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CONTRATOS COM DEUS
Em entrevista à Folha, em julho de 2004, Will Eisner falou sobre projeto de retratar as favelas brasileiras
Quadrinista tinha "planos" para São Paulo
DA REPORTAGEM LOCAL
Tempos atrás, circularam boatos, logo desmentidos, de que
Will Eisner seria o próximo artista
a retratar uma metrópole brasileira para a série "Cidades Ilustradas", da qual já participaram o
francês Jano, retratando o Rio, e o
espanhol Miguelanxo Prado, que
dedicou sua pena a Belo Horizonte. A bola da vez seria São Paulo.
Já que não ofende, durante uma
entrevista com Eisner em julho
passado, a Folha lançou a pergunta: "E, então, é verdadeira aquela
história sobre São Paulo?"
"Sempre me pediram para fazer
algo sobre São Paulo. Na verdade,
eu discuti o assunto com Andres
Le Blanc [1921-1998; artista brasileiro, radicado nos EUA, que trabalhou no estúdio de Eisner] e ele
me disse: por que não fazemos algo sobre as favelas?".
Eisner gostou da idéia. Sempre
preocupado em retratar os lugares e seus personagens com fidelidade histórica, o quadrinista iniciou então uma série de pesquisas
sobre as favelas. "Quando me dei
conta, descobri que não era mais
algo tão pequeno, que era algo
grande com apoio até dos governos", disse. "Então vi que não sabia nada do assunto e cancelei."
Talvez com mais algumas viagens, sugeriu a reportagem.
"Acho que seria uma boa idéia.
Gostaria de fazer algo sobre a cidade ainda. Tenho um arquivo
aqui no estúdio que diz: faça-me
em seguida. Vou colocá-lo ali",
brincou (?). "Eu gostaria de voltar
ao Brasil. Seu país sempre foi
muito importante para mim. É a
minha segunda casa."
De fato, a relação entre Eisner e
o Brasil vinha de tempos. Em
1987, o criador de "Spirit" foi convidado para vir a São Paulo para o
lançamento da revista, pela então
editora NG. Quatro anos depois,
voltou ao país para participar da
abertura da Bienal de HQs do Rio
de Janeiro. Em 94, esteve outra
vez em SP para a Comic-Con,
evento promovido pela Escola Panamericana de Artes. Em 2001, foi
a vez de Recife, onde acabou encontrando farto material sobre a
presença de judeus na região.
"Eles estavam indo muito bem,
eram ótimos cidadãos, pelo menos até enquanto os holandeses
estavam por perto. Quando foram expulsos pelos portugueses,
passaram a ser caçados pela Inquisição por serem judeus e acabaram vindo parar em Nova
York", falou, sobre o grupo de
imigrantes judeus que, no século
17, deixou Recife em um barco e
acabou ajudando a fundar Nova
Amsterdã, mais tarde rebatizada
como Nova York, parte do que foi
narrado pelo próprio Eisner em
"O Nome do Jogo".
Junto da questão das cidades, o
anti-semitismo é tema recorrente
nas HQs do quadrinista. Considerada pelo próprio Eisner como
sua "maior obra", sua mais recente graphic novel, "The Plot", é na
verdade uma resposta engajada
do autor contra a difusão de papéis que "vinham difundindo o
anti-semitismo na Europa e nos
países árabes".
Os ditos papéis eram os "Protocolos de Sião", documentos que
supostamente comprovavam o
envolvimento de judeus na atividade revolucionária na Rússia.
"Era um documento fraudulento,
viciado e maligno", afirmou Eisner em julho.
Encomendada pela editora
americana W. W. Norton, a HQ
sai em maio nos EUA e, segundo a
Companhia das Letras, está programada para chegar ao Brasil
ainda neste ano.
A cruzada pessoal contra o anti-semitismo -Eisner era judeu, filho de pai austríaco e de mãe romena- também fez com que se
pusesse a reescrever trechos do livro de Charles Dickens, "Oliver
Twist", especialmente os que retratam o judeu Fagin. "Fagin, The
Jew", publicado nos EUA no segundo semestre de 2004, já foi negociado pela Companhia das Letras, e sai por aqui em 2005.
Por fim, para este mesmo ano,
há mais dois lançamentos programados pela Devir, uma HQ e um
livro teórico. A HQ é "Pequenos
Milagres", que retrata passagens
da infância do autor em Nova
York. Já o teórico é "Narrativas
Gráficas", bem-vinda tradução da
obra-irmã de "Quadrinhos & Arte-Seqüencial", já lançada por
aqui pela editora Martins Fontes.
Na obra, que sai no país em
março, Eisner destrincha todos os
macetes da nona arte, com exemplos ilustrados por trabalhos próprios e de outros autores. É a gramática definitiva das histórias em
quadrinhos -comics, nos EUA.
"Comics não é a palavra certa;
era quando os quadrinhos serviam essencialmente para contar
piadas. Hoje, prefiro chamar de
arte seqüencial". Ops!
(DA)
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