São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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"OS ESQUECIDOS"

Jogo conspiratório é manipulado com pouco brilho por Joseph Ruben

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A arquitetura de "Os Esquecidos" é baseada em planos aéreos. Ou seja, gente que está em cima olha aqui para baixo. É o observador invisível, que domina panorama e ações. E é bom saber que estamos em um exercício de suspense "conspiração". Mãe, acabada com a morte do filho, perceberá algo errado, já que memórias (fotos e vídeos) somem.
Querem convencê-la de que o menino nunca existiu, e pode-se pensar em um Preminger de 65, "Bunny Lake Desapareceu", que parte de algo similar. Logo nos dirão que são seres "de verdade", esses que vêm do céu.
Mas, longe da verdade do filme, e mais significativo para a cultura dos EUA em 2004, podem ser entidades mais abstratas. Um Deus corporativo; os senhores sem-cara das planilhas e do tabuleiro político e econômico, talvez. Essencial: aqui, estamos na área do jogo conspiratório "nacional".
É uma história, a dos EUA, formada sob o eco da conspiração e de suas fascinantes sombras, vide Kennedy. Sempre é importante averiguar, publicar -crenças democráticas. Promover a contaminação entre público e secreto, dispositivos de filmagem e gavetas. O filme lembra "Arquivo X", e portanto é justo pensar em Michael Moore e Oliver Stone também.
E "Os Esquecidos" é isso, uma jornada por conexões negras e camuflagens do sistema, só que em nome de uma resolução afetiva: onde está meu filho? E é aqui que se transita de modo questionável no registro "conspiração". Se a heroína confia, e ela confia, tanto em sua memória, o diretor Ruben banca isso tingindo o filme com cores de superdrama, já que mães e futuras mães vão ao cinema: a "grande conspiração" jamais poderá entortar os códigos do filme e, assim, trair a heroína ou a lógica "mãe vs. todos". Além disso, sem construir tensão no não-saber e na "ausência", Ruben hipertrofia o filme via som e computador.
Mas os seres do céu podem ser gente de cinema. Há uma febre do tema memória, sobretudo no cinema dos EUA. Não raro, são filmes que se estruturam na memória referencial e metalingüística, isto é, na memória cinematográfica (velhos filmes e reciclagens), para existir. Se na conspiração de "Os Esquecidos" os ocultos submetem pessoas a um desafio afetivo de memória, a "conspiração" do universo industrial do cinema americano mexe quase no mesmo terreno. São "eles", divinos, que vigiam lá de cima.


Os Esquecidos
The Forgotten

 
Direção: Joseph Ruben
Produção: EUA, 2004
Com: Julianne Moore, Dominic West
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Cinemark Market Place, Kinoplex Itaim e circuito



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