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EDITORAS
Homenagem a países árabes provoca polêmica na maior feira do livro do globo, neste ano com mais editores do Brasil
"Meca" editorial, Frankfurt se volta a Meca
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se Frankfurt não vai a Maomé,
Maomé vai a Frankfurt. "Meca"
do mercado editorial mundial, a
feira de livros da cidade alemã dá
início nesta noite à sua 56ª edição
com os olhos virados para Allah.
Sem grandes novidades nos últimos anos, a Feira de Livros de
Frankfurt se aquece em 2004 com
sua homenagem aos países árabes. Todos os anos o evento celebra a literatura de algum país (o
Brasil ganhou o tapete vermelho
em 94); neste ano serão diversos
os convidados de honra: 17 dos 22
países que integram a Liga Árabe.
É do escritor de língua árabe
mais premiado no Ocidente, o
egípcio Naguib Mahfouz, o texto
que será lido na abertura do evento. Único Nobel de Literatura da
cultura árabe, prêmio que conquistou em 1988, o escritor não
poderá participar -aos 92 anos,
está com problemas sérios de saúde. O ator conterrâneo Omar Sharif deverá ler seu texto.
O "texto" da participação árabe,
por sua vez, ninguém sabe que leitura terá. Volker Neuman, diretor
da feira, diz que a escolha dos países árabes como homenageados
pretendia "estimular o diálogo
entre Ocidente e árabes e difundir
esta literatura pouco conhecida
no mundo ocidental". Mas o diálogo buscado por ele começou
com farpas de todos os lados.
Cinco dos países da liga, Iraque,
Kuwait, Líbia, Argélia e Marrocos
se recusaram a participar oficialmente. Considerado o maior autor deste último, Tahar Ben Jelloun, em artigo no jornal alemão
"Die Zeit", reclamou que os escritores árabes que se expressam em
outras línguas foram deixados de
lado (é o caso dele, marroquino
que publica em francês).
Segundo ele, o erro dos frankfurtianos foi homenagear "o
mundo árabe". "O mundo árabe
não existe em absoluto, ao menos
não como um conjunto hegemônico. Existem, isso sim, Estados
árabes, assim como povos árabes
diferentes e comparáveis, complicados e imprevisíveis", escreveu
Jelloun. "O erro fatal dos responsáveis pelo evento é terem se dirigido a Estados e não aos autores."
Outra frente de protestos, deflagrada ontem, provavelmente assinaria embaixo. Várias organizações judias anunciaram para hoje
protestos pela homenagem frankfurtiana aos árabes. Entidades como a Organização Sionista da
Alemanha prometem piquetes na
entrada da feira para chamar a
atenção para a falta de democracia em boa parte da Liga Árabe.
Nos 4.000 m2 de pavilhão árabe,
ao menos, Neuman promete democracia. Entre os 200 escritores
e artistas árabes convidados (entre eles o próprio Jelloun), estão
desde autores "oficiais" até críticos da política de seus países, como Hassan Dawoud, do Líbano, e
Gamal El-Ghitani, do Egito.
Um escritor brasileiro de origem árabe, Milton Hatoum, é a
única presença da literatura nacional na mastodôntica feira alemã (são 171 mil m2, ou mais de 20
campos de futebol). Isso se não
contarmos autografadores como
Élber, jogador de futebol que foi
ídolo na Alemanha e por lá publica sua biografia.
Se o país vai com poucos escritores, tem uma das melhores presenças de editores dos últimos
anos. A Liga Brasileira das Editoras, vulgo Libre, representante
das pequenas e médias, foi convidada pela feira e participa com 39
de suas 97 associadas.
"Este é um grande passo para a
instituição, uma legitimação de
sua representatividade", expressa
a vice-presidente da Libre, Cristina Warth, ressaltando a presença
em Frankfurt de editores como
Martha Ribas (Casa da Palavra),
Camila Perlingeiro (Pinakotheke), Samuel León (Iluminuras),
Alberto Schprejer (Relume Dumará) e Angel Bojadsen (Estação
Liberdade), presidente da Libre.
Além da liga, outras duas instituições terão suas bandeiras em
território alemão. A Associação
Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu) leva 33 de seus 107 associados. Já a Câmara Brasileira
do Livro, que tem o estande "oficial" do país, comemora o aumento de participantes em seu espaço -serão 54 editoras, contra
34 no ano passado (em edições
anteriores a CBL chegou a levar
mais de 60 casas editoriais).
Se a participação nacional cresce, esta será a primeira vez em
muitos anos que a feira às margens do rio Main não verá o rosto
de dois brasileiros.
Principal agente literária do
país, Lucia Riff se deu férias depois de dez anos seguidos de
Frankfurt. Mandou no lugar os filhos João Paulo e Laura, que trabalham com ela na BMSR.
"Não é porque não estou indo
que a feira tenha deixado de ser
essencial. É fundamental ir não
para descobrir "o livro", que é
anunciado ao longo do ano. O insubstituível é o tête-à-tête com
editores, é pegar dicas, bater papo
em coquetéis e festas", diz Riff.
Ausência mais "marcante" será
a de Pedro Paulo de Sena Madureira. Com problemas de saúde,
ele interrompeu uma série de
mais de 25 visitas à Buchmesse
(feira de livros em alemão).
O sócio-diretor da editora A Girafa, que estará representada com
seu editor, Marco Pace, tem diagnóstico semelhante ao de Lucia
Riff. "Frankfurt já deixou há tempos de ser o lugar das compras espetaculares. Não é mais fator determinante para conseguir os
best-sellers", sustenta Sena Madureira. "Mas nada substitui o
contato pessoal, sobretudo em
uma área sensível como o livro."
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