São Paulo, sexta-feira, 06 de janeiro de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Ano eleitoral: palpite infeliz

Embora nada entenda de política e muito menos de eleições, acompanhando a vida nacional de longe e, ultimamente, com tédio e, não raras vezes, com indignação, atrevo-me a um palpite infeliz neste início de ano eleitoral. Para dizer que não estou, aliás, nunca estive otimista sobre os caminhos que desconfio estarem em gestação.
Falam por aí que Lula está detonado como possível candidato a suceder-se a si mesmo. Não sei não. O ano que passou, entre as muitas desgraças políticas que nos trouxe, serviu para desmascarar a auréola que boiava em sua cabeça. Junto com a barba, dava-lhe o aspecto de um profeta bíblico, um pouco mais gordo do que os demais, que geralmente eram magros, muitas vezes esquálidos.
Façamos um cálculo esquemático. Dos 170 milhões de brasileiros, 5% são ricos e poderosos, donos ou grandes executivos de instituições gigantescas, algumas delas multinacionais. Para essa turma, os escândalos do PT e do governo pouco ou nada significaram, eles operam com taxas complacentes no setor. Além disso, o atual governo, se beneficiou alguma classe, foi a deles. Na medida em que puderem -e podem muito-, gostariam de ter Lula mais um pouco.
Dos 95% restantes, dividamos por dois: a classe média e a classe pobre. A primeira é dividida em três: a baixa, a alta e a média. Esta classe média, sim, está enojada, vomitou e ainda vomita toda vez que imagina a possibilidade de uma candidatura e uma reeleição de Lula. Ela votará em qualquer candidato que não seja o atual presidente. Ficará dividida num provável primeiro turno, com a pulverização dos candidatos. No segundo, votará num poste da Light, desde que não seja em Lula. É a camada social que lê jornais, revistas, tem acesso aos canais pagos da TV. E não foi beneficiada pelo atual governo, teve estradas esburacadas que quebravam a suspensão de seus carros, pagou juros altíssimos em seus movimentos bancários e rendas pessoais. Principalmente, foi nocauteada pelos escândalos e pela deteriorização dos valores que ela chama de "éticos", quando o caso é de simples polícia.
Sendo metade de 95%, se minha aritmética está certa (o que é um fenômeno pasmoso), representa 47,5% da população. A outra metade é a classe que chamam por aí de "menos favorecida", inclui diversas categorias, desde os pobres propriamente ditos até os miseráveis que vivem na chamada faixa de pobreza absoluta, eufemismo que designa sociologicamente os miseráveis.
Esta não lê jornais e revistas, quando assiste televisão evita debates e entrevistas, fica nas novelas e programas de entretenimento de massa nos canais abertos. Tem mais: sensível à demagogia, de alguma forma ela se considera minimamente atendida pelos programas assistencialistas do governo, tipo Bolsa Família e Fome Zero. Ocupa os chamados "grotões", embora muitos deles se situem nas grandes cidades e suas periferias.
Esta classe tomou conhecimento por alto dos escândalos, de alguma forma divertiu-se ao saber que os bacanas também roubam, quando a polícia e a classe média em geral pensam que somente os pobres e miseráveis são bandidos.
Fazendo a conta final: 5% da prateleira superior da sociedade, mais 47,5% da base, somam 52,5 da população (consultei a calculadora eletrônica de minha secretária, nunca aprendi a fazer cálculo com números que não sejam redondos, entrou fração eu me embanano todo). Esse resultado forma a maioria absoluta, que me parece ser metade mais um.
Ora, dirão, estou confundindo população com eleitorado, que é menor. Sim, é menor, mas segue aproximadamente igual escala, o que dá na mesma.
Ora, se até eu, que nada entendo de política e de eleição, chego a esta previsão, um sujeito escolado como Lula sabe de sobra, para dar e vender. Por que deixará de ser candidato? Se as contas aritméticas mostram-se favoráveis a ele, há agora um "plus" que aumenta consideravelmente suas chances. Ele continuará na chefia da máquina estatal até as urnas serem abertas e fechadas. Poderá se deslocar pelo território nacional com a infra-estrutura de que dispõe. Ainda que procure separar o presidente do candidato, na maioria das ocasiões será os dois ao mesmo tempo -quando inaugurar, por exemplo, um buraco tampado na estrada que vai a São José das Três Ilhas.
Dirá que fez isso e aquilo pelo povo. Se não fez mais, foi por que a oposição não deixou. A mesma oposição cujos candidatos não têm buracos para serem tampados em regime de emergência. Para se deslocarem de norte a sul, precisarão de jatinhos cedidos por empresários ou empresas amigas -que deverão ter mais cautela, para não dar merda. Mas nem por isso se negarão a colaborar, faz parte do jogo, aqui e em qualquer parte onde ocorram eleições.
Como não votei em Lula e nunca votarei em qualquer tipo de eleição política, poderia dizer que nada tenho com isso. Com Lula vencendo ou perdendo, para mim dá na mesma. Mas tenho vontade de repetir o que Cristo disse vendo gente passando fome: "Misereor super turbam".


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