São Paulo, sexta, 6 de fevereiro de 1998

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Fischer sustenta conflito manco em "Gata"

do enviado especial ao Rio

Escorre algo de anacrônico de "Gata em Teto de Zinco Quente", de Tennessee Williams. O puritanismo da família Pollitt, latifundiária, da "plantação", soa impensável, hoje, quando o presidente dos EUA tem suas ações sexuais esmiuçadas diante de milhões, ao que parece, dispostos a desculpar seja lá o que for.
E "Gata" é construída em torno de um homem, Brick, casado com uma linda mulher, mas cujo amor verdadeiro seria por um amigo. É difícil imaginar que isso tenha sustentado um drama modelar do teatro no século. Mas é assim, com um conflito manco, que ele ressurge no palco.
Combine isso a uma encenação de mão pesada sobre a interpretação, com marcas estanques, e a uma cenografia que parece querer reproduzir à risca o que seria um drama da Broadway (quando ainda existiam) e o que se tem é a melhor representação do que alguém, um dia, chamou "teatrão".
Mas o espetáculo não pára aí. Qualquer peça com Vera Fischer no elenco será, inevitavelmente, engolida pela estrela.
Uma cena: Maggie the Cat, a gata, que está fora de cena enquanto a família se estende em diálogos dramáticos, entra com um vestido vermelho, justo, salto alto, o cabelo loiro em ondas, o rosto de Vera Fischer, o corpo de Vera Fischer.
A platéia perde o ritmo da respiração. E quem vai atentar para diálogo, diante da imagem da estrela. Na frase sumária da sexóloga Marta Suplicy, no programa da peça: "Com Vera, tudo parece ter intensidade máxima de dor e prazer".
E é certo que ela progrediu muito -se tal observação não soasse mesquinha, diante das proporções da estrela- como atriz. Segura, com altos e baixos, os "bifes", as longas falas do início da peça. Maggie exigiria talvez maior mordacidade, também caracterização mais "dura, histérica, cruel"; por outro lado, "só, tão só".
Mas o que importa quando, durante os "bifes", Vera Fischer salta de um sofá para outro, desfila, pára com uma combinação branca, de salto alto, como Elizabeth Taylor no filme, mas com contornos tão mais exuberantes, como uma Marilyn Monroe? E ainda diz, "olha como o meu corpo continua perfeito..."
Mas é preciso falar da montagem. Fernando Peixoto é um Brick Pollitt eficiente, em que a marca do homossexualismo está presente (ao contrário do filme, com Paul Newman), mas anulando por demais a sensualidade, o que dificulta a composição com Maggie.
Ítalo Rossi, como pai de Brick, Big Daddy, Papai, acrescenta um inesperado humor de trejeitos ao personagem, longe do patriarca fundador, grande raiz da "casa grande" americana. Mas sabe o que fala.
Também no elenco, é graciosa, apesar do maniqueísmo de telenovela que a montagem impõe ao personagem, a Mae de Guida Vianna. É a cunhada malvada, casada com Gooper, irmão de Brick, que quer ficar com a herança da família.
A tradução não é das mais felizes, com tropeços como "milhas e milhas distante daqui". Quanto ao título, que causou controvérsia, é difícil imaginar alternativas como "Gata em Telhado de Estanho Quente".
Sobre a cenografia de Hélio Eichbauer, se era para abraçar o drama americano, como parece, o palco pedia mais do que a tela de pano ao fundo; e os três brinquedos antigos, na boca de cena, soam como decoração, ainda mais que foram descartadas as crianças. (NS)


Peça: Gata em Teto de Zinco Quente
Direção: Moacyr Góes
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: teatro Villa-Lobos (r. Princesa Isabel, 440, Rio, tel. 021/275-6695)
Quanto: R$ 30 (qui. e dom.) e R$ 40 (sex. e sáb.)



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