São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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"NINA"

Adaptação livre de "Crime e Castigo", longa de Heitor Dhalia conta com Guta Stresser em ótima performance

Filme é xerox do cinema paulista dos anos 80

PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Nina", de Heitor Dhalia, tenta ao estilo pós-moderno seqüestrar estilos cinematográficos para criar uma narrativa própria. Como nem todo cineasta é Tarantino, os "empréstimos" aqui ficam num fetichismo.
Dhalia não é propriamente um mau diretor, mas as referências presentes em "Nina" não nutrem a trama. E a maior delas, a adaptação livre de "Crime e Castigo", de Dostoiévski, soa como um slogan.
O filme começa com a voz da protagonista, Nina, distinguindo os ordinários dos extraordinários, idéia presente no original. Mas o personagem do livro comete um crime para levar a cabo seus estudos. Crendo ser um extraordinário, matar é algo então justificável.
Nina (a charmosa Guta Stresser, melhor coisa do filme) é uma boçal que não honra o aluguel há meses. Arrogante, se vê acima dos ordinários. A senhoria, Eulália (Myriam Muniz), não tem outra atitude senão pegar no pé da inadimplente. Ora, quem não tomaria tais medidas? Daí que mesmo demonizando-se Eulália, o crime não se justifica dramaticamente.
Nina seria uma ordinária, e a premissa dostoievskniana não passa de um timbre. Há outros slogans no correr do filme, das participações-relâmpago de atores renomados da Globo a planos de corredores em grande angular ("O Iluminado"?) ou seqüências oníricas enevoando a razão.
A trama, justiça seja feita, livre deste mandamento (tipicamente publicitário) da imagem-símbolo, consegue traduzir o olhar de Nina, sobretudo no rigor da fotografia e montagem. É quando Dhalia liberta-se da cinefilia de butique e opta por uma gramática cinematográfica já consagrada (a expressionista), mas funcional.
Enfim, o mundo distópico não faz de "Nina" necessariamente um filme-sintoma dos nossos tempos. Porque a sua adesão a essa personagem ególatra reforça uma autocomiseração covarde que jamais questiona a idéia primeira do filme, a vilania da metrópole. Estiloso e cinematográfico, sem dúvida, "Nina" é sobretudo uma fotocópia do cinema pós-moderno paulista dos anos 80.


Nina
 
Produção: Brasil, 2004
Direção: Heitor Dhalia
Com: Guta Stresser, Myriam Muniz
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes, Jardim Sul e Sala UOL de Cinema



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