São Paulo, sexta, 6 de fevereiro de 1998

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SARAJEVO 2000
Famílias italianas da Toscana adotam projeto
Museu não aceita doações individuais

do enviado especial a Sarajevo

O crítico de arte Enver Hadziomerspahic é diretor-geral e coordenador do projeto Sarajevo 2000 no exterior. Instalado -graças à generosidade das famílias locais- em Greve in Chianti, uma minúscula cidade no sul da Toscana, logo abaixo de Florença, funciona como um "míssil cultural". Coordena as atividades que resultarão no primeiro museu de arte contemporânea de Sarajevo, cuja inauguração está prevista para o verão europeu de 1999.
Em entrevista exclusiva à Folha, Enver Hadziomerspahic contou como foram os primeiros passos da iniciativa e como funciona o processo de formação do acervo.

Folha - Como e quando surgiu a idéia de criar o projeto Sarajevo 2000?
Enver Hadziomerspahic -
A idéia do projeto Sarajevo 2000 surgiu na noite em que bombardearam o belíssimo prédio do Museu dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sarajevo. Quando entendemos que o objetivo das bombas era a destruição do nosso museu começamos, sob as granadas, a evacuar as crianças que viviam no andar de baixo, enquanto todo o prédio pegava fogo.
Naquela mesma noite, compreendemos, de maneira clara, que tanta injustiça deveria, de alguma forma, produzir alguma coisa em troca, para restituir essa dívida e restaurar aquele equilíbrio que sempre existe na natureza. Assim nasceu a idéia do nosso museu mundial. E os artistas são, mais do que nunca, os parceiros fundamentais, os fundadores do nosso museu, nascido e crescido a partir da criação coletiva.
Folha - Por que deixar a seleção de artistas e obras para pessoas estranhas a Sarajevo?
Hadziomerspahic -
Estou convencido de que a idéia e a iniciativa de formar uma coleção de arte contemporânea para o futuro museu de Sarajevo poderá se tornar um movimento em torno de uma "família" de artistas e intelectuais de maior prestígio no mundo.
Nunca tive dúvidas de que os artistas, com a sua sensibilidade, entusiasmo e paixão poderiam se tornar os fundadores de uma importante coleção. Não era sequer justo colocar o poder e o papel de curador desse grande evento internacional nas mãos de um curador o de um comitê com dois ou três experts.
Folha - O museu não corre o risco de receber obras menores?
Hadziomerspahic -
Queríamos ficar abertos, mas também proteger o alto nível do evento e da coleção. Por isso decidimos convidar e aceitar as iniciativas das cidades amigas de Sarajevo e seus melhores museus, instituições de arte, curadores e artistas.
Mas nosso modelo de colaboração é fundamentado em elementos racionais e realistas. Um museu bem conceituado sempre pode incluir em sua programação anual uma mostra coletiva de doação e fazer os contatos com os artistas, lembrando bem que, para proteger a idéia de internacionalidade do projeto, é preciso respeitar uma regra: convidar apenas dois ou três artistas do próprio país e outros do grande espaço criativo mundial.
Folha - Como foi a receptividade internacional inicial ao projeto?
Hadziomerspahic -
Lembro-me muito bem do momento em que o então prefeito de Sarajevo (que se tornou um cantão depois dos acordos de paz de Dayton, em novembro de 1995), Muhamed Kresevljakovic, me deu a autorização para representar o projeto no exterior, mas disse que não poderia oferecer mais que isso.
Mas, graças ao apoio de várias famílias toscanas (Lucchesi, Rossi, Schila e outras), pude sistematizar a sede do projeto na Itália. Depois de alguns meses, Kresevljakovic foi nomeado cônsul em Milão e isso viabilizou os primeiros passos significativos do projeto no país.
Folha - O museu pretende ter obras brasileiras e latino-americanas?
Hadziomerspahic -
Não é por acaso que as primeiras respostas positivas ao projeto chegaram da Itália, Eslovênia e Áustria, pois eles são os nossos vizinhos mais próximos. Mas para aderir a esse evento internacional com todos os seus encargos financeiros, científicos e práticos não são suficientes o entusiasmo e a coragem. A direção dos museus e instituições interessadas precisam ter mais informações sobre a situação política de nosso país para eliminar os frequentes mal-entendidos.
É verdade que ainda não contamos com obras da América Latina, mas alguns intelectuais do continente já querem encontrar formas para viabilizar essa iniciativa.
Tenho interesse que fosse realizada alguma atividade promocional nesse sentido no vernissage da próxima Bienal de São Paulo. Dessa forma, os primeiros contatos para que uma nova parte da coleção do museu Sarajevo 2000 seja inaugurada em São Paulo.
Folha - É possível fazer doações individuais ao museu?
Hadziomerspahic -
Alguns artistas e colecionadores já expressaram seu desejo em doar as próprias obras de arte ao museu, mas, por enquanto, não podemos renunciar ao atual sistema de formar a coleção em colaboração com os experts dos museus que promovem as mostras e que têm a responsabilidade de criar uma coleção muito significativa.
Folha - Onde será a futura sede do museu?
Hadziomerspahic -
Nosso instituto urbanístico sugeriu uma esplêndida localização, no triângulo formado pelo rio Miljacka, Museu Nacional e o ex-Museu da Revolução, sendo que este último poderia ser a sede provisória.
Nesse caso, seria feito um concurso arquitetônico internacional. Nossos arquitetos também pensaram que em vez de uma sede única fossem construídos diversos pavilhões para cada uma das coleções.
Esses pavilhões criariam um ótimo percurso pelo centro da cidade e se tornariam uma vitrine da arquitetura contemporânea mundial, além de ser uma forte contribuição à reconstrução urbanística e arquitetônica da cidade.
(CELSO FIORAVANTE)


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