São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2005

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CDS

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"Baladas do Asfalto e Outros Blues" incorpora Murilo Mendes e Roberto Carlos

Zeca Baleiro conjuga clima amargo e astral "radiofônico"

DA SUCURSAL DO RIO

Zeca Baleiro já desejava há muito tempo gravar sua versão para o poema "Mulher Amada", de Murilo Mendes. Mas nunca via a música encaixando-se nas idéias dos discos. No quinto CD solo, o agora lançado "Baladas do Asfalto e Outros Blues", a faixa entrou à força.
"Também não encaixava, mas resolvi pôr para criar um estranhamento mesmo", explica Baleiro, 39, rindo de sua opção.
O caso serve para falar do novo trabalho do cantor e compositor maranhense e, também, do trabalho dele em geral. "Mulher Amada" é o ponto de inflexão do CD, onde ele deixa de ser basicamente pop, folk ou "radiofônico" -adjetivo dele, talvez melhor do que os outros- e se torna mais amargo. Aliás, chama-se "Amargo" uma das seis faixas finais.
"Há [no CD] momentos solares e outros mais melancólicos. A tristeza é sempre bem-vinda. Mas esse disco não foi realizado sob efeito de nenhuma situação pessoal específica", diz Baleiro.
O CD começou a ser gerado no segundo semestre de 2004, quando sua dupla de produtores Walter Costa e Dunga lhe pediu três canções para fazer experiências de arranjo. Ao ouvi-las, Baleiro descobriu o tal clima radiofônico que resolveu imprimir em boa parte do disco.
"É pelo menos o rádio que eu tenho na minha cabeça. Talvez fosse o rádio que a gente quisesse que existisse", justifica ele, indicando uma receita pop que não seja sinônimo de demência.
Mas aquela história inicial também serve para dizer que, segundo Baleiro, não é um conceito prévio o que embasa seus discos. Ele diz ver mais "filosofia em Nelson Cavaquinho do que em Michel Foucault".
"O conceito vem depois. Desde que surgiu esse negócio de conceito, piorou muito a música. Muitas vezes o discurso do conceito é uma máscara para disfarçar a inconsistência do trabalho. Eu prefiro ir para o estúdio na base do "vamos ver no que vai dar'", diz ele.
No caso de "Baladas do Asfalto e Outros Blues", deu em um disco que ganha mais força quando perde em voltagem. Nas sete primeiras faixas, o compositor mescla rock, reggae, Jorge Ben Jor e outras referências suas para embasar jogos de palavras irregulares. "Balada do Asfalto" ("Mesmo o mais sozinho nunca fica só/ Sempre haverá um idiota ao redor") é a melhor do bloco.
"Eu acho que a metáfora do asfalto sintetiza muita coisa, de bom e de ruim. Significa o estrangulamento do homem moderno e os novos caminhos que as estradas abrem", explica ele, que prefere São Paulo ao Rio de Janeiro.
"São Luís já era uma cidade praieira. Saí de lá porque queria o concreto, a agitação. Não sou contemplativo. Aqui no Rio não conseguiria trabalhar tanto", diz ele, tendo ao fundo o Pão de Açúcar e a enseada de Botafogo.
No segundo bloco do CD, além da belíssima versão para o poema de Murilo Mendes, ele homenageia Roberto Carlos em um par de boas canções, "radiofônicas", mas bastante poéticas. Em "Cigarro", ele cita a clássica "Por Isso Corro Demais", e em "Muzak" fala da inevitável diluição da arte pela indústria cultural.
"Roberto e Erasmo são nossos [John] Lennon e [Paul] McCartney. Criaram um vocabulário que influencia a todos. De José Miguel Wisnik a Wando, de Caetano Veloso a Odair José. Mesmo com essas musiquinhas que faz hoje, Roberto continua grande", exalta.
Significativamente, depois de dialogar tanto com o mundo pop, Baleiro encerra o CD com uma ótima música chamada "O Silêncio", em que canta: "Agora só me falta aprender/ O silêncio".
Ainda em agosto, Baleiro promete lançar mais CDs, mas não seus. Devem sair no fim do mês o disco que fez a partir de poemas de Hilda Hilst, com participação de dez cantoras, e o de inéditas de Sérgio Sampaio (de "Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua"), que produziu a pedido da família do compositor.
(LFV)


Baladas do Asfalto e Outros Blues
   
Artista: Zeca Baleiro
Gravadora: MZA
Quanto: R$ 30, em média


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