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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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GASTRONOMIA

Receitas do samba à Zicartola

"Alguns como Cartola são trigo de qualidade especial, devem servir de alimento constante. A gente fica sentindo e pensenteando sempre o gosto desta comida."
Carlos Drummond de Andrade

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Os poetas pensenteavam a comida de Cartola, e Dona Zica cozinhava, rindo. Ele traduzia "como é que eu posso cozinhar sem banha, sem cebola e alho, sem vinagre e cheiro, como é que eu posso ter bom paladar, sem você deixar a grana pros temperos...".
Casaram-se. Adoravam Mangueira. "Vista assim do alto, mais parece um céu no chão... E a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais. Sei lá, não sei, sei lá, não sei." Mas, eu sei, rematava Zica. É também carne-seca com abóbora. Limpar a carne direitinho, cortar em cubos e deixar de molho, trocando a água até eliminar o sal...
Progrediram, mudaram de casa. "Tenho saudades da Mangueira, daquele tempo em que eu batucava por lá. Tenho saudades do tempero da escola..."
E Dona Zica respondia com arroz ao leite de coco. Lavar o arroz, aquecer o óleo, juntar o arroz e refogar. Juntar alho e água e, quando o arroz estiver quase seco, despejar o leite de coco e deixar acabar de cozinhar.
O poeta se lamentava, atracado no seu violão.
"Queixo-me às rosas, que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti." De quem estará falando ele, pensava Dona Zica e ... Se quiser um gosto mais acentuado de alho, em vez de espremer, pique o alho e não deixe dourar demais.
"E acontece que eu já não sei mais amar. Vai chorar, vai sofrer e você não merece. Acontece que meu amor ficou frio." Ah, ficou? Tem sempre um jeito de aquecer, resmungava Zica. No óleo ainda frio, misture uma colher de vinagre para o aipim ficar mais crocante, é 1 kg de aipim, 2 1/2 xícaras de óleo e sal a gosto... Colocar o óleo numa panela e aquecer bem. Fritar os pedaços de aipim cozidos aos poucos até que fiquem bem dourados.
"Lá em Mangueira aprendi a sapatear, lá em Mangueira é que o samba tem seu lugar." E também tem seu lugar junto à feijoada, ensinava ela, e à couve mineira, cortada em tiras bem fininhas. Aquecer o óleo ou toucinho e dourar o alho. Juntar a couve, mexendo sempre até ficar toda por igual.
"Ai, minha Mangueira, minha saudosa Mangueira, quando o progresso chegou, tudo se transformou e Mangueira mudou. Já não se canta mais à luz do lampião e a cabrocha não vai ao terreiro de pé no chão." Ora, é preciso comer de tudo um pouco, resignava-se Zica. Frango à moda húngara, língua ao molho madeira, macarrão à matriciana, rosbife, suflê de chuchu e estrogonofe de carne.
Um dia resolveram se mudar para evitar muita confusão carnavalesca. O poeta e a mulher já estavam famosos.
"Mangueira na hora da minha despedida, todo mundo chorou, todo mundo chorou." "A sorrir eu pretendo levar a vida, pois chorando eu vi a mocidade perdida...." Ela sempre muito prática. Para não chorar, quando descascar cebolas, mergulhe-as por alguns instantes em água quente.
Foi uma vida bonita. A dos dois. "Eu errei, grande Deus, mas quem é que não erra? Se errei, perdoai-me, pelo amor de Maria" (Cartola). Para tirar as nódoas de frutas das lâminas das facas, esfregue-as com uma batata crua e depois dê um polimento nelas (Dona Zica).


DONA ZICA - TEMPERO, AMOR E ARTE
- 47 receitas que embalavam as rodas de samba no antigo bar Zicartola, onde marido e mulher recebiam a nata do samba). De: Nilcemar Nogueira. Editora: Fábrica de Livros. Lançamento: hoje, às 19h30. Onde: na quadra da Mangueira (r. Visconde de Niterói, 1.072, Rio, tel. 0/xx/ 21/2567-4637). Quanto: a definir.



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