São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Crítica/"Underground"

Em filme premiado em Cannes, Kusturica conta história iugoslava com tintas surreais

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A história da ex-Iugoslávia no século 20 transformada em comédia de humor negro. Assim pode ser resumido "Underground", filme que deu ao sérvio Emir Kusturica em 1995 sua segunda Palma de Ouro em Cannes (a primeira viera dez anos antes, por "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios").
Já as primeiras cenas expõem o estilo selvagem, sem meias tintas de Kusturica: em Belgrado, ao amanhecer de um domingo de 1941, dois turbulentos boêmios, Crni (Lazar Ristovski) e Marko (Miki Manojlovic), voltam da farra dando tiros para o alto, seguidos por uma ruidosa banda.
Se já começa estridente, "Underground" parece entrar numa espiral ascendente de loucura. Um bombardeio nazista atinge o zoológico da cidade, matando algumas feras e deixando outras à solta pelas ruas, o que coloca em cena um dos motivos recorrentes do diretor: o contraponto entre homens e bichos, a realçar o que há de animal na conduta humana. Nas quase três horas de duração do filme, acontece de tudo.
Para resumir, basta dizer que, com a ocupação nazista do país, Marko e Crni, comunistas que aproveitam o caos para saquear mansões e casas de comércio, montam um esconderijo subterrâneo onde guardam e fabricam armas, com algumas dezenas de companheiros.
Marko volta à superfície e sobe na hierarquia do Partido Comunista, tornando-se assessor direto do marechal Tito, líder da resistência iugoslava. Terminada a guerra e conquistado o poder por Tito, Marko mantém seus amigos de subterrâneo na ignorância, dizendo que o conflito continua. Com isso, posa de herói e fica com a antiga amante de Crni.
No epílogo, que não convém antecipar aqui, a região está mergulhada em outro conflito, a guerra dos Bálcãs que despedaçou a antiga Iugoslávia.
Kusturica, que se baseou numa peça de teatro de Dusan Kovacevic, foi acusado de assumir uma postura pró-Sérvia, mas se defendeu dizendo que satirizou causticamente todas as etnias em choque.
De fato, o cineasta sérvio parece mostrar que, sob pressão, vêm à tona as tendências mais bestiais do homem, qualquer que seja a sua origem nacional ou étnica. Seu filme é como que uma versão bárbara de "O Anjo Exterminador".
Não é tão bom quanto a obra-prima de Buñuel, claro, mas é impossível ficar indiferente à energia iconoclasta que produz cenas como a do seqüestro de uma atriz em pleno palco por um alucinado Crni, que se faz passar por ator do drama, criando um momento de perplexidade na platéia do teatro (e do cinema).
Pena que os extras do DVD se limitem a uma breve entrevista celebratória do diretor em Cannes, logo depois da Palma de Ouro.


UNDERGROUND
Diretor:
Emir Kusturica
Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 40,50
Avaliação: ótimo


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