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CARLOS HEITOR CONY
Ano eleitoral: palpite infeliz
Embora nada entenda de
política e muito menos de
eleições, acompanhando a vida
nacional de longe e, ultimamente,
com tédio e, não raras vezes, com
indignação, atrevo-me a um palpite infeliz neste início de ano
eleitoral. Para dizer que não estou, aliás, nunca estive otimista
sobre os caminhos que desconfio
estarem em gestação.
Falam por aí que Lula está detonado como possível candidato
a suceder-se a si mesmo. Não sei
não. O ano que passou, entre as
muitas desgraças políticas que
nos trouxe, serviu para desmascarar a auréola que boiava em sua
cabeça. Junto com a barba, dava-lhe o aspecto de um profeta bíblico, um pouco mais gordo do que
os demais, que geralmente eram
magros, muitas vezes esquálidos.
Façamos um cálculo esquemático. Dos 170 milhões de brasileiros, 5% são ricos e poderosos, donos ou grandes executivos de instituições gigantescas, algumas delas multinacionais. Para essa turma, os escândalos do PT e do governo pouco ou nada significaram, eles operam com taxas complacentes no setor. Além disso, o
atual governo, se beneficiou alguma classe, foi a deles. Na medida
em que puderem -e podem muito-, gostariam de ter Lula mais
um pouco.
Dos 95% restantes, dividamos
por dois: a classe média e a classe
pobre. A primeira é dividida em
três: a baixa, a alta e a média. Esta classe média, sim, está enojada,
vomitou e ainda vomita toda vez
que imagina a possibilidade de
uma candidatura e uma reeleição
de Lula. Ela votará em qualquer
candidato que não seja o atual
presidente. Ficará dividida num
provável primeiro turno, com a
pulverização dos candidatos. No
segundo, votará num poste da
Light, desde que não seja em Lula. É a camada social que lê jornais, revistas, tem acesso aos canais pagos da TV. E não foi beneficiada pelo atual governo, teve
estradas esburacadas que quebravam a suspensão de seus carros, pagou juros altíssimos em
seus movimentos bancários e rendas pessoais. Principalmente, foi
nocauteada pelos escândalos e
pela deteriorização dos valores
que ela chama de "éticos", quando o caso é de simples polícia.
Sendo metade de 95%, se minha aritmética está certa (o que é
um fenômeno pasmoso), representa 47,5% da população. A outra metade é a classe que chamam por aí de "menos favorecida", inclui diversas categorias,
desde os pobres propriamente ditos até os miseráveis que vivem
na chamada faixa de pobreza absoluta, eufemismo que designa
sociologicamente os miseráveis.
Esta não lê jornais e revistas,
quando assiste televisão evita debates e entrevistas, fica nas novelas e programas de entretenimento de massa nos canais abertos.
Tem mais: sensível à demagogia,
de alguma forma ela se considera
minimamente atendida pelos
programas assistencialistas do
governo, tipo Bolsa Família e Fome Zero. Ocupa os chamados
"grotões", embora muitos deles se
situem nas grandes cidades e suas
periferias.
Esta classe tomou conhecimento por alto dos escândalos, de alguma forma divertiu-se ao saber
que os bacanas também roubam,
quando a polícia e a classe média
em geral pensam que somente os
pobres e miseráveis são bandidos.
Fazendo a conta final: 5% da
prateleira superior da sociedade,
mais 47,5% da base, somam 52,5
da população (consultei a calculadora eletrônica de minha secretária, nunca aprendi a fazer cálculo com números que não sejam
redondos, entrou fração eu me
embanano todo). Esse resultado
forma a maioria absoluta, que
me parece ser metade mais um.
Ora, dirão, estou confundindo
população com eleitorado, que é
menor. Sim, é menor, mas segue
aproximadamente igual escala, o
que dá na mesma.
Ora, se até eu, que nada entendo de política e de eleição, chego a
esta previsão, um sujeito escolado
como Lula sabe de sobra, para
dar e vender. Por que deixará de
ser candidato? Se as contas aritméticas mostram-se favoráveis a
ele, há agora um "plus" que aumenta consideravelmente suas
chances. Ele continuará na chefia
da máquina estatal até as urnas
serem abertas e fechadas. Poderá
se deslocar pelo território nacional com a infra-estrutura de que
dispõe. Ainda que procure separar o presidente do candidato, na
maioria das ocasiões será os dois
ao mesmo tempo -quando
inaugurar, por exemplo, um buraco tampado na estrada que vai
a São José das Três Ilhas.
Dirá que fez isso e aquilo pelo
povo. Se não fez mais, foi por que
a oposição não deixou. A mesma
oposição cujos candidatos não
têm buracos para serem tampados em regime de emergência. Para se deslocarem de norte a sul,
precisarão de jatinhos cedidos por
empresários ou empresas amigas
-que deverão ter mais cautela,
para não dar merda. Mas nem
por isso se negarão a colaborar,
faz parte do jogo, aqui e em qualquer parte onde ocorram eleições.
Como não votei em Lula e nunca votarei em qualquer tipo de
eleição política, poderia dizer que
nada tenho com isso. Com Lula
vencendo ou perdendo, para mim
dá na mesma. Mas tenho vontade
de repetir o que Cristo disse vendo
gente passando fome: "Misereor
super turbam".
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