São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Eco reúne o seu melhor na obra "O Cemitério de Praga"

Italiano reconstrói o século 19 pelos olhos de um falsificador de documentos

IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO

Se há uma coisa que Umberto Eco faz ao escrever ficção é divertir-se. É verdade que o humor do italiano é incomum. Pois ele achou muito engraçado, por exemplo, erigir um "obstáculo penitencial das primeiras 100 páginas" em "O Nome da Rosa" -seu primeiro romance, de 1980- para "construir um leitor adequado" para o que vinha a seguir.
Passados 30 anos, a piada agora é outra, mas o humor é igualmente estranho: "Quem amo? A boa cozinha.
(...) Quem odeio?". Aí, a lista é grande demais para Simone Simonini, um falsário do século 19 e protagonista de nova obra de Eco, "O Cemitério de Praga".
Ele ataca o alemão comum ("o mais baixo nível concebível da humanidade, produz em média o dobro de fezes de um francês"), analisa o francês ("são maus; matam por tédio") e é sucinto com as mulheres ("odeio, pelo pouco que sei delas").
Mas os piores de todos certamente são os judeus ("aquelas dobras entre nariz e lábios, escavadas pelo ódio..."). É deles a culpa pela maior conspiração já perpetrada pela humanidade para conquistar o mundo.
E, na pele de Simone Simonini, nos embrenhamos em rituais satânicos, missas negras e conluios macabros pela Europa dos 1800, com o pano de fundo da unificação dos Estados italianos.
Documentos históricos, planos de dominação, intrigas, maçonaria. Parecido com "O Pêndulo de Foucault"? Sim, igualzinho. Em 1988, Eco já se divertia com sórdidas tramas templárias e suas mensagens secretas enviadas através dos séculos.
Mas há mais aqui. A trama começa quando Simonini acorda sem memórias em um apartamento habitado por outro Simonini, com a diferença de que seu duplo disfarça-se com vestes de abade.
Passa, então, a escrever-lhe cartas, que o religioso, por sua vez, responde.
E onde já lemos essa ingrata busca pelo duplo? Em "A Ilha do Dia Anterior", de 1995, no qual Roberto della Griva, preso num navio ancorado em cima de um meridiano, busca a seu irmão bastardo, ou a si mesmo, no ontem.
Há outras atrações: personagens reais estão em "O Cemitério de Praga" (leia quadro). Mas é claro que não estamos no picaresco "Baudolino", seu romance de 2000, no qual o protagonista (ficcional) contracena com figuras reais do século 12.
Assim, "O Cemitério de Praga" é mais do mesmo. Mas é também uma reunião dos melhores elementos de Eco. Inclusive das piadas de gosto duvidoso: "o italiano é inconfiável, mentiroso, vil, traidor, sente-se mais à vontade com o veneno que com o fármaco". É esse o tipo de humor de Eco, o italiano.

O CEMITÉRIO DE PRAGA
AUTOR Umberto Eco
EDITORA Record
TRADUÇÃO Joana A. d'Avila Melo
QUANTO R$ 49,40 (480 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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