São Paulo, quinta-feira, 06 de janeiro de 2005

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CONTRATOS COM DEUS

Em entrevista à Folha, em julho de 2004, Will Eisner falou sobre projeto de retratar as favelas brasileiras

Quadrinista tinha "planos" para São Paulo

DA REPORTAGEM LOCAL

Tempos atrás, circularam boatos, logo desmentidos, de que Will Eisner seria o próximo artista a retratar uma metrópole brasileira para a série "Cidades Ilustradas", da qual já participaram o francês Jano, retratando o Rio, e o espanhol Miguelanxo Prado, que dedicou sua pena a Belo Horizonte. A bola da vez seria São Paulo.
Já que não ofende, durante uma entrevista com Eisner em julho passado, a Folha lançou a pergunta: "E, então, é verdadeira aquela história sobre São Paulo?"
"Sempre me pediram para fazer algo sobre São Paulo. Na verdade, eu discuti o assunto com Andres Le Blanc [1921-1998; artista brasileiro, radicado nos EUA, que trabalhou no estúdio de Eisner] e ele me disse: por que não fazemos algo sobre as favelas?".
Eisner gostou da idéia. Sempre preocupado em retratar os lugares e seus personagens com fidelidade histórica, o quadrinista iniciou então uma série de pesquisas sobre as favelas. "Quando me dei conta, descobri que não era mais algo tão pequeno, que era algo grande com apoio até dos governos", disse. "Então vi que não sabia nada do assunto e cancelei."
Talvez com mais algumas viagens, sugeriu a reportagem. "Acho que seria uma boa idéia. Gostaria de fazer algo sobre a cidade ainda. Tenho um arquivo aqui no estúdio que diz: faça-me em seguida. Vou colocá-lo ali", brincou (?). "Eu gostaria de voltar ao Brasil. Seu país sempre foi muito importante para mim. É a minha segunda casa."
De fato, a relação entre Eisner e o Brasil vinha de tempos. Em 1987, o criador de "Spirit" foi convidado para vir a São Paulo para o lançamento da revista, pela então editora NG. Quatro anos depois, voltou ao país para participar da abertura da Bienal de HQs do Rio de Janeiro. Em 94, esteve outra vez em SP para a Comic-Con, evento promovido pela Escola Panamericana de Artes. Em 2001, foi a vez de Recife, onde acabou encontrando farto material sobre a presença de judeus na região.
"Eles estavam indo muito bem, eram ótimos cidadãos, pelo menos até enquanto os holandeses estavam por perto. Quando foram expulsos pelos portugueses, passaram a ser caçados pela Inquisição por serem judeus e acabaram vindo parar em Nova York", falou, sobre o grupo de imigrantes judeus que, no século 17, deixou Recife em um barco e acabou ajudando a fundar Nova Amsterdã, mais tarde rebatizada como Nova York, parte do que foi narrado pelo próprio Eisner em "O Nome do Jogo".
Junto da questão das cidades, o anti-semitismo é tema recorrente nas HQs do quadrinista. Considerada pelo próprio Eisner como sua "maior obra", sua mais recente graphic novel, "The Plot", é na verdade uma resposta engajada do autor contra a difusão de papéis que "vinham difundindo o anti-semitismo na Europa e nos países árabes".
Os ditos papéis eram os "Protocolos de Sião", documentos que supostamente comprovavam o envolvimento de judeus na atividade revolucionária na Rússia. "Era um documento fraudulento, viciado e maligno", afirmou Eisner em julho.
Encomendada pela editora americana W. W. Norton, a HQ sai em maio nos EUA e, segundo a Companhia das Letras, está programada para chegar ao Brasil ainda neste ano.
A cruzada pessoal contra o anti-semitismo -Eisner era judeu, filho de pai austríaco e de mãe romena- também fez com que se pusesse a reescrever trechos do livro de Charles Dickens, "Oliver Twist", especialmente os que retratam o judeu Fagin. "Fagin, The Jew", publicado nos EUA no segundo semestre de 2004, já foi negociado pela Companhia das Letras, e sai por aqui em 2005.
Por fim, para este mesmo ano, há mais dois lançamentos programados pela Devir, uma HQ e um livro teórico. A HQ é "Pequenos Milagres", que retrata passagens da infância do autor em Nova York. Já o teórico é "Narrativas Gráficas", bem-vinda tradução da obra-irmã de "Quadrinhos & Arte-Seqüencial", já lançada por aqui pela editora Martins Fontes.
Na obra, que sai no país em março, Eisner destrincha todos os macetes da nona arte, com exemplos ilustrados por trabalhos próprios e de outros autores. É a gramática definitiva das histórias em quadrinhos -comics, nos EUA.
"Comics não é a palavra certa; era quando os quadrinhos serviam essencialmente para contar piadas. Hoje, prefiro chamar de arte seqüencial". Ops! (DA)


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