São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Mônica Bergamo

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Aluízio Gomes de Assis - 18.dez.2006
Mariza Alencar, mulher do vice-presidente José Alencar, assiste a uma missa. "Eu prefiro não opinar", diz


em nome do papa

Que o papa Bento 16 não nos leia: as católicas brasileiras andam com grande dificuldade de seguir todos os princípios que ele defende. A coluna ouviu seis fiéis, algumas delas "fervorosas", sobre aborto, homossexualidade, camisinha e a praga do segundo casamento

Mariza Alencar

A filha dela se chama Maria da Graça, em homenagem a Nossa Senhora das Graças. Há 50 anos não usa jóias, por causa de promessa que fez para que o marido, o vice-presidente José Alencar, se salvasse de um câncer. Ficou mais de 15 anos sem ir ao cinema por causa de outra promessa, esta para a cura de doença do pai, Luís. Mariza Alencar, "vice-primeira-dama" do Brasil, fez então uma última promessa, ao pai: nunca mais faria promessas. Ela vai à missa todos os domingos, de véu, e agora se prepara para encontrar o papa. Mas combinar teoria e prática na vida de católica nem sempre é fácil: dona Mariza tem duas filhas divorciadas, tem amigos gays e não considera que "a homossexualidade é má". Com a palavra, a "vice-primeira-dama" do país:

CAMISINHA
"Esse é um assunto que eu acho meio... Lógico que eu acho que o papa tem uma iluminação maior. Então, dentro das divergências, a gente procura discutir, conversar. Mas opinar, na posição em que estou, prefiro não."

HOMOSSEXUALIDADE
"Pois é. Já é outro assunto muito polêmico. Vou falar sobre a minha opinião, e não sobre a opinião da igreja. Eu tenho vários amigos que são, como a gente fala, da ala do meio, né? O meu cabeleireiro, pessoas que já me pentearam, e tudo, são gays. São pessoas de um valor incrível, não só moral mas também espiritual, têm dignidade, compreensão do outro, tanta coisa boa dentro deles. Eu acredito que seja uma disfunção, por fator genético, coisa assim. E o amor independe dessa questão do masculino e do feminino. Eu sou a favor do contrato civil [entre homossexuais]. Mas não do casamento religioso."

SEGUNDO CASAMENTO
É uma praga, como diz o papa? "Eu tenho duas filhas separadas. Não tem nenhum casamento à vista, mas poderia ter. Eu gostaria que elas jamais tivessem separado, mas não consegui evitar. Acho que tem acontecido muito, lamento. Mas um lar em desarmonia é muito difícil de levar."

ABORTO
"Sou a favor da igreja nesse ponto. A vida inicia quando há a concepção e deve ser sempre preservada. Para mim, é um assassinato."

Maricy Trussardi

As reuniões do grupo de oração na casa de Maricy Trussardi já contaram com mais de 100 participantes. "Percebi que um grupo de oração muito grande não funcionava". Os encontros não ocorrem mais, mas a fé da empresária não diminuiu. Maricy, que é dona da fábrica de enxovais Trussardi, continua fiel à igreja. É ela a encarregada de preparar os lençóis, colchas e roupões que o papa usará no Brasil. "Tem até uma pantufinha com o brasão papal. O desenho veio do Vaticano", diz. "O Papa é pão, pão, queijo, queijo. Ele é claro, não deixa dúvidas. E fala a palavra de Deus. Até agora não falou nada que não foi dito por Jesus." De todas as católicas ouvidas pela coluna, a empresária é a única que concorda com tudo e tenta seguir tudo o que é dito por Bento 16.

CAMISINHA
Como o papa, ela acha que não deve ser usada. "Sou a favor da dignidade. Uma camisinha não dá dignidade. Dá frustração. Há várias meninas que usaram camisinha, transaram com vários, depois os vários não gostaram, largaram delas. E elas ficaram soltas. E daí? Daí é o sofrimento. Camisinha não é felicidade. É o direito à falsa liberdade."

HOMOSSEXUALIDADE
"Não tenho autoridade para falar. Mas se o papa fala é porque tem autoridade para isso. Posso dizer que, como católica apostólica romana, tenho milhares de amigos homossexuais. Cabeleireiro, costureiro, enfim, gosto deles. Como o papa fala, você deve odiar o pecado, mas amar ao pecador."

SEGUNDO CASAMENTO
"Meu irmão é divorciado, sofremos muito. Por isso sei que o divórcio é uma chaga. Sou a favor da família. Quando alguém se separa, a família sofre. Não é fácil manter o casamento? Concordo, mas a luta é imprescindível em tudo. Está na hora de nos conscientizarmos da batalha do amor. Amar é fazer de uma renúncia um prazer."

ABORTO
"Se alguém me dissesse que eu teria que tirar um filho para não morrer eu preferia morrer. Morro mas quero ir para o céu. Tenho dez filhos, 27 netos e seis bisnetos. Lógico que não é uma coisa normal. São dez partos, o último deles quando eu tinha 42 anos. Mas Deus estava comigo, deu uma força acima do normal."

