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Crítica/"Underground"
Em filme premiado em Cannes, Kusturica conta história iugoslava com tintas surreais
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A história da ex-Iugoslávia no século 20 transformada em comédia
de humor negro. Assim pode
ser resumido "Underground",
filme que deu ao sérvio Emir
Kusturica em 1995 sua segunda
Palma de Ouro em Cannes (a
primeira viera dez anos antes,
por "Quando Papai Saiu em
Viagem de Negócios").
Já as primeiras cenas expõem o estilo selvagem, sem
meias tintas de Kusturica: em
Belgrado, ao amanhecer de um
domingo de 1941, dois turbulentos boêmios, Crni (Lazar
Ristovski) e Marko (Miki Manojlovic), voltam da farra dando tiros para o alto, seguidos
por uma ruidosa banda.
Se já começa estridente, "Underground" parece entrar numa espiral ascendente de loucura. Um bombardeio nazista atinge o zoológico da cidade,
matando algumas feras e deixando outras à solta pelas ruas,
o que coloca em cena um dos
motivos recorrentes do diretor:
o contraponto entre homens e
bichos, a realçar o que há de
animal na conduta humana.
Nas quase três horas de duração do filme, acontece de tudo.
Para resumir, basta dizer que,
com a ocupação nazista do país,
Marko e Crni, comunistas que
aproveitam o caos para saquear
mansões e casas de comércio,
montam um esconderijo subterrâneo onde guardam e fabricam armas, com algumas dezenas de companheiros.
Marko volta à superfície e sobe na hierarquia do Partido Comunista, tornando-se assessor
direto do marechal Tito, líder
da resistência iugoslava. Terminada a guerra e conquistado
o poder por Tito, Marko mantém seus amigos de subterrâneo na ignorância, dizendo que
o conflito continua. Com isso,
posa de herói e fica com a antiga amante de Crni.
No epílogo, que não convém
antecipar aqui, a região está
mergulhada em outro conflito,
a guerra dos Bálcãs que despedaçou a antiga Iugoslávia.
Kusturica, que se baseou numa peça de teatro de Dusan Kovacevic, foi acusado de assumir
uma postura pró-Sérvia, mas se
defendeu dizendo que satirizou
causticamente todas as etnias
em choque.
De fato, o cineasta sérvio parece mostrar que, sob pressão,
vêm à tona as tendências mais
bestiais do homem, qualquer
que seja a sua origem nacional
ou étnica. Seu filme é como que
uma versão bárbara de "O Anjo
Exterminador".
Não é tão bom quanto a obra-prima de Buñuel, claro, mas é
impossível ficar indiferente à
energia iconoclasta que produz
cenas como a do seqüestro de
uma atriz em pleno palco por
um alucinado Crni, que se faz
passar por ator do drama,
criando um momento de perplexidade na platéia do teatro
(e do cinema).
Pena que os extras do DVD se
limitem a uma breve entrevista
celebratória do diretor em
Cannes, logo depois da Palma
de Ouro.
UNDERGROUND
Diretor: Emir Kusturica
Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 40,50
Avaliação: ótimo
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