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Mônica Bergamo
@ - bergamo@folhasp.com.br
Aluízio Gomes de Assis - 18.dez.2006
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Mariza Alencar, mulher do vice-presidente José Alencar, assiste a uma missa. "Eu prefiro não opinar", diz |
em nome do papa
Que o papa Bento 16 não nos leia: as católicas brasileiras andam com grande dificuldade de seguir todos os princípios que ele defende. A coluna ouviu seis fiéis, algumas delas "fervorosas", sobre aborto, homossexualidade, camisinha e a praga do segundo casamento
Mariza Alencar
A filha dela se chama Maria
da Graça, em homenagem a
Nossa Senhora das Graças. Há
50 anos não usa jóias, por causa
de promessa que fez para que o
marido, o vice-presidente José
Alencar, se salvasse de um câncer. Ficou mais de 15 anos sem
ir ao cinema por causa de outra
promessa, esta para a cura de
doença do pai, Luís. Mariza
Alencar, "vice-primeira-dama"
do Brasil, fez então uma última
promessa, ao pai: nunca mais
faria promessas. Ela vai à missa
todos os domingos, de véu, e
agora se prepara para encontrar o papa. Mas combinar teoria e prática na vida de católica
nem sempre é fácil: dona Mariza tem duas filhas divorciadas,
tem amigos gays e não considera que "a homossexualidade é
má". Com a palavra, a "vice-primeira-dama" do país:
CAMISINHA
"Esse é um assunto que eu acho
meio... Lógico que eu acho que o papa tem uma iluminação maior. Então, dentro das divergências, a
gente procura discutir, conversar.
Mas opinar, na posição em que estou, prefiro não."
HOMOSSEXUALIDADE
"Pois é. Já é outro assunto muito
polêmico. Vou falar sobre a minha
opinião, e não sobre a opinião da
igreja. Eu tenho vários amigos que
são, como a gente fala, da ala do
meio, né? O meu cabeleireiro, pessoas que já me pentearam, e tudo,
são gays. São pessoas de um valor
incrível, não só moral mas também
espiritual, têm dignidade, compreensão do outro, tanta coisa boa
dentro deles. Eu acredito que seja
uma disfunção, por fator genético,
coisa assim. E o amor independe
dessa questão do masculino e do
feminino. Eu sou a favor do contrato civil [entre homossexuais]. Mas
não do casamento religioso."
SEGUNDO CASAMENTO
É uma praga, como diz o papa? "Eu
tenho duas filhas separadas. Não
tem nenhum casamento à vista,
mas poderia ter. Eu gostaria que
elas jamais tivessem separado,
mas não consegui evitar. Acho que
tem acontecido muito, lamento.
Mas um lar em desarmonia é muito
difícil de levar."
ABORTO
"Sou a favor da igreja nesse ponto.
A vida inicia quando há a concepção
e deve ser sempre preservada. Para
mim, é um assassinato."
Maricy Trussardi
As reuniões do grupo de oração na casa de Maricy Trussardi já contaram com mais de 100
participantes. "Percebi que um
grupo de oração muito grande
não funcionava". Os encontros
não ocorrem mais, mas a fé da
empresária não diminuiu. Maricy, que é dona da fábrica de
enxovais Trussardi, continua
fiel à igreja. É ela a encarregada
de preparar os lençóis, colchas
e roupões que o papa usará no
Brasil. "Tem até uma pantufinha com o brasão papal. O desenho veio do Vaticano", diz. "O
Papa é pão, pão, queijo, queijo.
Ele é claro, não deixa dúvidas. E
fala a palavra de Deus. Até agora não falou nada que não foi dito por Jesus." De todas as católicas ouvidas pela coluna, a empresária é a única que concorda
com tudo e tenta seguir tudo o
que é dito por Bento 16.
CAMISINHA
Como o papa, ela acha que não deve
ser usada. "Sou a favor da dignidade. Uma camisinha não dá dignidade. Dá frustração. Há várias meninas que usaram camisinha, transaram com vários, depois os vários
não gostaram, largaram delas. E
elas ficaram soltas. E daí? Daí é o
sofrimento. Camisinha não é felicidade. É o direito à falsa liberdade."
HOMOSSEXUALIDADE
"Não tenho autoridade para falar.
Mas se o papa fala é porque tem
autoridade para isso. Posso dizer
que, como católica apostólica romana, tenho milhares de amigos
homossexuais. Cabeleireiro, costureiro, enfim, gosto deles. Como o
papa fala, você deve odiar o pecado,
mas amar ao pecador."
SEGUNDO CASAMENTO
"Meu irmão é divorciado, sofremos
muito. Por isso sei que o divórcio é
uma chaga. Sou a favor da família.
Quando alguém se separa, a família sofre. Não é fácil manter o casamento? Concordo, mas a luta é imprescindível em tudo. Está na hora
de nos conscientizarmos da batalha do amor. Amar é fazer de uma
renúncia um prazer."
ABORTO
"Se alguém me dissesse que eu teria que tirar um filho para não morrer eu preferia morrer. Morro mas
quero ir para o céu. Tenho dez filhos, 27 netos e seis bisnetos. Lógico que não é uma coisa normal.
São dez partos, o último deles
quando eu tinha 42 anos. Mas Deus
estava comigo, deu uma força acima do normal."
