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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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PRADA GUCCI na arena de Milão


Marcas que reinventaram o marketing fashion se "enfrentam" pelo cetro da moda


ERIKA PALOMINO
EM MILÃO

De um lado, uma marca desenhada por uma mulher, ex-feminista italiana, casada com um dos homens mais poderosos do prêt-à-porter italiano (Patrizio Bertelli). Mãe, à frente de uma talentosa equipe comandada pelo diretor de estilo Fabio Zambernardi, com olheiros espalhados em toda parte do mundo para trazer o que há de melhor e mais fresco nos cinco continentes.
Do outro, um americano do Texas, à frente de uma das casas mais tradicionais da Itália. Um homem, formado arquiteto, assumidamente gay, casado com o editor da "Vogue" masculina internacional, chamado Richard Buck. Polêmico, arrogante, belo, ambicioso, trombou com ninguém menos (a expressão é clichê, mas aqui funciona) do que Yves Saint Laurent -o grande mestre, vivo, da moda. É o objeto de desejo de homens e mulheres do mundo.
ROUND 1: Os dois surgiram da indústria italiana de acessórios. Ambos reinventaram o marketing de moda nos anos 90. Ou melhor: inventaram. Com a logomania, a cultura de exibir o logo em todo lugar possível, identificando imediatamente a procedência das roupas e peças, eles instalaram em todos a vontade de efetivamente ter as roupas, despertando o desejo, e inverteram um fundamento antes restrito ao comércio dos aeroportos. Quem queria aparecer com uma roupa cheia de ícones e marcas de grifes? Depois deles, cada um de nós, e isso passou a alimentar a indústria do luxo em todo o planeta. O que era antes brega ficou chique, e ostentar um nome (no caso, Gucci ou Prada) passou a ser motivo de adoração.
ROUND 2: Os grupos Gucci e Prada dividem a cultura do estilo no século 21. Ganham clientes, fãs, amigos e inimigos no prêt-à-porter italiano. Fizeram jornalistas e fashionistas virem a Milão, reinventando a época da alta-costura, como nos áureos tempos dos anos 50 e 60... que não voltam mais. Com isso, instalam a indústria dos megaconglomerados que compram as pequenas marcas e mudam radicalmente tudo o que se entende por moda até então. As duas grifes viram os protagonistas de tudo, os gigantes do alto luxo.
ROUND 3: As duas marcas tomam caminhos diversos: Miuccia vem com a cabeça, Tom com o corpo, parafraseando a citação de Arthur Miller de que ele era a mente, e Marilyn Monroe, o corpo ("the brain and the body", eles eram chamados). O casamento perfeito. Como a moda italiana, que precisa dessa ambiguidade para sobreviver. Para muitos a imagem da Prada é considerada feia; para outros, a Gucci é considerada vulgar.
ROUND 4: Com o sexo e a mente, as vendas disparam, apoiadas pela era Clinton, pelos viajantes globais (sobretudo os orientais) e o novo marketing -agora consolidado. Só se fala em luxo, luxury, riqueza.
ROUND 5: Com o fim da era do luxury total, o culto dos japoneses, o deslumbre comercial das revistas internacionais, Gucci e Prada têm de achar seu caminho para o sol. Mais do que a massificação imposta por eles mesmos em direção a uma abordagem mais pasteurizada da moda, as duas grifes têm de encontrar um approach que administre o comercial e o criativo, sem querer estabelecendo a cara da temporada milanesa na virada do século 21. Ninguém merece: viramos uniformes, habitantes de uma aldeia fashion global sem identidade. As vendas despencam.
ROUND 6: Verão 2004. A cada temporada, criam-se abismos conceituais entre as duas marcas. Enquanto a Prada é intelectualizada, intensa, tensa, quase assexuada (num certo sentido), a Gucci toma um caminho mais acessível, o do corpo, do sexo. Mesmo quando a estilista Miuccia Prada percorre a trajetória do corpo, ela lê Catherine Deneuve, e não Adriane Galisteu, entende o perverso sexo das 18h, contra o das 23h30, lê pernas desnudas contra mamilos de fora.
ROUND 7: É quase impossível não fazer escolhas. Ou o anel ou a luva, como diria Cecília Meirelles. E aqui estão as fashionistas mais influentes decidindo se elas gostam do couro de crocodilo da Prada ou do acessório de cobra nos braceletes e vestidos da Gucci. Todos burgueses, é certo: velhos e novos, todos ansiando por praticar a procissão de fé da moda, instalada quando se apagam as luzes, quando se senta Carine Roitfeld, quando Anna Wintour ajeita pela última vez seus óculos escuros gigantes.
ROUND 8: Viajantes globais, lembrando Veneza e África, versus biker-chicks poderosas, siliconadas. Na arena de Milão, o embate pode virar luta na lama, euros contra dólares, ienes contra reais.
ROUND 9: Estamos perto do final. Na saída dos dois desfiles, as opiniões sempre se dividem. Gostei, não gostei. As mais experientes críticas de moda se traem e acabam escolhendo as peças que mais funcionariam em seus próprios quadris. Ah, a doce traição da moda. Hormônios em guerra, vemos dois mundos em xeque. Girando, como a moda. Enquanto isso acontecer, o Planeta (Fashion) está salvo.
ROUND 10: A temporada em Milão terminou ontem, totalizando cem desfiles da moda primavera-verão. A partir de amanhã, é a vez de Paris ser invadida pelo mundo fashion. Em Milão, quem ganhou? Empate técnico, claro. Até a próxima disputa do cinturão de ouro da moda. A gente se vê em 2004. Ou antes mesmo, nas melhores casas do ramo.


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