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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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MOSTRA DE SÃO PAULO

PERDAS...


Diretor de "Entrevista com o Vampiro" reabilita Nick Nolte em papel de viciado


LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

A redenção de Nick Nolte, preso no ano passado por dirigir sob influência de drogas -aliás, sempre presentes na sua vida-, chega pelas mãos do irlandês Neil Jordan, 53, diretor que tem no currículo filmes políticos ("Michael Collins") e blockbusters ("Entrevista com o Vampiro").
Em "O Grande Ladrão" (estréia prevista para o dia 30), a vida real do ator se mistura com a ficção no papel de um ladrão decadente, destruído pela heroína, que planeja a volta ao crime após perder todo o dinheiro que tinha apostando em corridas de cavalo e carteados. Nolte, que gosta de incrementar sua "ficha", disse em entrevista ao jornal espanhol "El País" ter experimentado heroína para compor seu personagem.
"Foi estranho ver a vida de Nick se misturar à do personagem do filme", diz o diretor. "Mas ambos estão em reabilitação."
Em entrevista à Folha, de sua casa na Irlanda, Neil Jordan primeiro pede desculpas por não estar presente a nenhuma exibição de seu filme, que participou até ontem do Festival do Rio e chega a São Paulo ainda neste mês. "O Rio está tão longe neste momento para mim. Mas quero ir algum dia, porque nunca estive no Brasil. Talvez no ano que vem", arrisca.
 

Folha - Seus filmes sempre foram elogiados por reviverem um clima noir. Que atmosfera o sr. quis criar para "O Grande Ladrão"?
Neil Jordan -
Inventei uma espécie de cidade imaginária dentro de Nice, em Monte Carlo, que é um lugar ensolarado e onde há tesouros a serem roubados. A trama se passa quase inteiramente quando o sol se põe, para caracterizar bem o mundo de Bob Montagnet [Nick Nolte]. Também queria que a câmera fosse mais agressiva e mais invasiva do que em meus longas anteriores.

Folha - Há espaço no mundo de hoje para um "bom ladrão"?
Jordan -
[Risos] Provavelmente não. A história toda acontece num mundo que não é muito verdadeiro. Ele é um ladrão que encontra a redenção em si mesmo. Uma das coisas que mais me atraíram nesse projeto é a ausência de violência. Mas é bem antiquado, fora de uso mesmo.

Folha - O sr. também é roteirista. Qual a principal diferença entre escrever e dirigir um filme?
Jordan -
Não há diferença, na verdade. As duas coisas são parte de um mesmo processo. Quando você escreve o roteiro, pensa o mundo ideal. Ao dirigir, vê o mundo que tem de transformar em filme. No primeiro, você está no cenário das idéias; no segundo, imerso na realidade.

Folha - Excetuando Nick Nolte, todos os outros atores do seu filme são caras novas. Por quê?
Jordan -
Nick Nolte foi o único que conseguir pagar com o meu orçamento. Os outros não são estrelas do cinema. E há ótimos atores na França, na Argélia, no Leste Europeu que quis usar no filme.

Folha - O sr. acha que esse papel foi também uma espécie de reabilitação para Nick Nolte?
Jordan -
Com certeza. Foi até uma coisa estranha ver a história do personagem se transformando na história dele. Mas ele é um ator que trabalha assim, utilizando sua própria experiência como laboratório para criar seus personagens.

Folha - O sr. já ganhou vários prêmios: Oscar de roteiro com "Traídos pelo Desejo" (92), Leão de Ouro em Veneza com "Michael Collins" (95), Urso de Prata em Berlim com "Nó na Garganta" (97)... O que acha desse tipo de competição?
Jordan -
Eu adoro ganhar prêmios [risos]. Acho que os prêmios são muito importantes para os independentes. Os diretores de sucessos-pipoca não se incomodam em ganhar troféus. Mas, para os filmes de fora do grande sistema, prêmios servem como uma espécie de chamariz. Festivais também jogam luz em produções que de outra forma teriam grandes dificuldades em encontrar público.

Folha - O sr. sente diferença em seus filmes por ser irlandês?
Jordan -
É difícil falar sobre mim mesmo. Obviamente, por eu ser irlandês, há certas características em meus filmes que não haveria em outro. Já fiz longas sobre violência política, que vêm do meu passado. Por ter nascido na Irlanda, também tenho tendência a gostar de ambientes fantásticos. Quando você faz um filme, fala para uma platéia mundial, embora não consiga evitar mostrar de onde vem. E os melhores filmes vêm de suas origens.

Folha - Nas suas entrevistas, o sr. sempre diz que não gosta de improvisar. Por quê?
Jordan -
Não sei, talvez eu devesse, mas não faz parte de minha natureza. Quando escrevo o roteiro, vejo muito bem o que quero filmar e de que forma. É um sistema que não permite que se improvise muito. E meus diálogos são corriqueiros, não dão muita margem para improvisos.

Folha - Como foram as filmagens?
Jordan -
Muito complicadas, porque a equipe francesa e a inglesa não se entendiam, e eu ficava sempre no meio [risos]. Foi bem trabalhoso. Mas com os atores houve bastante liberdade.

Folha - O sr. está trabalhando em algo novo?
Jordan -
Voltei a escrever romances. O próximo se chama "Shade" (Sombra) e trata de um fantasma. Mas para o cinema ainda estou analisando alguns projetos. Deve demorar.


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