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Crítica/romance
Obra essencial de polonês faz sátira sobre a imaturidade
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quase 70 anos após sua
publicação, o fundamental "Ferdydurke"
aporta entre nós. Um dos mais
celebrados romances de idéias
do século 20, é um livro para
poucos, o que só valoriza sua
publicação -antes tardia do
que nunca- em português.
O polonês Witold Gombrowicz pertence àquele gênero de
escritores cujas lendas superam a popularidade de suas
obras. Tal desconhecimento é
compreensível, dada a superficialidade do leitor contemporâneo, confortavelmente refestelado em suas certezas, porém
não é perdoável em absoluto.
Derruir verdades estabelecidas é apenas uma das idéias
contrabandeadas por "Ferdydurke". Nativo de uma cultura
limítrofe como a polaca, perdida entre o Oriente e o Ocidente,
Gombrowicz tratou de expressar seu sentimento antinacionalista, ou melhor, seus sentimentos egoístas em relação ao
compromisso com sua cultura.
"É compreensível que um
francês sinta adoração pela
França e um inglês pela Inglaterra, já que lhe proporcionam
vantagens valiosas", afirmou
em depoimento a Dominique
de Roux, em 1968, um ano antes de morrer. "Mas aos homens situados em países inferiores e mais débeis, como Polônia, Argentina e Bulgária,
presos sentimentalmente a
eles, subjugado por eles, o rompimento é um assunto de vida
ou morte."
Seu pensamento provocativo
sobre pertencer a culturas secundárias e escrever em línguas marginais não serve apenas ao leitor brasileiro, mas a
quase todo o mundo atual.
Na sátira grotesca e pulsante
em desejo sexual de "Ferdydurke", Gombrowicz forjou o conceito de imaturidade presente
em toda a sua obra. No livro, o
protagonista, prestes a fazer 30
anos, é seqüestrado por um
professor que o devolve à adolescência e à escola.
Calcada no embate entre
ideais "elevados" pertencentes
à idade madura, tais como a beleza e a verdade, e a imperfeição
característica da juventude e de
sua alijada Polônia, a idéia de
imaturidade gombrowicziana
se reflete na forma direta da
narrativa, plena de arestas e interjeições. O caos presente em
"Ferdydurke" antecipou já em
1937 os dilemas da literatura
pós-moderna.
É importante também celebrar a opção editorial por traduzir o livro do polonês, prática
recente entre nós quando se
trata de línguas incomuns. No
entanto alguns reparos ao tradutor Tomasz Barcinski devem
ser feitos. Notadamente um
não-"ferdydurkista", no posfácio Barcinski afirma não ter ousado transformar alguns substantivos (fundamentais para o
livro) em adjetivos, fugindo ao
original. Ora, em tal situação se
deve respeitar o que foi cometido pelo autor, ele próprio um
especialista em ousadias.
A mão do destino se plasmou
para Gombrowicz na forma do
navio que o levou à Argentina
na véspera da invasão nazista
da Polônia. Não é de estranhar
que, na capa, o logotipo da editora traga uma bicicleta, e não
um transatlântico. É mais um
inexplicável "ferdydurkismo".
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros
FERDYDURKE
Autor: Witold Gombrowicz
Tradução: Tomasz Barcinski
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (352 págs.)
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