Maria Regina de Moraes

A casa de Antônio Ermírio e de Maria Regina de Moraes, em SP, tem um oratório para que a família, formada por nove filhos e 24 netos, sempre celebre missas em datas importantes. Mas ela diz que tem "até vergonha de falar" pois se considera uma católica "muito indisciplinada e pretensiosa": não vai regularmente à missa mas está "conversando com Deus o tempo todo". Maria Regina só não consegue obedecer fielmente o que diz o papa."

CAMISINHA
"Quem sou eu para ir contra a palavra de um papa? Mas orientar a não usar camisinha é pesado demais. Tem que usar. Eu nunca usei, sabe? [risos]. Mas hoje fico chocada, assustada de ver a liberdade dessas meninas. Então é melhor estar prevenida. Agora, cheia de netas adolescentes e vendo que a vida está de outro jeito, eu não acho que seja errado."

HOMOSSEXUALIDADE
"É outra questão, viu? Ai, meu Deus. Minha mãe dizia assim "quem ama com fé, casado é". Se as pessoas estiverem bem, não temos nada que ver com a preferência sexual delas. Eu conheço rapazes que sei que são mais prá lá do que prá cá. São interessantíssimos. Não chocando terceiros, a gente tem que respeitar."

SEGUNDO CASAMENTO
"Eu acho que não é uma praga. Eu tenho uma filha desquitada, casada pela segunda vez, felicíssima, que mora em Miami, tem três filhas maravilhosas. Não vejo desgraça. É uma das mulheres mais incríveis que conheço. Ela não tinha nem 30 anos quando separou. Vai ficar a vida inteira sozinha, na janela, vendo o mundo passar?"

ABORTO
"Não posso dizer que sou contra porque tem muita gente que, sei lá, por um motivo ou outro, precisa tirar, não é? Eu nunca tirei, não tiraria e sou contra. Quando estava grávida de minha filha Regina, eu tinha um tumor na cabeça. Todo mundo veio falar comigo. Até o padre Gregório: Regina pelo amor de Deus, você já tem oito filhos perfeitos. Eu falei: por isso mesmo. Então se o nono está ameaçado de não ser perfeito, eu tiro? Não tive coragem. E no fim está aí, a Regininha, essa maravilha. Foi uma benção de Deus eu engravidar. Já imaginou, sem filhos, o que eu ia fazer sozinha com o Antônio? Ele só trabalha, mas só, é impressionante."

Maria Amélia Arruda Botelho

A escultora Maria Amélia Arruda Botelho de Souza Aranha, a Mabsa, 90, doará ao papa duas de suas obras que retratam cenas da vida de Maria de Nazaré. Quando administrava sua fazenda em São Manuel, no interior de São Paulo, ela organizava missões no município com um padre que fazia pregações, realizava casamentos e batizados. "Por 30 anos, fiz missões. Tenho a consciência tranqüila. Fiz tudo o que estava ao meu alcance." Maria Amélia foge como pode de perguntas espinhosas sobre os princípios e as polêmicas que envolvem a igreja. Camisinha? "Não vou discutir, isso não é assunto meu." Homossexualismo? "Eu não discuto porque não tenho competência." Aborto? "Como católica, aceito tudo que vier de Roma." Divórcio? "O amor não é forte? O amor perdoa."

Adriana Vilarinho

A dermatologista Adriana Vilarinho, 38, vai à igreja todos os domingos, desde quando era criancinha. E se define como "católica praticante e fervorosa". Mas não consegue concordar com boa parte de teses ainda hoje defendidas pela igreja. Ela é, por exemplo, defensora -fervorosa- do uso da camisinha. "E do anticoncepcional. Sou médica. Os índices de natalidade estão crescendo. Você tem de propiciar condições melhores para que as pessoas evitem a gravidez não planejada. Temos que prevenir e cuidar para não termos tantas pessoas morrendo de fome." Adriana acha que "alguns preceitos da igreja são antigos" e diz que na Bíblia, segundo sua interpretação, não há condenação ao homossexualismo. "É importante distinguir a palavra de Deus da interpretação dos homens." A dermatologista também prefere não julgar os que se divorciam. Sobre o aborto, é mais clara: "Defendo a vida".

Rosângela Lyra

A diretora da Dior será uma das poucas brasileiras que terá o privilégio de ver o papa de perto no Brasil. Ela visitará o pontífice no Mosteiro de São Bento, onde ele ficará hospedado. "Por favor, não deixe de escrever que eu amo o papa", diz. Rosângela divide sua vida entre antes e depois de retornar ao catolicismo, por motivos familiares. E procura seguir o que o papa diz -embora às vezes seja difícil. Ela, por exemplo, está no segundo casamento, que é considerado "uma praga" por Bento 16. "A igreja quer que você tente manter a família. Óbvio que quando isso não pode acontecer, há possibilidade de você regularizar a situação. Eu recorri a um tribunal religioso para anular meu primeiro casamento." Sobre camisinha e aborto, diz: "Você não pode ser meio católico, isso eu quero, aquilo eu não quero. É tudo ou nada. E é óbvio que é difícil seguir a palavra de Jesus. O mundo está cheio de tentações".


com GUILHERME RAVACHE (reportagem)

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