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SARAJEVO 2000
Famílias italianas da Toscana adotam projeto
Museu não aceita
doações individuais
do enviado especial a Sarajevo
O crítico de arte Enver Hadziomerspahic é diretor-geral e coordenador do projeto Sarajevo 2000
no exterior. Instalado -graças à
generosidade das famílias locais-
em Greve in Chianti, uma minúscula cidade no sul da Toscana, logo abaixo de Florença, funciona
como um "míssil cultural". Coordena as atividades que resultarão
no primeiro museu de arte contemporânea de
Sarajevo, cuja
inauguração
está prevista
para o verão
europeu de
1999.
Em entrevista exclusiva à
Folha, Enver
Hadziomerspahic contou como foram os
primeiros passos da iniciativa e como funciona o processo de
formação do acervo.
Folha - Como e quando surgiu a
idéia de criar o projeto Sarajevo
2000?
Enver Hadziomerspahic - A
idéia do projeto Sarajevo 2000 surgiu na noite em que bombardearam o belíssimo prédio do Museu
dos Jogos Olímpicos de Inverno de
Sarajevo. Quando entendemos
que o objetivo das bombas era a
destruição do nosso museu começamos, sob as granadas, a evacuar
as crianças que viviam no andar de
baixo, enquanto todo o prédio pegava fogo.
Naquela mesma noite, compreendemos, de maneira clara,
que tanta injustiça deveria, de alguma forma, produzir alguma coisa em troca, para restituir essa dívida e restaurar aquele equilíbrio
que sempre existe na natureza. Assim nasceu a idéia do nosso museu
mundial. E os artistas são, mais do
que nunca, os parceiros fundamentais, os fundadores do nosso
museu, nascido e crescido a partir
da criação coletiva.
Folha - Por que deixar a seleção
de artistas e obras para pessoas estranhas a Sarajevo?
Hadziomerspahic - Estou convencido de que a idéia e a iniciativa
de formar uma coleção de arte
contemporânea para o futuro museu de Sarajevo poderá se tornar
um movimento em torno de uma
"família" de artistas e intelectuais
de maior prestígio no mundo.
Nunca tive dúvidas de que os artistas, com a sua sensibilidade, entusiasmo e paixão poderiam se
tornar os fundadores de uma importante coleção. Não era sequer
justo colocar o poder e o papel de
curador desse grande evento internacional nas mãos de um curador
o de um comitê com dois ou três
experts.
Folha - O museu não corre o risco
de receber obras menores?
Hadziomerspahic - Queríamos
ficar abertos, mas também proteger o alto nível do evento e da coleção. Por isso decidimos convidar e
aceitar as iniciativas das cidades
amigas de Sarajevo e seus melhores museus, instituições de arte,
curadores e artistas.
Mas nosso modelo de colaboração é fundamentado em elementos
racionais e realistas. Um museu
bem conceituado sempre pode incluir em sua programação anual
uma mostra coletiva de doação e
fazer os contatos com os artistas,
lembrando bem que, para proteger a idéia de internacionalidade
do projeto, é preciso respeitar uma
regra: convidar apenas dois ou três
artistas do próprio país e outros do
grande espaço criativo mundial.
Folha - Como foi a receptividade
internacional inicial ao projeto?
Hadziomerspahic - Lembro-me
muito bem do momento em que o
então prefeito de Sarajevo (que se
tornou um cantão depois dos
acordos de paz de Dayton, em novembro de 1995), Muhamed Kresevljakovic, me deu a autorização
para representar o projeto no exterior, mas disse que não poderia
oferecer mais que isso.
Mas, graças ao apoio de várias famílias toscanas (Lucchesi, Rossi,
Schila e outras), pude sistematizar
a sede do projeto na Itália. Depois
de alguns meses, Kresevljakovic
foi nomeado cônsul em Milão e isso viabilizou os primeiros passos
significativos do projeto no país.
Folha - O museu pretende ter
obras brasileiras e latino-americanas?
Hadziomerspahic - Não é por
acaso que as primeiras respostas
positivas ao projeto chegaram da
Itália, Eslovênia e Áustria, pois
eles são os nossos vizinhos mais
próximos. Mas para aderir a esse
evento internacional com todos os
seus encargos financeiros, científicos e práticos
não são suficientes o entusiasmo e a coragem. A direção dos museus e instituições interessadas precisam
ter mais informações sobre a
situação política de nosso
país para eliminar os frequentes mal-entendidos.
É verdade que ainda não contamos com obras da América Latina,
mas alguns intelectuais do continente já querem encontrar formas
para viabilizar essa iniciativa.
Tenho interesse que fosse realizada alguma atividade promocional nesse sentido no vernissage da
próxima Bienal de São Paulo. Dessa forma, os primeiros contatos
para que uma nova parte da coleção do museu Sarajevo 2000 seja
inaugurada em São Paulo.
Folha - É possível fazer doações
individuais ao museu?
Hadziomerspahic - Alguns artistas e colecionadores já expressaram seu desejo em doar as próprias
obras de arte ao museu, mas, por
enquanto, não podemos renunciar ao atual sistema de formar a
coleção em colaboração com os
experts dos museus que promovem as mostras e que têm a responsabilidade de criar uma coleção muito significativa.
Folha - Onde será a futura sede
do museu?
Hadziomerspahic - Nosso instituto urbanístico sugeriu uma esplêndida localização, no triângulo
formado pelo rio Miljacka, Museu
Nacional e o ex-Museu da Revolução, sendo que este último poderia
ser a sede provisória.
Nesse caso, seria feito um concurso arquitetônico internacional.
Nossos arquitetos também pensaram que em vez de uma sede única
fossem construídos diversos pavilhões para cada uma das coleções.
Esses pavilhões criariam um ótimo percurso pelo centro da cidade
e se tornariam uma vitrine da arquitetura contemporânea mundial, além de ser uma forte contribuição à reconstrução urbanística
e arquitetônica da cidade.
(CELSO FIORAVANTE)
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