São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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Cinema/comentário

Newman foi ícone de generosidade e classe

MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES'

Paul Newman me ensinou como descascar um pepino. Meus hábitos alimentares foram tão ruins durante muitos anos que eu não sabia em detalhes como fazer uma salada. Por isso, em 1986, enquanto preparava um perfil sobre ele para a "NY Times Magazine", o homem que obteve US$ 250 milhões para caridade com a linha Newman's Own de molhos para salada e outros pratos me convidou a ajudá-lo a fazer uma salada, e eu mutilei o pepino a tal ponto que ele o arrancou de minhas mãos e me mostrou como descascá-lo.
Em um momento em que o país se sente zangado, em que nossos líderes perderam o direito à nossa confiança, perdemos um ícone americano que representava traços muito escassos no governo Bush: perspicácia, humildade, decência, generosidade e classe. Quando perguntei ao presidente, em 1999, se ele se identificava com quaisquer heróis literários, disse que não, mas que simpatizava com o ar de desafio do personagem de Newman em "Rebeldia Indomável" (1967).
O texano se via como um anti-herói. Mas, na Presidência, os únicos momentos em que exibia essa atitude indômita aconteceram diante das câmeras, nunca quando calamidades reais nos ameaçam ou atingem.

"Amoral"
Newman era um dos raros homens de centro-esquerda que apreciava ser definido como "liberal". Foi incluído na lista de inimigos de Nixon por apoiar a candidatura presidencial de Eugene McCarthy, oponente à Guerra no Vietnã. Em 1997, telefonei para ele quando Newman começou a escrever alguns artigos para "The Nation" (revista da qual ele era investidor). O ator criticou ferozmente os "direitistas se erguendo de seus buracos de rato", mas não deixou de atribuir parte da culpa aos Clinton. "Tudo gira em torno daquilo que permite vencer, e não da moralidade das questões", disse. Na política como nas corridas de automóveis, afirmou, "você pode fazer qualquer coisa se estiver preparado para enfrentar as conseqüências".

Bajulação
Eu estava nervosa quando encontrei o astro pela primeira vez, porque ele havia sido uma das minhas paixões de adolescência. O encontro aconteceu em um restaurante no Upper East Side, onde me entrevistou.
Newman: "O que sabe sobre desarmamento nuclear?". Dowd: "Uhn". Newman: "Como você justifica a posição do "New York Times" sobre a moratória dos testes atômicos?". Dowd: "Uhn". Ele se sentia muito desconfortável com a adulação que conquistou por seu trabalho, reconhecendo que "há algo que corrompe, na profissão de ator. Ela confere importância exagerada à aparência". Com um sorriso à moda de Butch Cassidy, ele me disse que imaginava que seu epitáfio seria "aqui jaz Paul Newman, que morreu fracassado porque seus olhos se tornaram castanhos".
Ele não quis falar sobre seus filmes. Preferiu conversar sobre as armas nucleares. Gostava de Bach, de Budweiser e de pregar peças absurdas. A moda o entediava, e mulheres que flertavam ou pediam que tirasse os óculos de sol para exibir os olhos azuis o embaraçavam. Em certa ocasião, quando estava servindo bebidas em um evento de caridade, uma velhinha pediu que ele mexesse o drinque com o dedo.
"Eu adoraria", respondeu Newman, "mas acabei de tirá-lo de uma garrafa de cianeto". Ele e a mulher tiveram um dos casamentos vistos como mais felizes de Hollywood, mas Joanne Woodward, sempre franca, disse que precisou de muita terapia para aceitar o fato de que, embora ela tenha ganhado um Oscar primeiro, Newman tenha conseguido se manter como galã por quatro décadas.
Ela disse a uma revista que se sentia "sempre desconfortável e até zangada" por "Paul ser tão mais famoso... Porque ele viveu minha fantasia" de estrelato.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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