São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"LÍNGUA: VIDAS EM PORTUGUÊS"

Moçambicano Victor Lopes mostra recantos lusófonos da Índia ao Rio de Janeiro

Documentário faz tributo ao idioma português

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Minha pátria é a língua portuguesa." As palavras do poeta Fernando Pessoa bem traduzem a sensação que o espectador tem ao ser conduzido num passeio por vários recantos do mundo cujo ponto em comum é a língua falada por seus habitantes. Não há como não se emocionar com o belo documentário "Língua: Vidas em Português", do moçambicano Victor Lopes.
Embora nem todos os países lusófonos tenham sido retratados no filme, a câmera de Victor Lopes leva-nos, por exemplo, à longínqua Goa (Índia), onde encontramos, ainda que mesclada ao inglês e a um idioma local, a língua portuguesa, viva sobretudo entre os moradores mais velhos.
A surpresa é renovada quando deparamos com o português sendo falado por chineses ou mesmo no Japão. A fala brasileira limitou-se à do Rio de Janeiro, material ao qual poderiam ter sido incorporadas a imensa variedade de acentos e ritmos e a riqueza léxica das diferentes regiões do país.
Subjaz ao filme a idéia de que estamos diante de uma língua única com ramificações em diversos continentes (tal um "corpo espalhado", na feliz expressão do Nobel de Literatura José Saramago), mas que mantém sua unidade -aquele conjunto da características que nos permitem identificá-la em lugares tão díspares.
É inegável que a língua assume feições diferentes segundo a região, o estrato social ou a situação de emprego -nem poderia ser diferente. O fato é que, ainda assim, nós a reconhecemos -e parece ser isso o que verdadeiramente importa, pois ela constitui um elemento capaz de irmanar povos de culturas distintas.
Passagens de delicado lirismo permeiam o filme na voz dos escritores Mia Couto e José Saramago ou recolhidas de inusitados encontros com a poesia cotidiana das pessoas comuns. Dirá Mia Couto que se pode viajar por pessoas -e parece ser exatamente esse o percurso escolhido pelo diretor, que, usando como fio condutor da seqüência a língua portuguesa, deixa entrever a memória coletiva dos povos -seja numa cerimônia religiosa em Moçambique, seja na fala dos "sapeiros" (extratores de minas), seja na lembrança da ditadura de Salazar.
Declaração de amor à língua portuguesa, o filme registra variados falares -seja a língua mista de um indiano, seja o português africano com seus "erres" bem marcados, seja a linguagem artificiosa do ambulante carioca em sua pregação (marcada pelo esforço disciplinador do vocabulário), seja a fala desenvolta de João Ubaldo Ribeiro ou de Martinho da Vila, seja a poesia que flui distraída nas palavras de Saramago e de Mia Couto, seja a voz triste e forte que canta um fado, seja a doce melancolia entoada pelo grupo Madredeus.
Vale a pena fazer o reconhecimento desse surpreendente território da língua portuguesa.


Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole)

Língua: Vidas em Português
    
Produção: Brasil/Portugal, 2003
Direção: Victor Lopes
Quando: hoje no Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e Top Cine



Texto Anterior: DVD/Crítica: Filme resume o universo de Luchino Visconti
Próximo Texto: "Os Esquecidos": Jogo conspiratório é manipulado com pouco brilho por Joseph Ruben
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.