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Cinema/comentário
Newman foi ícone de generosidade e classe
MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES'
Paul Newman me ensinou
como descascar um pepino.
Meus hábitos alimentares foram tão ruins durante muitos
anos que eu não sabia em detalhes como fazer uma salada.
Por isso, em 1986, enquanto
preparava um perfil sobre ele
para a "NY Times Magazine", o
homem que obteve US$ 250
milhões para caridade com a linha Newman's Own de molhos
para salada e outros pratos me
convidou a ajudá-lo a fazer uma
salada, e eu mutilei o pepino a
tal ponto que ele o arrancou de
minhas mãos e me mostrou como descascá-lo.
Em um momento em que o
país se sente zangado, em que
nossos líderes perderam o direito à nossa confiança, perdemos um ícone americano que
representava traços muito escassos no governo Bush: perspicácia, humildade, decência,
generosidade e classe.
Quando perguntei ao presidente, em 1999, se ele se identificava com quaisquer heróis literários, disse que não, mas que
simpatizava com o ar de desafio
do personagem de Newman em
"Rebeldia Indomável" (1967).
O texano se via como um anti-herói. Mas, na Presidência,
os únicos momentos em que
exibia essa atitude indômita
aconteceram diante das câmeras, nunca quando calamidades
reais nos ameaçam ou atingem.
"Amoral"
Newman era um dos raros
homens de centro-esquerda
que apreciava ser definido como "liberal". Foi incluído na
lista de inimigos de Nixon por
apoiar a candidatura presidencial de Eugene McCarthy, oponente à Guerra no Vietnã.
Em 1997, telefonei para ele
quando Newman começou a
escrever alguns artigos para
"The Nation" (revista da qual
ele era investidor). O ator criticou ferozmente os "direitistas
se erguendo de seus buracos de
rato", mas não deixou de atribuir parte da culpa aos Clinton.
"Tudo gira em torno daquilo
que permite vencer, e não da
moralidade das questões", disse. Na política como nas corridas de automóveis, afirmou,
"você pode fazer qualquer coisa
se estiver preparado para enfrentar as conseqüências".
Bajulação
Eu estava nervosa quando
encontrei o astro pela primeira
vez, porque ele havia sido uma
das minhas paixões de adolescência. O encontro aconteceu
em um restaurante no Upper
East Side, onde me entrevistou.
Newman: "O que sabe sobre
desarmamento nuclear?".
Dowd: "Uhn".
Newman: "Como você justifica a posição do "New York Times" sobre a moratória dos testes atômicos?".
Dowd: "Uhn".
Ele se sentia muito desconfortável com a adulação que
conquistou por seu trabalho,
reconhecendo que "há algo que
corrompe, na profissão de ator.
Ela confere importância exagerada à aparência".
Com um sorriso à moda de
Butch Cassidy, ele me disse que
imaginava que seu epitáfio seria "aqui jaz Paul Newman, que
morreu fracassado porque seus
olhos se tornaram castanhos".
Ele não quis falar sobre seus
filmes. Preferiu conversar sobre as armas nucleares. Gostava de Bach, de Budweiser e de
pregar peças absurdas. A moda
o entediava, e mulheres que
flertavam ou pediam que tirasse os óculos de sol para exibir os
olhos azuis o embaraçavam.
Em certa ocasião, quando estava servindo bebidas em um
evento de caridade, uma velhinha pediu que ele mexesse o
drinque com o dedo.
"Eu adoraria", respondeu
Newman, "mas acabei de tirá-lo de uma garrafa de cianeto".
Ele e a mulher tiveram um
dos casamentos vistos como
mais felizes de Hollywood, mas
Joanne Woodward, sempre
franca, disse que precisou de
muita terapia para aceitar o fato de que, embora ela tenha ganhado um Oscar primeiro,
Newman tenha conseguido se
manter como galã por quatro
décadas.
Ela disse a uma revista
que se sentia "sempre desconfortável e até zangada" por
"Paul ser tão mais famoso...
Porque ele viveu minha fantasia" de estrelato.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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