São Paulo, quinta-feira, 06 de janeiro de 2011

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NINA HORTA

Os homens e as mulheres


Poderosa era eu com minha capacidade de sedução. Os homens eram objetos de nossa candura e sedução


O MÍNIMO que uma mulher precisa para se tornar cronista de comida e dona de bufê é um gosto danado pelo que se come e um saber juntar as matérias da vida... Leiam com rapidez, para entender, esse comentário de Cortázar sobre galinhas.
"Por galinha uma escrito: Com o acontecido estamos conosco entusiasmadas. Rapidamente do apoderar mundo iremos nos, oba. Era um inofensivo aparentemente foguete lançado Canaveral. Americanos Cabo do pelos. Razões desconhecidas por órbita da desviou se e provavelmente algo ao atritar se com invisível e Terra retornou à. Crista caiu nos na ploft, mutação instantânea entramos em. Rapidamente a multiplicar aprendendo de taboada estamos, prendadas muito literatura para a somos da história, química um menos pouco, desajeitadas agora até esportes para, importância tem, não: das será galinhas estratosfera, da frente sai, carajo que."
Na Casa do Saber, em entrevista sobre a profissão, me perguntaram sobre oportunidades das mulheres. Respondi mal, se é que respondi. Não fui igual a todas as mulheres e nem sei o que "todas as mulheres" quer dizer. Era verdade que os homens tinham muito mais oportunidades de trabalho e melhores salários do que muitas de nós. Mas não era preconceito. A nossa escolaridade era precária. Se não nos deram escolas prestáveis, como ser autodidatas nessas matérias exatas e pelas quais já nutríamos um certo pavor? Só se o foguete do Cortázar caísse em nossa cabeça e entrássemos em mutação.
Já que estamos em clima de Ano-Novo, de repensar o passado, tenho mais é que dizer que nunca entendi essa história da superioridade masculina. Era um Laerte "avant la lettre". Um homem disfarçado de mulher. Poderosa era eu com minha capacidade de sedução. Os homens eram objetos de nossa candura e sedução. Sempre foram. Gostava de ser mulher, mãe, de me fazer bonita, de cozinhar, de saber arrumar qualquer biboca de casa.
Jamais sofri a domesticidade como opressão, se não quisesse, não faria, jamais obedeceria cegamente a homem nenhum, seria capaz de matar com as unhas alguém que me obrigasse a encerar um chão. Mas, enceraria com prazer, se quisesse. Tanto que abrir um bufê ou melhor, ir fazer comida na casa dos outros pediu a mim e à minha sócia uma domesticidade muito bem resolvida. Síndrome de Cenicienta, diria ela, chilena. Era profissão, fazemos questão de entrar pelo elevador dos fundos direto para a cozinha, felizes da vida.
Sou interpelada, então, "Você tinha um dinheiro que era seu?" Não. Mas, acho que foi a única neurose que não tive, achava que o dinheiro que o marido ganhava fora de casa era dele e era meu. Ele também achava. E se os dois não tivessem um tostão? Acho que a coisa se complicaria, só sei que também não teria problema nenhum em sustentar um homem.
Só depois da faculdade, quando me convidaram para ensinar metodologia científica em Marília, uma dúvida foi introduzida na minha vida. Tive que declinar o convite. Primeiro por não saber metodologia científica ("of all things"), segundo por ter que deixar casa, marido e filhos umas três vezes por semana. Angustiei. Continuei cozinhando, era um hobby interessantíssimo, criativo, mas fui me analisar.

ninahorta@uol.com.br


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