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"LÍNGUA: VIDAS EM PORTUGUÊS"
Moçambicano Victor Lopes mostra recantos lusófonos da Índia ao Rio de Janeiro
Documentário faz tributo ao idioma português
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Minha pátria é a língua
portuguesa." As palavras
do poeta Fernando Pessoa bem
traduzem a sensação que o espectador tem ao ser conduzido num
passeio por vários recantos do
mundo cujo ponto em comum é a
língua falada por seus habitantes.
Não há como não se emocionar
com o belo documentário "Língua: Vidas em Português", do
moçambicano Victor Lopes.
Embora nem todos os países lusófonos tenham sido retratados
no filme, a câmera de Victor Lopes leva-nos, por exemplo, à longínqua Goa (Índia), onde encontramos, ainda que mesclada ao inglês e a um idioma local, a língua
portuguesa, viva sobretudo entre
os moradores mais velhos.
A surpresa é renovada quando
deparamos com o português sendo falado por chineses ou mesmo
no Japão. A fala brasileira limitou-se à do Rio de Janeiro, material ao
qual poderiam ter sido incorporadas a imensa variedade de acentos
e ritmos e a riqueza léxica das diferentes regiões do país.
Subjaz ao filme a idéia de que
estamos diante de uma língua
única com ramificações em diversos continentes (tal um "corpo espalhado", na feliz expressão do
Nobel de Literatura José Saramago), mas que mantém sua unidade -aquele conjunto da características que nos permitem identificá-la em lugares tão díspares.
É inegável que a língua assume
feições diferentes segundo a região, o estrato social ou a situação
de emprego -nem poderia ser
diferente. O fato é que, ainda assim, nós a reconhecemos -e parece ser isso o que verdadeiramente importa, pois ela constitui
um elemento capaz de irmanar
povos de culturas distintas.
Passagens de delicado lirismo
permeiam o filme na voz dos escritores Mia Couto e José Saramago ou recolhidas de inusitados encontros com a poesia cotidiana
das pessoas comuns. Dirá Mia
Couto que se pode viajar por pessoas -e parece ser exatamente
esse o percurso escolhido pelo diretor, que, usando como fio condutor da seqüência a língua portuguesa, deixa entrever a memória coletiva dos povos -seja numa cerimônia religiosa em Moçambique, seja na fala dos "sapeiros" (extratores de minas), seja na
lembrança da ditadura de Salazar.
Declaração de amor à língua
portuguesa, o filme registra variados falares -seja a língua mista
de um indiano, seja o português
africano com seus "erres" bem
marcados, seja a linguagem artificiosa do ambulante carioca em
sua pregação (marcada pelo esforço disciplinador do vocabulário), seja a fala desenvolta de João
Ubaldo Ribeiro ou de Martinho
da Vila, seja a poesia que flui distraída nas palavras de Saramago e
de Mia Couto, seja a voz triste e
forte que canta um fado, seja a doce melancolia entoada pelo grupo
Madredeus.
Vale a pena fazer o reconhecimento desse surpreendente território da língua portuguesa.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole)
Língua: Vidas em Português
Produção: Brasil/Portugal, 2003
Direção: Victor Lopes
Quando: hoje no Espaço Unibanco,
Unibanco Arteplex e Top Cine
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