São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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EDITORAS

Homenagem a países árabes provoca polêmica na maior feira do livro do globo, neste ano com mais editores do Brasil

"Meca" editorial, Frankfurt se volta a Meca

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se Frankfurt não vai a Maomé, Maomé vai a Frankfurt. "Meca" do mercado editorial mundial, a feira de livros da cidade alemã dá início nesta noite à sua 56ª edição com os olhos virados para Allah.
Sem grandes novidades nos últimos anos, a Feira de Livros de Frankfurt se aquece em 2004 com sua homenagem aos países árabes. Todos os anos o evento celebra a literatura de algum país (o Brasil ganhou o tapete vermelho em 94); neste ano serão diversos os convidados de honra: 17 dos 22 países que integram a Liga Árabe.
É do escritor de língua árabe mais premiado no Ocidente, o egípcio Naguib Mahfouz, o texto que será lido na abertura do evento. Único Nobel de Literatura da cultura árabe, prêmio que conquistou em 1988, o escritor não poderá participar -aos 92 anos, está com problemas sérios de saúde. O ator conterrâneo Omar Sharif deverá ler seu texto.
O "texto" da participação árabe, por sua vez, ninguém sabe que leitura terá. Volker Neuman, diretor da feira, diz que a escolha dos países árabes como homenageados pretendia "estimular o diálogo entre Ocidente e árabes e difundir esta literatura pouco conhecida no mundo ocidental". Mas o diálogo buscado por ele começou com farpas de todos os lados.
Cinco dos países da liga, Iraque, Kuwait, Líbia, Argélia e Marrocos se recusaram a participar oficialmente. Considerado o maior autor deste último, Tahar Ben Jelloun, em artigo no jornal alemão "Die Zeit", reclamou que os escritores árabes que se expressam em outras línguas foram deixados de lado (é o caso dele, marroquino que publica em francês).
Segundo ele, o erro dos frankfurtianos foi homenagear "o mundo árabe". "O mundo árabe não existe em absoluto, ao menos não como um conjunto hegemônico. Existem, isso sim, Estados árabes, assim como povos árabes diferentes e comparáveis, complicados e imprevisíveis", escreveu Jelloun. "O erro fatal dos responsáveis pelo evento é terem se dirigido a Estados e não aos autores."
Outra frente de protestos, deflagrada ontem, provavelmente assinaria embaixo. Várias organizações judias anunciaram para hoje protestos pela homenagem frankfurtiana aos árabes. Entidades como a Organização Sionista da Alemanha prometem piquetes na entrada da feira para chamar a atenção para a falta de democracia em boa parte da Liga Árabe.
Nos 4.000 m2 de pavilhão árabe, ao menos, Neuman promete democracia. Entre os 200 escritores e artistas árabes convidados (entre eles o próprio Jelloun), estão desde autores "oficiais" até críticos da política de seus países, como Hassan Dawoud, do Líbano, e Gamal El-Ghitani, do Egito.
Um escritor brasileiro de origem árabe, Milton Hatoum, é a única presença da literatura nacional na mastodôntica feira alemã (são 171 mil m2, ou mais de 20 campos de futebol). Isso se não contarmos autografadores como Élber, jogador de futebol que foi ídolo na Alemanha e por lá publica sua biografia.
Se o país vai com poucos escritores, tem uma das melhores presenças de editores dos últimos anos. A Liga Brasileira das Editoras, vulgo Libre, representante das pequenas e médias, foi convidada pela feira e participa com 39 de suas 97 associadas.
"Este é um grande passo para a instituição, uma legitimação de sua representatividade", expressa a vice-presidente da Libre, Cristina Warth, ressaltando a presença em Frankfurt de editores como Martha Ribas (Casa da Palavra), Camila Perlingeiro (Pinakotheke), Samuel León (Iluminuras), Alberto Schprejer (Relume Dumará) e Angel Bojadsen (Estação Liberdade), presidente da Libre.
Além da liga, outras duas instituições terão suas bandeiras em território alemão. A Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu) leva 33 de seus 107 associados. Já a Câmara Brasileira do Livro, que tem o estande "oficial" do país, comemora o aumento de participantes em seu espaço -serão 54 editoras, contra 34 no ano passado (em edições anteriores a CBL chegou a levar mais de 60 casas editoriais).
Se a participação nacional cresce, esta será a primeira vez em muitos anos que a feira às margens do rio Main não verá o rosto de dois brasileiros.
Principal agente literária do país, Lucia Riff se deu férias depois de dez anos seguidos de Frankfurt. Mandou no lugar os filhos João Paulo e Laura, que trabalham com ela na BMSR.
"Não é porque não estou indo que a feira tenha deixado de ser essencial. É fundamental ir não para descobrir "o livro", que é anunciado ao longo do ano. O insubstituível é o tête-à-tête com editores, é pegar dicas, bater papo em coquetéis e festas", diz Riff.
Ausência mais "marcante" será a de Pedro Paulo de Sena Madureira. Com problemas de saúde, ele interrompeu uma série de mais de 25 visitas à Buchmesse (feira de livros em alemão).
O sócio-diretor da editora A Girafa, que estará representada com seu editor, Marco Pace, tem diagnóstico semelhante ao de Lucia Riff. "Frankfurt já deixou há tempos de ser o lugar das compras espetaculares. Não é mais fator determinante para conseguir os best-sellers", sustenta Sena Madureira. "Mas nada substitui o contato pessoal, sobretudo em uma área sensível como o livro."


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