, Claude (Magali Biff), que irrompe a cena feito tradição, família e propriedade.
"Embora a peça não tenha sido escrita para ensinar isto ou aquilo, os seus primeiros leitores viram nela o instrumento de uma nova educação amorosa, e é verdade que há duas lições decorrentes de "O Amante Brasileiro'", afirma Milan, 59.
"A primeira é que o amor é um rito e este tanto depende da palavra quanto da realidade do encontro que a internet favorece, porém não propicia. A segunda é que o amor só é feliz quando o entendimento entre os parceiros está acima do gozo."
No início do ano, o texto participou do ciclo "Leituras de Teatro" da Folha.
Milan deseja ecoar as vozes do inconsciente ("a dramaticidade contida nas frases"), do espectador ("que pode encontrar a sua própria") e do arrebatamento ("o canto da sereia"), todas sintonizadas num "teatro da voz".
"Em suas vibrações dos corpos e das palavras, os personagens chegam a uma espécie de mantra amoroso", diz Fransérgio Araújo, 30, ator do Oficina que assina sua segunda direção (a primeira foi "Querô", neste ano, que inclusive reestréia no mesmo teatro, também no sábado).
Araújo opta por uma encenação despojada. Um tapete branco, tal qual uma tela de cinema ou de pintura, encobre o chão do teatro de ponta a ponta. O gigantismo do Oficina, acentuado pela presença de apenas dois atores, diz ele, propicia o vazio e a distensão do tempo que os personagens atravessam na história.
Entre imagens projetadas e luzes que demarcam o espaço, há um momento em que desce ao centro da pista um espelho de face dupla, transparente, ponte e divisa dos amantes.
"Se você decide viver em sua plenitude, vai travar uma grande luta, porque tudo na sociedade conspira contra a celebração da vida que Clara e Sebastien escolheram, por exemplo", diz Luciana Domschke, 40. Na madrugada de ontem, em paralelo ao ensaio da peça de Milan, o diretor José Celso Martinez Corrêa e atores estavam reunidos para tratar de "A Luta", quarta parte da recriação de "Os Sertões".
"Enquanto nos "Sertões" o ator tem que direcionar o seu amor universal, aqui o amor é direcionado para a intimidade, o foco é o amante. Essa variação enriquece o exercício do ator", diz Ricardo Bittencourt, 35, cujo Sebastien francês, no ciclo da peça (a cena de abertura volta ao final), é batizado Sebastião nas águas brasileiras de Clara.


O AMANTE BRASILEIRO. De: Betty Milan. Direção: Fransérgio Araújo. Direção de cena: Elisete Jeremias. Cenário e direção de arte: Bianca de Cillo. Narração em off: Nelson de Sá. Figurinos: Caio da Rocha. Direção musical: Danilo Tomic. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, SP, tel. 0/xx/11/ 3106-2818). Quando: pré-estréia hoje (p/ convidados; temporada a partir de sábado; sáb. e dom., às 19h; até 29/8 Quanto: R$ 20.


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