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Crítica/"Shirin"
Longa é experiência radical que renova relação com cinema
Kiarostami filma apenas reações da plateia à história de amor entre príncipes
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Há mais ou menos 30
anos, Kiarostami coloca de pé, filme após
filme, um modo de relação absolutamente original com o cinema. Já não se trata de um espetáculo em que alguém (espectador) assiste a algo (filme)
projetado numa tela.
As coisas são mais complexas. "Filme" passa a definir a
relação entre as imagens propostas e o espectador. Daí as
reações tão radicais a seus filmes: ama-se ou odeia-se. Deixa-se a sala (no meio do filme,
em geral) com a sensação de
não ter visto nada, de ter contemplado uma tela em branco,
ou, ao contrário, experimenta-se todo o encantamento que o
cinema pode proporcionar.
A radicalidade da proposta se
acentuou nos trabalhos mais
recentes, sobretudo nos planos
de "Five": algumas paisagens,
por vezes quase fixas, sendo a
última (a tempestade) quase
não visível, pois feita à noite.
"Shirin" parte desse ponto e
fala do amor entre a princesa
armênia Shirin e o príncipe
persa Khosrow. Mas essa história não veremos. Só ouviremos
os sons. O que vemos é a plateia
(um grupo de 114 atrizes iranianas, mais Juliette Binoche e alguns homens) que acompanha
atentamente a história e a ela
reage. Escutamos o texto.
É como se a tela ocupasse um
ponto intermediário entre as
duas plateias, a nossa e a delas,
mas só fosse visível a elas.
Quanto a nós, "vemos" pelos
olhos delas, pelas reações.
Algumas dúvidas ficam: por
que os homens são praticamente excluídos das plateias? Que
sentidos podem haver nessa
história de príncipes depostos,
de lutas em que o amor e o poder acham-se imbricados, inseparáveis? Haverá insinuações
políticas na epopeia de Khosrow, que, para recuperar o trono, pede ajuda aos romanos,
mas, em troca, precisa se casar
com Maryam, filha do imperador, deixando a amada Shirin?
Não sabemos porque não
pertencemos a essa tradição e,
de todo modo, não importa.
Durante a narração, não sabemos se a história de amor cujos
caminhos são escritos pelo acaso ocorre no nível do sonho, da
ilusão, da visão ou da realidade.
Ou tudo ao mesmo tempo.
O que vemos por 90 minutos
é a nossa própria imaginação
gravada no rosto das espectadoras. "Seu rosto está gravado
em meu olhar", diz a horas tantas Farhad, o geômetra. É nos
olhos e nos sonhos que tudo
acontece. Dificilmente veremos tão cedo uma experiência
tão radical quanto "Shirin".
SHIRIN
Quando: hoje, às 14h30, na
Cinemateca
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
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