Maria Regina de Moraes
A casa de Antônio Ermírio e
de Maria Regina de Moraes, em
SP, tem um oratório para que a
família, formada por nove filhos e 24 netos, sempre celebre
missas em datas importantes.
Mas ela diz que tem "até vergonha de falar" pois se considera
uma católica "muito indisciplinada e pretensiosa": não vai regularmente à missa mas está
"conversando com Deus o tempo todo". Maria Regina só não
consegue obedecer fielmente o
que diz o papa."
CAMISINHA
"Quem sou eu para ir contra a palavra de um papa? Mas orientar a não
usar camisinha é pesado demais.
Tem que usar. Eu nunca usei, sabe?
[risos]. Mas hoje fico chocada, assustada de ver a liberdade dessas
meninas. Então é melhor estar prevenida. Agora, cheia de netas adolescentes e vendo que a vida está
de outro jeito, eu não acho que seja
errado."
HOMOSSEXUALIDADE
"É outra questão, viu? Ai, meu
Deus. Minha mãe dizia assim
"quem ama com fé, casado é". Se as
pessoas estiverem bem, não temos
nada que ver com a preferência sexual delas. Eu conheço rapazes que
sei que são mais prá lá do que prá
cá. São interessantíssimos. Não
chocando terceiros, a gente tem
que respeitar."
SEGUNDO CASAMENTO
"Eu acho que não é uma praga. Eu
tenho uma filha desquitada, casada pela segunda vez, felicíssima,
que mora em Miami, tem três filhas maravilhosas. Não vejo desgraça. É uma das mulheres mais incríveis que conheço. Ela não tinha
nem 30 anos quando separou. Vai
ficar a vida inteira sozinha, na janela, vendo o mundo passar?"
ABORTO
"Não posso dizer que sou contra
porque tem muita gente que, sei lá,
por um motivo ou outro, precisa tirar, não é? Eu nunca tirei, não tiraria e sou contra. Quando estava
grávida de minha filha Regina, eu
tinha um tumor na cabeça. Todo
mundo veio falar comigo. Até o padre Gregório: Regina pelo amor de
Deus, você já tem oito filhos perfeitos. Eu falei: por isso mesmo.
Então se o nono está ameaçado de
não ser perfeito, eu tiro? Não tive
coragem. E no fim está aí, a Regininha, essa maravilha. Foi uma benção de Deus eu engravidar. Já imaginou, sem filhos, o que eu ia fazer
sozinha com o Antônio? Ele só trabalha, mas só, é impressionante."
Maria Amélia Arruda Botelho
A escultora Maria Amélia Arruda Botelho de Souza Aranha,
a Mabsa, 90, doará ao papa duas
de suas obras que retratam cenas da vida de Maria de Nazaré.
Quando administrava sua fazenda em São Manuel, no interior de São Paulo, ela organizava missões no município com
um padre que fazia pregações,
realizava casamentos e batizados. "Por 30 anos, fiz missões.
Tenho a consciência tranqüila.
Fiz tudo o que estava ao meu alcance." Maria Amélia foge como pode de perguntas espinhosas sobre os princípios e as polêmicas que envolvem a igreja.
Camisinha? "Não vou discutir,
isso não é assunto meu." Homossexualismo? "Eu não discuto porque não tenho competência." Aborto? "Como católica, aceito tudo que vier de Roma." Divórcio? "O amor não é
forte? O amor perdoa."
Adriana Vilarinho
A dermatologista Adriana Vilarinho, 38, vai à igreja todos os
domingos, desde quando era
criancinha. E se define como
"católica praticante e fervorosa". Mas não consegue concordar com boa parte de teses ainda hoje defendidas pela igreja.
Ela é, por exemplo, defensora
-fervorosa- do uso da camisinha. "E do anticoncepcional.
Sou médica. Os índices de natalidade estão crescendo. Você
tem de propiciar condições melhores para que as pessoas evitem a gravidez não planejada.
Temos que prevenir e cuidar
para não termos tantas pessoas
morrendo de fome." Adriana
acha que "alguns preceitos da
igreja são antigos" e diz que na
Bíblia, segundo sua interpretação, não há condenação ao homossexualismo. "É importante
distinguir a palavra de Deus da
interpretação dos homens." A
dermatologista também prefere não julgar os que se divorciam. Sobre o aborto, é mais
clara: "Defendo a vida".
Rosângela Lyra
A diretora da Dior será uma
das poucas brasileiras que terá
o privilégio de ver o papa de
perto no Brasil. Ela visitará o
pontífice no Mosteiro de São
Bento, onde ele ficará hospedado. "Por favor, não deixe de escrever que eu amo o papa", diz.
Rosângela divide sua vida entre
antes e depois de retornar ao
catolicismo, por motivos familiares. E procura seguir o que o
papa diz -embora às vezes seja
difícil. Ela, por exemplo, está no
segundo casamento, que é considerado "uma praga" por Bento 16. "A igreja quer que você
tente manter a família. Óbvio
que quando isso não pode
acontecer, há possibilidade de
você regularizar a situação. Eu
recorri a um tribunal religioso
para anular meu primeiro casamento." Sobre camisinha e
aborto, diz: "Você não pode ser
meio católico, isso eu quero,
aquilo eu não quero. É tudo ou
nada. E é óbvio que é difícil seguir a palavra de Jesus. O mundo está cheio de tentações".
com GUILHERME RAVACHE (reportagem)
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