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TEATRO
Peça de Betty Milan reafirma o amor possível na era da internet e ganha montagem com direção de Fransérgio Araújo
"O Amante Brasileiro" busca seduzir pela palavra
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Em cada uma das extremidades
da pista do teatro Oficina, há um
ser exasperado pela distância do
outro. Para encurtá-la, esse homem e essa mulher vão mergulhar em "estados gozosos", seduzidos primeiro pela palavra e, naturalmente, pela carne.
O roteiro que os personagens
Clara e Sebastien desenham a
quatro mãos em "O Amante Brasileiro" é o da transfiguração possível, como a autora da peça, Betty
Milan, espera ver refletida na
montagem que pré-estréia hoje
para convidados, no Oficina, em
São Paulo, com temporada a partir de sábado.
Em sua terceira incursão pela
dramaturgia -"Paixão" (1994) e
"A Paixão de Lia" (2002), esta inédita-, a escritora e psicanalista
paulista elabora o discurso amoroso na era da internet. Ela adaptou o seu romance de mesmo nome, "O Amante Brasileiro", lançado em 2003.
Clara (interpretada por Luciana
Domschke), no Rio de Janeiro, e
Sebastien (Ricardo Bittencourt),
em Paris, trocam e-mail. Parecem
salvos um pelo e para o outro por
meio da palavra. Das biografias,
pouco se sabe. Ambos estão na
casa dos 50 anos. Meia-idade
preenchida de paixão.
Dele, há mais indicações. Deixa
para trás uma vida pequeno-burguesa. Cinco anos sem transar
com a mulher, Claude (Magali
Biff), que irrompe a cena feito tradição, família e propriedade.
"Embora a peça não tenha sido
escrita para ensinar isto ou aquilo,
os seus primeiros leitores viram
nela o instrumento de uma nova
educação amorosa, e é verdade
que há duas lições decorrentes de
"O Amante Brasileiro'", afirma
Milan, 59.
"A primeira é que o amor é um
rito e este tanto depende da palavra quanto da realidade do encontro que a internet favorece,
porém não propicia. A segunda é
que o amor só é feliz quando o entendimento entre os parceiros está acima do gozo."
No início do ano, o texto participou do ciclo "Leituras de Teatro"
da Folha.
Milan deseja ecoar as vozes do
inconsciente ("a dramaticidade
contida nas frases"), do espectador ("que pode encontrar a sua
própria") e do arrebatamento ("o
canto da sereia"), todas sintonizadas num "teatro da voz".
"Em suas vibrações dos corpos
e das palavras, os personagens
chegam a uma espécie de mantra
amoroso", diz Fransérgio Araújo,
30, ator do Oficina que assina sua
segunda direção (a primeira foi
"Querô", neste ano, que inclusive
reestréia no mesmo teatro, também no sábado).
Araújo opta por uma encenação
despojada. Um tapete branco, tal
qual uma tela de cinema ou de
pintura, encobre o chão do teatro
de ponta a ponta. O gigantismo
do Oficina, acentuado pela presença de apenas dois atores, diz
ele, propicia o vazio e a distensão
do tempo que os personagens
atravessam na história.
Entre imagens projetadas e luzes que demarcam o espaço, há
um momento em que desce ao
centro da pista um espelho de face
dupla, transparente, ponte e divisa dos amantes.
"Se você decide viver em sua
plenitude, vai travar uma grande
luta, porque tudo na sociedade
conspira contra a celebração da
vida que Clara e Sebastien escolheram, por exemplo", diz Luciana Domschke, 40. Na madrugada
de ontem, em paralelo ao ensaio
da peça de Milan, o diretor José
Celso Martinez Corrêa e atores estavam reunidos para tratar de "A
Luta", quarta parte da recriação
de "Os Sertões".
"Enquanto nos "Sertões" o ator
tem que direcionar o seu amor
universal, aqui o amor é direcionado para a intimidade, o foco é o
amante. Essa variação enriquece
o exercício do ator", diz Ricardo
Bittencourt, 35, cujo Sebastien
francês, no ciclo da peça (a cena
de abertura volta ao final), é batizado Sebastião nas águas brasileiras de Clara.
O AMANTE BRASILEIRO. De: Betty
Milan. Direção: Fransérgio Araújo.
Direção de cena: Elisete Jeremias.
Cenário e direção de arte: Bianca de Cillo.
Narração em off: Nelson de Sá. Figurinos:
Caio da Rocha. Direção musical: Danilo
Tomic. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai,
520, SP, tel. 0/xx/11/ 3106-2818).
Quando: pré-estréia hoje (p/ convidados;
temporada a partir de sábado; sáb. e
dom., às 19h; até 29/8 Quanto: R$ 20.
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