São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Existe a intenção de fazer cantar a periferia da periferia da periferia"

DA REDAÇÃO

Leia a continuação da entrevista com Chico Buarque.
(FERNANDO DE BARROS E SILVA)

Folha - Quando pensamos nas mazelas do Rio, a imagem que nos vem à cabeça é a dos morros, das favelas dominadas pelo tráfico, da miséria pendurada na paisagem da zona sul. Sua canção "Subúrbio" desloca nossa atenção para as costas das montanhas, onde o drama social parece condenado ao esquecimento e ao silêncio. É como se a própria miséria tivesse também a sua periferia...
Chico -
Existe mesmo na canção a intenção de fazer cantar a periferia -ou antes a periferia da periferia da periferia. O Brasil sempre ocupou uma posição periférica no mundo e o Rio, cada vez mais, está numa situação periférica em relação às decisões nacionais, ao poder, a São Paulo. O subúrbio do Rio é a periferia dessa cidade meio marginalizada e está literalmente fora do mapa.
Fui procurar mapas do Rio quando estava fazendo a canção e não encontrei nenhum incluindo o subúrbio. As pessoas se lembram de Vigário Geral por causa da chacina, sabem que existe Olaria e Madureira por causa do futebol, mas não se vai muito além.

Folha - Quando você se refere ao subúrbio, não fala apenas da vida inviável, da violência, da condenação ao esquecimento, mas de um lugar que, para além disso, preserva tradições populares e formas de arte como o samba-de-roda, as cabrochas e o próprio choro. Isso convive com o rap, o hip hop, o funk, o rock. Enfim, há vários tempos históricos convivendo na canção.
Chico -
Isso existe, esses tempos estão lá. Mesmo esse subúrbio idílico, que aparece muito nas novelas, isso também existe, mas misturado a outras formas de existência e expressão dessa realidade.

Folha - Você diz, entre sério e irônico, que "Carioca", o título do CD, é uma homenagem a São Paulo, pois era assim que lhe chamavam os amigos paulistanos quando você vivia na cidade. Já foi mais fácil ser carioca?
Chico -
"Carioca" é o nome do disco, não sou eu me declarando -não se trata de uma afirmação pessoal. O disco acabou resultando carioca pela temática de várias canções e pela linguagem musical -essa, sim, talvez mais acentuadamente do que em outros discos meus, é carioca.

Folha - Você não teme com esse título reavivar ou ser vítima de velhos bairrismos?
Chico -
Não pensei nisso e não tenho essa intenção, pelo contrário. Talvez também porque tenha morado muito em São Paulo e algum tempo fora do país eu sempre achei qualquer forma de bairrismo uma grande besteira. Enquanto é brincadeira, vá lá, tolera-se, mas quando começa a virar coisa séria não dá.


Texto Anterior: Chico diz que vota em Lula de novo
Próximo Texto: Crítica: Há beleza em canções não-assoviáveis
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.